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A nova 'igreja' que triunfa entre os jovens
Junto com retiros espirituais centrados na meditação e o exercício ganham força os organizados por grupos cristãos
"Na meditação o mais importante é não fazer nada mais que observar. Observas o aparecimento dos pensamentos, das emoções, das sensações conscientes. Observas o seu desaparecimento. Observas seus pilotes, seus pontos de apoio, suas linhas de fuga. Observas teu trânsito. Não te sumas a ele, não o recusas. Segues a corrente sem deixar que te arraste. A força de fazer isso, a vida mesma muda". Escreveu-o Emmanuel Carrère, premeio Princesa de Astúrias das Letras 2021. O livro titula-se Yoga e parte desse fenómeno em boga.
Ao calor do auge de práticas como o mindfulness, e quiçá do deshielo da conversa sobre saúde mental, os retiros espirituais experimentam seu particular auge. Não se limitam a se esticar sobre uma esterilla, a se meter madrugones e a repetir o reverberante 'om', sina que têm atingido à religião. O retiro Effetá, mais especificamente, pôs-se de moda entre os jovens católicos que vão a uma sorte de albergues para reencontrarse com Deus. Coaching religioso ou terapia proveitosa?
O luxo de parar
A psicóloga Carolina López-Ibor, da clínica Reactiva, focaliza o problema no frenesí da vida actual. "Estamos cheios de ansiedades , de inseguranças, e não podemos nos parar a ver como nos sentimos ou a procurar um sentido a nossa vida. Estamos numa roda na que não nos questionamos nada", raciocina. Por isso, assegura, "nosso corpo e nossa mente nos podem pedir parar". A pergunta é se fazer esse break significa esboçar uma coma, um ponto e seguido ou um ponto e final. Ademais, parar pode ser um luxo. Não porque os preços sejam desorbitados, sina porque requer tempo.
Segundo a experiente, os retiros respondem à necessidade de jogar o travão. "Ante essa necessidade, surgem diferentes possibilidades: em primeiro lugar, estão os retiros mais corporales, por exemplo, de yoga , que se centram em te cuidar e sanearte, nos que te tiram o telefone e te proporcionam um tempo para parar e voltar a ti", explica. Pelo outro lado, os unidos às parroquias. Dos primeiros há muitos: alguém que deseje desligar pode reservar um retiro de yoga e meditación de três dias num palacete medieval do pirineo navarro por uns 220 euros. Inclui dietas depurativas, caminatas por bosques de tenhas e actividades relajantes. Para os mais criativos, é possível ir a um retiro em ria-las Baixas para desenvolver a veia artística. Por 300 euros.
A outra igreja dos 'influencers'
"Em retiros como Effetá ou Emaús, as pessoas procuram um sentido trascendental. Não tanto se encontrar com um mesmo, sina algo mais espiritual, como se encontrar com Deus", explica López-Ibor. Existe muito secretismo em torno de ambos. Effetá significa 'abre-te' (olho: a escutar a palavra de Deus). Mas sem proclamá-lo: a gente que tem estado não revela detalhes. Se mergulha-se em Twitter , alguns comentários dão pistas. "Este finde tenho ido a um retiro de Effetá e tem sido a melhor experiência de minha vida, fazia muitíssimo tempo que não me sentia tão feliz", afirma um tuitero. Outro, dubitativo, pergunta se alguém tem assistido e se o recomenda. Um terceiro define-o como "experiência de imersão total".
Entre as que sim têm ido figura a influencer Marta Rimbau, que tem 650.000 seguidores em Instagram. A jovem contou em suas stories que depois do retiro se sentia "feliz e aliviada", que tinha chorado muito" e que ali lhes faziam sacar "todo o que tens dentro". Isto é, que funciona como uma espécie de purga emocional em comunidade, um curso acelerado de reflexão vital disfarçado de mayéutica bem regado de lágrimas. Um tanto afastado da concepção tradicional de espiritualidad: privada, sobria, silenciosa.
Encontrar a Deus por 130 euros
Entre as coisas que os organizadores não escondem está o preço. Os retiros, de um fim de semana de duração, custam 130 euros. Menos que uma casa rural na Serra de Madri. Nesta comunidade, a viagem começa na casa de Espiritualidad de Emaús de Torremocha do Jarama. Mas há em muitas cidades: os organizadores contactam com os diferentes obispados e estabelecem-se delegações que têm organizado retiros em Sevilla, San Sebastián, Santander ou Valladolid.
"Trata-se, em definitiva, de um processo pessoal que têm de descobrir os jovens que nele participam, já que é difícil encontrar informação explícita sobre o que ocorre nestes retiros em internet ou redes sociais", reconhece a Archidiócesis de Burgos.
O que passa em Effetá, fica em Effetá
L., um jovem que tem assistido a Effetá, dá a Consumidor Global algumas pinceladas do funcionamento: "Ao chegar, tiram-nos os relógios e os móveis. Rezamos várias vezes ao dia, há umas pessoas que actuam como monitores. A comida é muito singela, massa e tostadas, como num acampamento". L. destaca que nestes retiros "te abres em canal" e que, de forma mais ou menos tácita, os organizadores instam a não contar nada.
Podem ser epifanías para alguns, mas, tal e como explica Carolina López-Ibor, o impacto psicológico destas experiências é limitado. "São como fogos artificiais: vais-te um fim de semana e desligas, mas quando voltas a tua rotina, as mudanças não permanecem. Segues no mesmo bucle e com a mesma dinâmica. Por isso, o ideal é procurar mudanças em longo prazo, que te ajudem a te repensar coisas", defende a experiente.
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