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Códigos QR em lápides e obituários no WhatsApp: o negócio das funerárias está muito vivo

Com a queda das vendas de jornais, os serviços funerários apostam na inovação e desenvolvem alternativas digitais que vão desde alertas até ecrãs interativos

Várias lápides num cemitério / Pexels
Várias lápides num cemitério / Pexels

Morrer-se não é o que era. O resultado não variou (podíamos chegar lá), mas as práticas associadas ao enterro ou ao próprio luto foram-se modificando. Até não há muito, nalguns povos de Espanha ainda era possível escutar a megafonía de uma pessoa que ia num carro anunciado onde tinha morrido alguém e quando seria o seu enterro. Questão de comunicação. McLuhan teorizou que o meio é a mensagem, e agora os novos canais tratam de fazer chegar os mesmos avisos.

José Vicente García Santamaría, professor da Universidade Carlos III de Madrid, consultor em comunicação e especialista em meios, afirma que alguns diários têm tido, historicamente, uma boa fonte de rendimentos com os obituários. "Como a publicidade em papel está em queda já não se pagam os preços do passado nem se anunciam tantos óbidos", explica o professor. Mas há mais: a nossa sociedade vive colada ao seu telemóvel. Levamo-lo tanto nna funerária como no cemitério. E aí existe um nicho. De mercado.

Até 17.000 euros por obituário nos domingos

Como muitas outras coisas, depende do tamanho. ABC, diário no qual se pode saltar de obituário em obituário para ler a intra-história de Espanha, tem sete modelos diferentes de cartão final. O mais pequeno mede 96x74 mm e, na edição nacional do jornal, custa 613 euros para dias úteis e 880 nos domingos. Se se aumenta o tamanho até o modelo 3, (96×151 mm), os preços do obituário sobem até os 2.251 euros em dias úteis e 2.820 nos domingos.

Anunciar uma morte na edição nacional do El País resulta ainda mais caro. O tamanho 1, de 87x46 mm, vale 1.250 euros em dias úteis e 1.700 em domingos. Se se quer honrar o difunto com um obituário que ocupe meia página, a tarifa sobe até os 12.500 e 17.000, respectivamente. Mais do que custa, em media, enterrar a uma pessoa em Espanha. Nas edições regionais do diário da Prisa, o preço baixa de forma muito notável: no da Cataluña, por exemplo, o obituário mais pequeno fica em 266 euros. Com este panorama, e com a imprensa escrita em queda, brotam as alternativas.

Un señor lee esquelas en el periódico / Mavi Villatoro - Flickr
Um senhor lê obituário no jornal / Mavi Villatoro - Flickr
 

Serviços digitais

Às vezes, o leitor que consulta os obituário fá-lo com a mera intenção de se informar. Estar atualizado. Sobretudo em regiões pequenas, onde as pessoas podem ter mais contactos. Neste sentido destaca-se o Esquelasdeasturias.com, um projecto no qual participam 95% das funerárias da comunidade. A partir deste é possível saber quem faleceu em cada município: as próprias funerárias publicam os obituários no site. Com alertas unificados, quase como uma newsletter. "Nós temos este projeto há 11 anos", explica Glória Rodríguez, responsável pelo site. "Se quero mandar condolências em Madrid, ser-me-ia muito difícil, porque teria que procurar em cada funerária. Nas Astúrias as funerarias têm sido muito generosas para poder unificá-lo tudo", comenta.

Inicialmente, Esquelas de Astúrias tinha um serviço para imprimir obituários e colá-los pelas ruas. Depois começaram a partilhá-los por email. A partir de 2015 fizeram-no por WhatsApp . Nas mesmas não aparece a foto do falecido (Rodríguez explica que Astúrias não é costume, mas noutras zonas sim), mas só os seus dados. "É mais simples para os familiares e para todos. As pessoas preferem a internet porque chega a mais locais", raciocina. Além disso, considera que agora há menos pessoas que optem pelos jornais. "Muitas pessoas nem sequer os compram, mas sim que olhavam os obituários no diário que tinha no café", descreve. Agora não faz falta ir ao café. Pode-se ver a partir do site e enviar umas flores à funerária seleccionada.

Projeções na televisão e códigos QR

Esquelas de Astúrias revela que os serviços funerarios são cada vez são mais sofisticados. Trata-se, de facto, de um sector dinâmico e inovador, como também fica patente na Memorial Spain. Esta empresa permite aos seus clientes imprimam um código QR num "suporte cerámico inalterável aos agentes atmosféricos" que está imbutido na lápida. Uma vez ligados, os parentes podem ir com o seu telemóvel, que lhes dá conteúdos sobre a vida do defunto. Nesta ligação pode-se alojar de tudo: um vídeo, uma série de fotos, uma breve biografia… O serviço básico custa 150 euros. E inclui música de Bach de fundo.

Varias personas despiden a un fallecido / Unsplash
Várias pessoas despedem-se de um falecido / Unsplash

Outra das empresas líderes é Vivo Recuerdo. Rafael Baeza, um dos seus responsáveis, conta que a ideia do projecto nasceu depois de verificar o bom acolhimento que teve a colocação de imagens do seu pai no televisor de uma funerária. "Trata-se de transformar a experiência do cliente: conseguir que, ao morrer um familiar, se possa realizar uma despedida ou uma homenagem", explica.

Para a digitalização

Assim, a jóia de Vivo Recuerdo é a JVentana de los Recuerdos, descrita como "a tecnologia que toca o coração". Em linhas gerais, consiste num painel visual que os parentes encontram na funerária. No dito ecrã projectam-se as fotos do falecido que foram enviadas pelos seus. Assim, as pessoas que não possam ir presencialmente também estarão, de algum modo, presentes. Nesses duros momentos, as imagens podem gerar sorrisos e calidez. Além disso, a empresa tem uma sala de controle para assegurar o serviço. E funciona: a companhia tem presença em mais de 100 funerarias, inclusive fora de Espanha.

"Não falamos de que seja algo que tire a dor ou a pena, mas pretendemos que a tristeza não seja o único sentimento. É o legado que nos deixa a pessoa que se vai". A empresa participou no mês passado em Funermostra, um congresso em Valencia que reuniu o setor para falar do mercado e os novos reptos. Glória Rodríguez, de Esquelas de Astúrias, também participou: "Quase metade da feira estava focada no mundo digital", descreve. Lembra, além disso, que houve uma altura na qual as funerarias permaneciam alheias à parte tecnológica, "mas agora estão cada vez mais focadas na mesa". Renovar-se ou morrer. Ou renovar morrer-se.

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