Loading...

Sabes que consumes mal o leite ? Isto é o que dizem os especialistas

A esterilização das bebidas lácteas, mediante pasteurização ou uperização, reduz o seu valor nutritivo e altera a flora intestinal

Núria Messeguer

buying dairy products

"É curioso, em Espanha compra-se leite para um mês e pão para a cada dia. Nos Estados Unidos compramos o pão para um mês e o leite para cada dia", disse uma vez um amigo científico a Gerardo Caja, catedrático de Produção Animal da Universidade Autónoma de Barcelona (UAB). Ainda que, para além dos costumes culturais, esta diferença sobre o consumo de leite e do pão encerra uma grande pergunta: quem o faz mal? "O pão, não o sei, mas com o leite somos nós quem o fazemos mal", afirma caja.

Há quem ainda recorda ir comprar o leite todas as amanhãs. O leite não se vendia nos supermercados, mas sim nas leitaris e também não ia em garrafas de plástico, mas sim em sacos. Como balões de água, mas de leite, macios, frescos e escorregadios. "Mais de um saco caía e então tinhamos problemas", refere o especialista da UAB. No entanto, um dia, as leitarias e os seus sacos deixaram de existir. E de repente a única opção para comprar este apreciado laticínio era ir aos lineares do supermercado a por os tetrabricks. "Nos anos 60, as indústrias lácteas através de campanhas de márketing e promoções em supermercados convenceram a população espanhola de que aquela era a melhor opção. Mais cómoda e limpa e tão boa como a fresca. Ainda que ninguém tenha avisado que isso era mentira", explica Caja.

O falso mito de leite UHT

Quando o consumidor vai ao supermercado encontra dois tipos de leite: a UHT ou uperisado, que se vende em forma de tetrabricks, e o pasteurizado, que no geral, vai embalada com garrafas de plástico duro e se encontra na zona do frio. O primeiro ronda os 0,50 céntimos, enquanto o segundo ascende a 1 euro ou mais.

Tanto a pasteurização como a uperização são dois métodos de esterilização que se usam para conservar muitos alimentos. Ambos baseiam-se em aquecer o produto a altas temperaturas e a arrefecê-lo depois rapidamente para acabar com os gérmens e evitar que se estrague. Mas há diferenças. A pasteurização aquece o leite a 65 graus, enquanto a uperização aquece a uns 130 graus. Este sobre-aquecimento do leite para prolongar a sua vida útil nunca foi debatido, até que há um par de anos o Journal of Dairy Research revelou que o tratamento térmico do leite esterilizado (UHT) diminui o seu valor nutritivo e altera a microflora intestinal.

No que prejudica o consumidor?

Às vezes, a uperização pode gerar a reacção maillard. Este fenómeno é o causa da perda de nutrientes e também, em menor medida, pode criar acrilamida, um composto classificado como agente cancerígeno pela Agência Internacional de Investigação sobre o Cancro (IARC). O catedrático Caja assinala que essa reação é rara, mas possível, dado que se expõe o leite a umas temperaturas tão elevadas. Por isso, segundo ele, ingerir leite fresco é a forma "mais saudável e segura de comer laticínios".

Beatriz Robles, nutricionista e divulgadora científica, entende que o consumidor opta pela opção de tetrabrik , "não tem de estar atento à caducidade do leite, nem de o conservar num local fresco e é mais cómodo". Ainda que, também coincide em que o processo de uperização afecta a qualidade nutricional do leite. No entanto, segundo esta especialista esta carência não faz tanta mal se o consumidor "tiver uma dieta equilibrada, onde não falte nenhum nutriente".

Um setor danificado

Em todo o caso, o setor lácteo é um dos mais castigados em Espanha. Em apenas duas décadas, as famílias espanholas deixaram de consumir 830 milhões de litros de leite anuais. Isto representa uma queda de mais de 20% entre o início de século e 2020. As bebidas vegetais têm romperam nos lineares dos supermercados. Começou com a bebida de soja seguida da de aveia, a de amêndoa e a de arroz. E hoje encontramos inúmeras variedades e a cada qual mais exótica.

Por isso, o leite de toda a vida está em crise e para Caja talvez o segredo esteja em revalorizar o não pasteurizado, o fresco, "o de toda a vida". Segundo ele, recuperaro  seu sabor, cremoso, doce e intenso valeria para "apaixonar outra vez o consumidor".