O truque das marcas para que vender mais barato em Espanha e Portugal

Mercadona e Lay's jogam com o nome de alguns dos seus produtos para evitar desenvolver várias embalagens

Um consumidor vê o rótulo numa marca de alimentos / PEXELS
Um consumidor vê o rótulo numa marca de alimentos / PEXELS

As colunas do Pártenon de Atenas, o templo por excelência da ordem e da harmonia, não são todas do mesmo tamanho. Há um truque, umas pequenas diferenças de espessura no centro que permitem que, de longe, todas pareçam iguais. Se os arquitectos gregos do século V a.C. não tivessem introduzido estas ligeiras modificações no volume das pesadísimas colunas centrais, vistas de longe pareceriam um pouco deformadas. Algumas empresas de alimentação e marcas empregam um truque semelhante, mas mais prosaico, com o objectivo de poupar custos e que vender mais barato em Espanha e Portugal.

Há umas semanas, um vídeo do TikTok ficou popular no qual o jovem Adrián Hevia mostrava uma embalagem de batatas Lay's Artesanas. Hevia identificava que a marca não tinha escrito "artesanas", mas sim que esticava ligeiramente as letras para que se lesse "artesanais". É um truque para que a marca venda a mesma embalagem em Portugal e em Espanha, sem ter que desenhar uma embalagem específica para cada país. É que uma mínima mudança de letras pode ter um grande impacto nas contas de de ganhos e perdas.

As marcas poupam milhões de euros graças às mudanças de nome

César Martín de Bernardo, professor de marketing da Universidade Europeia, reconhece à Consumidor Global que este jogo das batatas Lay's tem gerou  um alvoroço. Apesar de que os consumidores possam tomá-lo com humor, para as empresas não é nenhuma brincadeira: "Não ter que fazer mudanças de naming e adaptar as semelhanças linguísticas para vender o mesmo produto com a mesma embalagem em dois países diferentes supõe que estejamos a falar, a nível de custos, de uma poupança de milhões de euros", relata.

Los estantes de un supermercado / PEXELS
As prateleiras de um supermercado / PEXELS

Para algumas empresas grandes, desenvolver um packaging diferente para cada país pode "não ser um trauma", mas é uma despesa importante. "Se se partilhar o idioma, é mais interessante tentar uma conjunção", relata De Bernardo. Assim, trata-se de uma espécie de trompe l'oeil, na qual os desenhadores fazem malabarismos com o nome para minimizar despesas.

Os consumidores, confusos com este truque

O professor da Universidade Européia reconhece que, conquanto possa ser uma estratégia de sucesso, também pode "ter as suas incidências". Conta um episódio muito ilustrativo: uma marca de batatas fritas lançou umas com sabor a presunto. Em português, "jamón" escreve-se "presunto", de modo que a dita embalagem aparecia a construção "presunto jamón", o que causava algumas confusões cómicas. "O cliente perguntava-se se era presunto para valer ou não, ou se eram batatas com falso sabor a presunto", conta, entre risos De Bernardo.

Las patatas Ruffles con sabor a 'presunto jamón / CG
As batatas Ruffles com sabor a 'presunto jamón / CG

No entanto, o especialista acha que não é algo negativo, pelo menos na maioria dos casos. "Afinal de contas, também não é um grande problema para além de que haja algum cliente confuso com a terminologia", comenta o especialista. E, na sua opinião, um consumidor que pense que a empresa tem erros ortográficos ou gramaticais não é nada se se compara com a poupança que provoca esta prática. "Tudo é uma questão de fazer um Excel e ver onde está a rentabilidade", sublinha.

Captar a atenção

A nutricionista Pomba Quintana crê, tal como o professor, que estas práticas não representam riscos enquanto não impliquem tentativas de engano ao consumidor. "A não ser que a palavra difira muito em ambos idiomas e chegue a induzir a uma compra com um crédito, não passaria nada", opina. Pelo contrário, se ifossem incluídas alegações como que o produto é mais saudável, "ou a introdução da palavra light com outros caracteres, sim seria algo grave", explica.

Na sua opinião, tem mais que ver com o marketing que com uma armadilha. "Quando uma marca muda a estética e as cores do produto e apresenta uma nova imagem, capta a atenção do consumidor. Isto é parecido. Pode que tenha alguns clientes que tenham localizada a formulação e sintam rejeição, porque pensem que se trata de um produto novo ou que mudaram a receita, mas também pode conseguir captar a outros", raciocina Quintana.

Un cliente compra en un súper / PEXELS
Um cliente compra num supermercado / PEXELS

Mercadona 'fala' português

Muitas empresas, em vez de recorrer a esta solução tão imaginativa e um tanto arriscada, incluem a descrição do produto em ambos idiomas, português e espanhol, debaixo do nome da marca. Por exemplo, umas borrachas de apagar da marca Milan mostram o seu nome em grande como referência e, a seguir, descrevem o artigo em três idiomas: "borrachas para apagar" (espanhol), "erasers" (inglês) e "borrachas para apagar" (português). Este tipo de false friends do idioma luso gera muitas piadas nas redes sociais.

Mas a estrela quando se trata de bilinguismo é, sem discussão, a Mercadona. "Graças à Mercadona sei as frutas em português", escrevia Andrea no Twitter. Sandra Naharro, pelo contrário, explicava as suas descobertas: "enho pensado toda a minha vida que a pizza Pollo Frango era um estilo de pizza, e agora resulta que pollo é frango em português". Às vezes, a própria conta do supermercadoteve de explicar aos seus clientes que os nomes de alguns dos seus artigos não têm erros ortográficos, mas sim que se trata de uma decisão motivada pela sua expansão para Portugal.

El papel 'absorbvente' de Mercadona / MERCADONA
O papel 'absorbvente' da Mercadona / MERCADONA

Vinho e chocolate 'bl(r)anco'

Entre os produtos deste tipo da Mercadona sobressai um papel higiênico acolchoado da marca Bosque Verde. No plástico no qual é empacotado, o fabricante introduz uma 'ou', de uma cor ligeiramente mais clara, entre a letra 'h' e a 'a'. Assim, também se pode ler acolchoado, que é como se diz em português. E a rede usa a mesma estratégia numas toalhitas para bebés da Deliplus , onde o l de 'toallitas' também conforma parte de uma letra 'h' (em português se escreve toalhitas). Na mesma linha, um papel absorbente da Hacendado introduz um 'v' furtivo junto ao 'b', o que levou alguns consumidores a pensar que a Mercadona faltou à classe de ortografia.

A lista de artigos ae Mercadona onde isto acontece é extensa. Nela figura também a tablete de 100 gramas de chocolate branco, onde a letra 'l' de 'alvo' sofre um prolongamento e transformada num 'r', numa exibição de virtuosismo por parte do desenhador. Mais rude é o que ocorre com o vinho b(r)lanco Casón Histórico para cozinhar da Mercadona, onde directamente aparecem ambas letras.

El vino 'Casón Histórico' / MERCADONA
O vinho 'Casón Histórico' / MERCADONA

Tensão entre o local e o global

De Bernado conta que o supermercado Dia realizou uma estratégia de normalização para que o nome fosse o mais semelhante possível tanto em português como em espanhol. No entanto, os produtos da sua marca branca não têm jogos de caracteres tão chamativos.

A questão de fundo, explica o professor, é a tensão entre o local e o global. Na sua opinião, nas empresas impera agora um verdadeiro medo do "que dirão", uma cautela excessiva na hora de escolher slogans e palavras que levam, em grande parte, à neutralidade mais grosseira. Trata-se de um desafio para as empresas que, segundo de Bernardo, só algumas como a McDonald's resolvem positivamente. "As marcas procuram o equilíbrio entre o globalismo e a adaptação às circunstâncias regionais, ou seja, às características de cada país, em questões culturais, religiosas ou políticas, mas também com o seu próprio nome", diz.

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