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O Workshop para não ser 'Machos Alfa' desconstrói a série da Netflix: "O humor tira a credibilidade"

Dani Rius, fundador do curso que trabalha sobre as novas masculinidades, explica em que consistem realmente estes workshops "anti-machos" fora da ficção.

Ana Carrasco González

Imagem da série "Alpha Males" / NETFLIX

Quatro amigos assistem a um curso sobre a desconstrução da masculinidad.e Anos atrás tinham sido uns "machirulos", mas agora notam que perderam tanto as suas mordomias como a sua identidade, pois tocou-lhes viver na era da igualdade. Como resultado, eles não têm escolha a não ser se adaptar e perder as atitudes machistas que assumiram desde a infância. Esta é o enredo da nova série da Netflix Machos Alfa, no entanto, a realidade destes cursos fora do ecrã é muito diferente.

"É bonito que possa normalizar-se o falar destes temas, mas a série é humorística, e o que nós tratamos são temas sérios. Para mim isso é preocupante. Acho que o humor fez com que percamos credibilidade. eria sido melhor em formato de documentário", confessa a este meio Dani Rius, um dos fundadores –junto a Cesc Laporta-- da El Taller, uma organização com uma perspectiva de género e uma abordagem interseccional que oferece um curso para trabalhar em novas masculinidades.

El Taller

Para Rius, esta série engancha mais pela caricatura que pelo conteúdo. "Isso é um perigo, porque fala-se de temas que para nós são muito sérios. O machismo é uma realidade que faz muito dano", destaca o terapeuta, que conta que ele mesmo esteve num grupo para trabalhar a masculinidade junto com o seu sócio atual. "Tanto para mim como para Cesc foi uma experiência que nos transformou a vida e a visão das relações tanto com outros homens como com mulheres", diz.

O curso para trabalhar nas novas masculinidades / A OFICINA

"Aí sentimos um impulso porque isso que vivemos era tão importante que queríamos partilhar com outros homens", diz Rius. Agora, El Taller lestá em funcionamento há seis anos. "O principal que fazemos é o trabalho das masculinidades acompanhando os homens, mas também fazemos formações em escolas, em institutos ou em organismos, bem como workshops com jovens e com mulheres", especifica.

Que ferramentas oferecem

Na El Taller oferece-se um curso com um grupo de homens que dura um ano, como se fosse um curso escolar. "Neste ano temos um programa no qual trabalhamos diferentes temas que identificámos como vértices da masculinidade", diz o fundador da empresa. "O trabalho é sobre como identificar a masculinidade a que chamamos tradicional ou hegemónica, que nos veio dizer que somos homens ou que nos foi imposta pelo patriarcado. Pouco a pouco, em cada workshop, desmontamos esta ideia, e encontramos outras masculinidades", argumenta.

"É um trabalho no qual propomos muitas experiências, jogos, dinâmicas, exercícios... Não é uma palestra unidireccional. O que fazemos é sentarnos em círculo e falar, para passar depois a fazer algo de movimento do corpo. Depois, talvez, fazemos uma proposta escrita ou uma reflexão a pares", explica Rius sobre as atividades do workshop. "São três horas a cada duas semanas e, um par de vezes durante o curso, fazemos o que chamamos uma residência durante o fim de semana. Vamos-nos todos juntos a uma casa de turismo rural ou a uma herdade e fazemos um trabalho mais profundo", acrescenta.

"Não somos um gurú como na série"

Desta forma, Rius também reflete a realidade destes cursos. "Não é que sejamos uns eruditos ou uma espécie de gurú como na série Machos Alfa, onde o instrutor (Santi Millán) faz como que sabe muito e vai partilhar com outros homens as chaves da masculinidade alternativa. Isto para nós continua a ser patriarcal", sentencia.

Fotograma da série 'Machos Alfa' NETFLIX

"Que um homem dar como exemplo os outros seria o mesmo modelo no final. O que tratamos é de desmontar este modelo nos grupos e torná-lo algo um pouco mais co-criado entre todos os participantes", sublinha.

A curiosidade como incentivo à inscrição

Entre as 15 pessoas que se inscreveram no workshop este ano está Martí Vallejo, de 32 anos, que veio por mera curiosidade, depois de um amigo o ter recomendado.

"Antes, uma parte de mim estava bloqueada. Com as mulheres eu permiti que essa parte de mim saísse mais. Agora também me sai com os homens e posso-me expressar transparentemente sem medo e sem sentir-me menos homem", expressa o aluno à Consumidor Global.

50 euros por mês

"Para mim, não é um curso, é mais uma coisa mais vivencial, experiencial e recomendar-lho-ia a todos, não necessariamente a pessoas machistas como tal", afirma com contundência Vallejo, que afirma também que não se sentiu julgado por ir ao workshop, embora confesse que em algum momento foi gozado. "Quando falas com profundidade, de alguma forma todo mundo o entende", defende.

O curso para trabalhar nas novas masculinidades / A OFICINA

No entanto, Vallejo aafirma que E. Taller não é nada parecido ao curso para "machirulos" que projeta a série de Netflix. "De facto, banaliza-o muito sob o meu ponto de vista. Nessa série, o grupo de masculinidade dessa série pintam-no como um curso onde há um gurú, e não é uma aula assim de todo", diz o participante que paga todos os meses 50 euros para continuar o curso, além do dinheiro extra das escapadelas de fins de semana que não quer detalhar a este meio.

Acabar o curso não é deixar de ser machista

Tal como informa Dani Rius, aqueles que vão ao workshop são pessoas que já fizeram um "clique" e estão a procurar alguém que lhes acompanhe a fazer esse processo. Vão desde jovens de 22 anos até pessoas maiores de 79 anos. No entanto, o seu fundador remarca que este curso é um trabalho que requer tempo. "Não quer dizer que ao acabá-lo não tenhas atitudes machistas. Não repartimos diplomas nem passaportes ao acabá-lo, porque é um trabalho para a vida", explica.

"Depois da emissão da série, recebemos vários emails que nos dizem que querem participar em worksops de masculinidade para trabalhar a masculinidade tóxica, que é do que se fala na Netflix. No entanto, não cersceu o número de alunos já que ao ser humurística é difícil que chegue realmente a motivar", opina Rius. "Que venham homens ao workshop não significa que apareçam mais machistas, senão homens que podem reconhecer essa parte. Seria utópico pensar que o machismo desaparece sem fazer um trabalho de revisão", finaliza.