Antes de apanhar um avião, não encher em excesso a mala para não ultrapasar as medidas permitidas é um dos assuntos que mais preocupam os viajantes. A bagagem é, de facto, um dos grandes quebra-cabeça, e os litigios sobre o que se pode levar e onde são constantes. Em 2014, o Tribunal de Justiça da UE considerou que as companhias aéreas não deveriam cobrar um suplemento pela bagagem de mão, sempre que este cumprisse "requisitos razoáveis em termos de peso e dimensões". Apesar desta decisão, algumas companhias aérea continuam a fazê-lo. Entre elas figura a Wizz Air.
Esta companhia de origem húngara opera em mais de 600 rotas, e voa fundamentalmente na Europa Central e do Leste. Segundo a classificação da Airlineratings, foi a melhor linha aérea de baixo custo na Europa em 2020. No entanto, muitos dos seus clientes não pensam o mesmo.
Única possibilidade para algumas rotas
Ana Pérez é investigadora numa universidade espanhola, e conta a este meio que lhe concederam uma autorização para viajar para uma cidade da Roménia localizada a cerca de seis horas de Bucareste, a capital. A única companhia com voo direto era a Wizz Air, indica. Além da sua roupa e objetos pessoais, tinha que levar o portátil, o tablet, os papéis… "Complicado colocar tudo isso numa mochila", descreve.
"Nunca tinha voado com a Wizz Air, pelo que não os conhecia. Fiquei bastante surpresa com o facto de me terem pedido para pagar a bagagem de mão extra, porque sabia que a UE a tinha proibido e que havia várias decisões sobre o assunto. Mas como não tinha alternativa, comprei a bagagem extra", explica Perez.
Indemnizações por cobrar bagagem de mão
A verdade é que a União Europeia não o proibiu exactamente, pelo menos por enquanto, mas sim existem sentenças contundentes, várias delas contra a Ryanair, que foi condenada a indemnizar vários passageiros por cobrar bagagem de mão. Alguns juízes entenderam que se trata de uma prática abusiva, e em Bruxelas há verdadeiro zumzum, mas não está preto sobre branco.
No início de outubro, o plenário do Parlamento Europeu pediu que se estabelecessem normas "uniformes e coerentes" que unificassem os tamanhos permitidos das malas de mão, bem como os preços que uma companhia aérea pode cobrar pelo seu transporte. O pedido surgiu após o verão, quando muitos consumidores foram desagradavelmente surpreendidos por terem de pagar por algo que pensavam ser gratuito.
Lei de navegação aérea
Além disso, o artigo 97.o da lei relativa à navegação aérea estabelece que a transportadora "é obrigada a transportar gratuitamente na cabina, como bagagem de mão, os objectos e volumes que o passageiro transporta consigo, incluindo os artigos comprados nas lojas situadas nos aeroportos".
O embarque destes objetos e volumes somente poderá ser recusado "por razões de segurança, ligadas ao peso ou às dimensões do objeto, em relação às características da aeronave", diz a norma. Então, se parece ser claro, porque é que cobram por isso? Porque o camuflam num outro serviço.
Wizz Priority
Da companhia húngara denominam esta tarifa de Wizz Priority e, "com a desculpa de dar-te prioridade no embarque, deixam-te levar uma mala de mão (pagando-a, óbvio)", diz Pérez. Ela tinha que fazer a viagem de ida e volta, pelo que pagou um total de 57 euros pelos dois Priority.
No seu site, a empresa deixa-o claro: "Todos os passageiros da Wizz Air podem levar a bordo uma peça de bagagem de mão de forma gratuita. Para levar outra 'mala com rodas' a bordo, acrescente Wizz Priority à sua reserva. Ao fazê-lo, pode levar um total de duas peças de bagagem a bordo", explicam. Por outras palavras, tem de passar pelo checkout. "Apenas os passageiros Wizz Priority têm direito a levar uma mala de rodas adicional com um tamanho máximo de 55 x 40 x 23 cm, para além da bagagem de mão gratuita (máx. 40 x 30 x 20 x 20 cm) na cabina", acrescentam.
Até 50 euros
O preço desta tarifa Priority resulta mais ambiguo. No site diz-se que é de "0,00 € – 50,00 €" se o utilizador a contrata pela internet ou através do centro de atendimento telefónico da Wizz Air. Isto é, existe uma margem muito ampla e confusa. A Wizz Air parece dizer que se fica pelo que se recebe. Por outro lado, se o fizer no aeroporto, o passageiro paga 45 euros.
Pérez fê-lo antes de chegar ao aeroporto e, uma vez lá, verificou que os responsáveis da companhia aérea estavam atentos. "Quando chegou a hora de embarcar, tinham colocado a etiqueta Priority na minha mala, mas a hospedeira da porta de embarque não a via bem e comentou que tinha que pagar quase 60 euros", explica. "São muito atenciosos e, se não pagarmos antes do voo, pagamos na hora ou não levamos a mala", diz.
"Vendem-to como um 2x1"
Pérez admite que jamais teria contratadoa Priority se a companhia aérea não forçasse os passageiros fazê-lo, já que ela não tinha especial pressa em embarcar e considera "classista" que, por pagar mais, um passageiro possa entrar antes que outro ou disponha de uma "fila" especial. Estas vantagens, relativamente limitadas, são as que a Wizz Air utiliza para justificar o pagamento da mala. "lmagino que dirão que na realidade paguei pelo acesso prioritário, já que to vendem como um 2x1", argumenta esta consumidora.
Apesar do que pagou, Pérez tem claro que se trata de uma cobrança ilegal. "Para reclamar, encontrei um modelo de Ryanair em espanhol, adaptei-a com algumas mudanças ao inglês e mudei todo para a enviar a Wizz Air. Mandei-a tanto por correio como pela via de reclamações que têm no seu website", assinala. Se não obtém resposta, tem previsto escalar a reclamação e, chegado o caso, entrar com uma ação judicial.. "O que me molesta não é tanto o dinheiro, sina que se vejam com total impunidade para seguir cobrando a mala. E espero que lhes ponham uma boa multa", diz.
Discrepâncias com a bagagem
Nas redes sociais, muitos consumidores partilham o seu mal-estar por estas cobranças. "Nunca reservem uma viagem com a @WizzzAir. Em Madrid permitem-te entrar com mala de mão, para depois cobrar na volta. Tudo isto atrasando o voo 3 horas e deixando-te à chuva no aeroporto de Budapeste", dizia um afetado noX (antigo Twitter).
"Vão devolver-me os 50€ que me obrigaram a pagar? Vão sancionar a funcionária que me gritou e me humilhou tirando-me o meu Cartão do Cidadão da mão ao dizer-lhe que não estava obrigada a pagar? Sois uma vergonha. Por favor, faça um RT para que toda a gente saiba que NÃO é obrigado a pagar", exigiu outro viajante irritado.
Expediente de Consumo
Independentemente da força com que Bruxelas decida atuar, a Espanha já tomou medidas em relação à bagagem de mão. Em agosto, o Ministério do Consumo anunciou que tinha aberto um processo a várias companhias aéreas low-cost que cobravam um extra pela bagagem de mão que se transporta na cabine. Não se especificou se a Wizz Air figurava entre as pesquisadas, mas, com base nos comentários das pessoas afectadas, poderia muito bem estar.
Com "esta prática de dividir os serviços tradicionalmente incluídos no preço do bilhete e cobrar ao passageiro um suplemento", afirma a Consumo, as companhias aéreas oferecem preços competitivos na sua publicidade. Resta agora saber se a coima será anedótica ou se poderá realmente prejudicar as companhias aéreas. "As sanções previstas para estas infracções podem ser consideradas como infracções graves ou muito graves, com coimas entre 10.001 e 100.000 euros, no caso de infracções graves, e entre 100.001 e 1.000.000 euros, no caso de infracções muito graves", refere a Consumo.
Péssimas avaliações
No Trustpilot , as opiniões sobre a Wizz Air assustam: há mais de 11.500 avaliações, e a empresa tem uma média de 1,3 estrelas sobre 5. Entre outras críticas está a de um viajante que tinha chegado ao aeroporto com 2 horas de antecedência. "Fomos perguntar à funcionária do check-in se tínhamos de fazer o check-in de uma mala extra de 10 kg, porque a tínhamos reservado, e ela confirmou que não, que estava na cabina", começa por dizer.
"Ao chegar à porta fizeram-nos pagar 52€ para levá-la na cabine, uma fraude de manual. Durante o voo éramos 10 pessoas as que tinhamos passado pelo mesmo, não voltarei a voar nunca mais com esta companhia graças ao trabalho nefasto dos seus trabalhadores do atendimento ao público", acrescentava.
A postura da companhia
Quando questionadas, as fontes da Wizz Air explicam que a legislação europeia confere às companhias aéreas o direito de decidir sobre as suas próprias políticas de bagagem, o que significa que têm o direito de fixar os preços, o peso e as dimensões da bagagem. "É preciso ter em conta que o número e o tamanho das malas que cabem em segurança a bordo podem variar consoante as companhias aéreas, porque depende do modelo do avião e da sua estrutura", acrescentam.
Por isso, consideram que é correcto "limitar e regular o tamanho e a quantidade da bagagem", e que a fórmula atual, "que permite às companhias aéreas estabelecer regras diferentes", é útil para tanto os viajantes como para as companhias aéreas.