"Fazenda somos todos" é um dos eslóganes governamentais mais célebres. Pode-se estar mais ou menos de acordo com a afirmação, mas é inapelable que, desde o 6 de abril de 2022, se inicia a campanha da Declaração da Renda 2021 pára todos aqueles que a apresentem por internet. Estão obrigados a apresentá-la todos os contribuintes com uns rendimentos anuais superiores aos 22.000 euros. Para alguns é um trâmite que despachar a toda a pressa, mas lhe dedicar atenção pode significar um bom pellizco.
Neste ano, além das bonificaciones para as melhoras de eficiência energética, o foco está posto sobre as criptomonedas e nas vendas em plataformas de segunda mão, como Wallapop e Milanuncios. Falamos com experientes fiscais sobre os aspectos mais candentes e sobre onde há que prestar atenção para não se levar um susto.
A Agência Tributária pode cometer erros
Dantes de entrar nas especificações deste ano, Isidro Sardina, responsável pela área fiscal do despacho Horizon Advogados, recorda que é importante revisar bem a declaração. "Especialmente aqueles que se limitam a revisar e aceitar o apagado que envia a Agência Estatal de Administração Tributária (AEAT), já que pode cometer erros na contramão do contribuinte", especifica.
Por exemplo, menciona o caso de um casal que validava os rascunhos assim que lhe chegavam porque lhes saía a devolver 200 euros entre ambos. "Até que se deram conta de que a AEAT mandava sempre ditas declarações em tributación separada, e o fazendo em conjunta lhes devia ter devolvido 1.300 a cada ano", relata.
Conhecer bem as deduções de tua comunidade autónoma
Sardina reconhece que há algumas despesas com deduções "que não são muito habituais, e por isso a gente não as conhece nem aplica de forma habitual". Entre elas, menciona as específicas da cada comunidade.
Assim, Canárias mantém uma curiosa dedução "por despesas médicas e compra de gafas oftalmológicas que desapareceu da renda estatal faz anos"; enquanto na Comunidade de Madri existem bonificaciones pelo aluguer de moradia para menores de 35 anos que podem chegar até os 1.000 euros.
Os alugueres e pagamentos com Bizum
Relativo ao aluguer de moradia, a nível estatal, só poderão se beneficiar os inquilinos que tenham assinado seu contrato de arrendamento dantes do 1 de janeiro de 2017. Os que não, au revoir. No rascunho há muitas especificidades, de modo que convém lê-las de forma paciente. Por exemplo, pode passar desapercibida uma significativa dedução de até 100 euros ao mês para mães trabalhadoras com filhos menores de três anos.
Para as rendas de poupança, acrescenta-se um novo e quarto trecho (com efeitos a partir de 2022), com um novo tipo impositivo do 26 % a partir de 200.000 euros de ganhos. Ignacio Cerdán, director da gestoría Asefisco com décadas de experiência na profissão, explica que as desgravaciones nos planos de pensões privadas se reduziram de maneira drástica, desde os 8.000 até os 2.000 euros actuais. Também recorda que Bizum é "uma ferramenta de pagamento mais", e, ainda que esta campanha se fale desta plataforma, só há que declarar quando se ganha ou se perde com as transacções, não quando se utiliza para pagar num estabelecimento. Se receberam-se pagamentos importantes através desta app, para Fazenda, diz o experiente, seria relativamente singelo descobrí-lo.
As criptomonedas só se declaram se se convertem em ganhos
Mas lá destas pinceladas, os focos de Fazenda estão neste ano sobre as criptomonedas e as vendas de produtos de segunda mão. As primeiras, por seu carácter polémico, transparente, mas fértil para as especulações, são as que mais ruído fazem. A pergunta que pode se fazer o jovem que investe em crypto sem ser experiente é evidente: A partir de que cifra de ganhos se tributa? Por exemplo, se alguém tem investido 500 euros em criptomonedas, se têm revalorizado e seu valor tem passado a 1.000, deve as declarar?
Depende. Sardina explica que, se não se produziu a venda essas divisas, "ainda que se tenham revalorizado, não há que declarar nada". Do mesmo modo, o experiente assinala que, se os únicos rendimentos de uma pessoa procedem de benefícios da venda de criptomonedas e não superam os 1.000 euros, não está obrigado ao declarar. "Se estamos obrigados a apresentar a declaração por outras raciocines – rendimentos do trabalho, alugueres- é necessário declarar qualquer operação, ainda que não chegue aos 1.000 euros", detalha.
Uma lacuna específica em património
Não é nenhum segredo que estas divisas são proclives à opacidade. "As criptomonedas supõem um investimento que, em grande parte das ocasiões, se faz através de operadores que não declaram em Espanha nem informam ao fisco de suas operações, o que, efectivamente, faz as mesmas opacas e ao cliente tentado a não as declarar. O problema é que, depois da venda, o benefício tem de reembolsar numa conta espanhola, o que pode deixar a controle do fisco ditos rendimentos", detalha Sardina. Ademais, o assessor puntualiza que a lacuna para as criptomonedas não está na renda, senão no património.
Tal e como expõe, existe confusão entre IRPF e património. No primeiro caso, estas divisas não possuem uma lacuna específica, senão que a AEAT tem criado uma nova chave para diferenciar "quando vendes estas divisas de outras operações" dentro da lacuna 124. Pelo contrário, no património sim há uma nova lacuna específica das moedas virtuais, Sardina.
"Qualquer ganho deve-se declarar"
Por sua vez, Cerdán considera que o tema das criptomonedas "não é realmente uma novidade, mas o cidadão da pé não é consciente de que isto deve se declarar". Este experiente sublinha que a ideia de que se declara a partir de 1.000 euros de benefício é errónea: "Qualquer ganho deve-se declarar", enfatiza.
Não obstante, também admite que muita gente pode se perguntar como lhe vai encontrar Fazenda se suas criptomonedas não estão num Exchange regulado. "Convém andar-se com olho", assinala, ainda que reconhece as limitações do sector. "Todo mundo sabe que, se manejas investimentos, o tens que declarar, e hoje por hoje, isto não é exactamente assim com as criptomonedas", relata.
Wallapop e Milanuncios, no objectivo
Milanuncios e Wallapop também propõem interrogantes aos utentes. Uma coisa são as vendas pontuas, que a priori não apresentam dilemas, e outra que o utente destas plataformas seja um verdadeiro experiente e mova quantidades importantes. "Quando fazes disto uma espécie de profissão, há que o declarar", assinala Cerdán, que recorda que "até os presentes de Natal seriam susceptíveis de tributar. Outra coisa é que ao Estado não lhe saiam as contas para ir a por todo mundo", opina.
"Não parece que os jovens que façam operações pontuas devam, por enquanto, se preocupar por isso", assinala, por sua vez, Isidro Sardina. "Outra coisa são os que têm criado uma autêntica empresa e fazem múltiplas vendas anuais em ditas páginas", A Agência Tributária não é o olho de Sauron, mas também não é cega.
Vendedores pontuas ou autónomos?
"A realização de actividades de forma reiterada e habitual considera-se uma actividade económica", recorda Sardina. Por isso, se o vendedor realiza operações habitualmente, está obrigado a se cadastrar como autónomo e a apresentar declarações trimestrais como tal. Agora bem, que é uma actividade 'reiterada'? "A Lei não marca um limite, mas é verdade que algumas sentenças do Tribunal Supremo têm falado de facturar mais de um salário interprofesional como requisito económico", explica Sardina.
Um exemplo singelo: se uma pessoa compra umas sapatilhas de edição limitada por 200 euros e depois vende-as em Wallapop por 400 euros, a teoria diz que deveria declarar a venda. "Qualquer ganho patrimonial deve declarar-se, seja de 1 ou de 1.000 euros", assinala Sardina. Não obstante, vivemos no país do Lazarillo de Tormes, onde a realidade é bem mais escurridiza. Por isso, se dita venda é algo pontual, deve o vendedor ter medo a não declarar? Pois também não.
A quota defraudada é o que importa à Agência
"Se o jovem não declara e a AEAT lhe fizesse uma revisão, pedir-lhe-ia 38 euros de impostos e a sanção não chegaria aos 10. Mas se tens feito 100 operações e tens ganhado 20.000 euros num ano, supõe uma quota defraudada a mais de 4.000 euros e umas sanções de ao menos 1.400, cifras que sim podem compensar um controle e o esforço de gestão tributária", detalha Sardina. Deste modo, os que sim deveriam se tomar em sério a norma são os que realizam vendas habituais ou os que façam alguma de muito valor, como objetos artísticos de várias cifras ou bolsas de luxo.
Não obstante, a situação poderia mudar no futuro. "Em casos como Airbnb, os alugueres tinham difícil controle, até que a AEAT obrigou a ditas empresas a informar sobre suas operações". E isso mesmo poderia acabar passando com sites como eBay ou Wallapop.