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Paola Gutiérrez, directora de marketing: "Chamaram-me de Motorola e perguntei-lhes se ainda existia"

Entrevistamos à exdirectiva da multinacional de telefones móveis para falar de sua experiência profissional nesta e outras empresas como Telefónica e Orange

Teo Camino

Paola Gutiérrez, directora de marketing

Paola Gutiérrez Simón é uma marketer com um historial comprovado de sucesso à hora de lançar, impulsionar, relançar e melhorar os rendimentos de marcas que estão muito presentes no imaginário colectivo. Ela tem sido responsável por marketing em Telefónica , chefa de marca e comunicação de Orange e directora de marketing de Motorola , a marca de móveis que viveu seu máximo esplendor nos primeiros 2000, quando se codeaba com Nokia, até cair no esquecimento.

Entrevistamo-la para destapar os entresijos das multinacionais do sector da telefonia, da febre pelos iPhone de Apple e do futuro incerto de Motorola, a empresa que acaba de abandonar.

--Em abril deixou Motorola… Como foi?

--Entrei em Motorola em plena pandemia. Foi todo um repto, porque é uma marca que está bastante desdibujada no mercado espanhol. Não se soube adaptar às mudanças da entrada dos novos players chineses. Contrataram-me para relançar a marca e não sê se voltar a ser os que éramos, mas sim para crescer. Então, faz uns meses, chega a Motorola Iberia uma nova directora geral que aposta por uma equipa nova, como costuma suceder nestes momentos de grandes mudanças, e eu me vou.

--Você tem trabalhado em Telefónica, Orange e a multinacional estadounidense Motorola... Com que experiência fica?

--Tenho tido muita sorte nas três. De Telefónica fico com a transição do mundo analógico ao digital, sobretudo no tema dos smartphones. Vínhamos de só chamar e passamos a incorporar internet nos telefones. Vivi-o em primeira pessoa. Foi um momento no que se adiantaram muitas necessidades que não existiam. Agora se nos tem ido das mãos…

Um fotograma do anúncio de Telefónica / YOUTUBE - TELEFÓNICA
--Estamos enganchados aos telefones?

--Actualmente está-se-nos indo das mãos. As novas gerações estão totalmente enganchadas e teriam que regular o uso dos móveis de alguma maneira. Em vez de jogar a futebol na rua, estão em TikTok . Ainda que também há conteúdo do que se aprende, não há que demonizar as redes sociais, o que deveríamos fazer é ensinar aos mas jovens e aos pais a fazer um uso responsável delas.

--Totalmente de acordo. Alguma outra curiosidade de sua etapa em Telefónica?

--Em Telefónica vivi o lançamento em exclusiva do iPhone 4. Lembrança que Apple era muito exigente e nos impôs condições leoninas. Não podíamos ter smartphones das mesmas características a um preço inferior… Foram umas negociações muito duras com Apple. Mas fico com a mudança de um telefone que serve para falar a outro que serve para bem mais.

--Está justificada a má reputação das empresas de telefonia? Quanto à falta de atenção ao cliente, as estratégias comerciais agressivas e outras fraudes…

--No passado sim abusava-se disso, mas agora as companhias são mais cuidadosas. No meio digital é mais fácil que a reputação de uma empresa desapareça. É verdade que a ética, às vezes, brilha por sua ausência com teleoperadores que te chamam às dez da noite, mas tem tido uma melhora em toda a parte de experiência de cliente. Evidentemente seguem presentes as ofertas comerciais e o approach é agressivo, pelo que sim, a má fama está justificada.

--Que diferença a Telefónica de Orange?

--Tudo tem suas vantagens e desvantagens. Telefónica, desde dentro, tem uma estrutura mais funcionarial. Em Telefónica não fazem que trabalhes com paixão, ainda que sim se trabalha a gosto. Tem mudado e modernizou-se, mas eu tenho colegas de faz 20 anos que seguem no mesmo posto fazendo o mesmo. Orange era totalmente diferente. É mais moderna, mas também bem mais agressiva porque tinha que atacar. Agora, MasOrange o está a fazer bastante bem e tem sabido adaptar aos tempos.

Sede central de Orange / RICARDO LOIRO (EP)

--Há algum segredo de Motorola que possa desvelar?

--No mercado de Estados Unidos estão os terceiros. Em Latinoamérica são líderes. Em México e Brasil arrasam. Aí a marca nunca tem desaparecido. Em Europa e em Espanha, é uma marca que praticamente tem desaparecido. Teve seu auge, mas, quando abandonas uma marca, é muitíssimo mais fácil lançar uma marca nova que revigorar uma que está no letargo. Precisas muitíssimo orçamento. Quando me chamaram de Motorola, minha pergunta foi: 'mas Motorola ainda existe?'.

--Muita gente jovem não conhece a marca…

--A gente não sabe que Motorola está no mercado. Por que? Porque outras marcas têm mais recursos para que se lhes veja. Apple não é um competidor; Motorola compete com outros telefones Android, e Espanha é um país muito sensível ao preço. Nós fazíamos muita estratégia push, mas temos que conseguir pull. O que realmente teria que conseguir é que alguém entre no O Corte Inglês e pergunte por Motorola. Se não tens marca nem pões muitos recursos no preço, isso se acaba caindo. Ainda que, bom, quando apanhei a marca tínhamos um 0,7% de quota (2020) e agora tem subido ao 5%. Espanha é um país estratégico e agora se estão a investir recursos.

--Dirigir o marketing e a comunicação de Motorola entre 2020 e 2024 e receber prêmios por seu trabalho deveu ser todo um repto…

--Foi uma experiência muito valiosa. Coincidiu com a chegada de uma nova general manager, Carolina Prieto, que tinha levantado a quota de mercado em Colômbia de um 2 a um 20%, e ela apostou por levantar a marca. Deram-lhe meu nome e foi um orgulho. Atraía-me o repto. Começamos a trabalhar confinados e deram-me o prêmio à inovação por todas as acções disruptivas que lançamos tendo em conta que éramos uma companhia tecnologica, com todo o que isso implica. Ao final, o importante é que surja a criatividade nos momentos difíceis. Mas os reptos estão muito bem sempre que estejam respaldados com recursos e a empresa aposte por isso. Saltei-me muitas regras e tem ido bem, mas também me passou factura. Ao final, as companhias não são tão flexíveis como parecem, e eu sou rebelde.

Uma pessoa com o novo Motorola Edge 50

--"Era um móvel?", "Já não existe, não?", "Eu não tenho visto nenhum…" e "É uma marca de carros?" são as respostas de quatro jovens aos que tenho perguntado por Motorola…

--Creio-te. Meus filhos têm Motorola, porque tocou-lhes, e estão contentes. Mas todos seus colegas de universidade vão com um iPhone. No ano passado fizemos uma campanha de branding, forramos Madri com o plegable de Motorola e gerou muita curiosidade e interesse. Mas não podes investir 15 dias num circuito one shot e depois desaparecer. Não serve de nada. E também há que estar na tv, em redes sociais… Se não estás aí, não existes. Há coisas que não se fizeram bem.

--Em abril, quando Motorola nomeou a sua nova directora de marketing, a directora geral em Espanha e Portugal falava de crescimento e assentamento da companhia… Falar de assentamento é assumir o falhanço?

--É assumir o falhanço. Motorola deveria ir por outro caminho. Poderia ter dito 'explodir de novo'. Tem um nível de lembrança muito potente em nossas gerações, mas também tem que atrair às novas, e isso é muito difícil. A gente jovem compra os iPhone até de segunda mão.

--Que é Motorola em Espanha em 2024?

--Que é Motorola? Uma marca antiga. Old fashion total. Não se tira essa percepção. Oppo está acima de Motorola nos relatórios de tracking de marca. Temos um gap incrível com respeito às demais marcas.

--Motorola é o Nokia americano?

--Nokia não se soube adaptar às mudanças e os sistemas operativos. Motorola tem Android, pertence a Lenovo e tem um impulso financeiro importante. Se há uma aposta de Lenovo por Motorola, resurgirá. Em Itália e Polónia estão a conseguí-lo com números brutais. Mas o mercado espanhol é bem mais difícil. Há que ir da mão de todos os operadores e retailers.

--Se Apple, Samsung e Xiaomi jogam a Champions, em que une está Motorola?

--Motorola está a competir com Vivo, Honra e Realme. Motorola tem telefones de faixa alta muito bons, mas compete em faixa média e meia-baixa.

--Têm muita margem os fabricantes de móveis?

--Não to posso dizer.

--Vários estudos asseguram que Apple ganha 500 euros pela cada iPhone vendido… Lhe quadra?

--Sim.

O iPhone 15 / Jonathan Brady (EP)

--E com a omnipresente obsolescencia programada…

--Efectivamente, mas a gente está apaixonada da marca e dá-lhes igual. Ainda que o iPhone 14 seja igual que o 13, a gente vai seguir comprando o novo. Assim somos os humanos.

--Qual é seu novo projecto?

--Por agora te posso contar pouco. É um aplicativo de educação, de línguas estrangeiras a nível world wide. É uma coisa muito chula. Estamos afinando os números para apresentá-la e fazer uma rodada de financiamento. Tenho sido feliz nas companhias, mas acho que o empreendimento é básico. Ademais, está a apostar-se pelo talento senior. Há que seguir se sentindo vivo. O de Motorola não tem sido traumático. Há que seguir e acho que este aplicativo o pode petar. Já contar-te-ei.