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Marcos Alves (ElTenedor): "Mais de 1.400 restaurantes em Espanha não sairão adiante"

Depois de passar seus últimos 15 anos na companhia de reservas on-line, este empreendedor marcha-se para provar novos reptos, ainda que descarta que seja numa multinacional

Estefania Oliver

Marcos Alves Eltenedor

Marcos Alves (38 anos), de pai português e de mãe extremeña, nasceu em Barcelona , mas quando era muito pequeno sua família se foi viver a Paris e ali se formou, se criou e estudou. Aos 20 anos voltou a Espanha a montar sua primeira empresa do mundo da hotelaria, que ao final teve uma vida muito curta.

Mas aos 23 anos voltou-o a tentar, com três sócios franceses, e embarcou-se na aventura de lançar ElTenedor em Espanha . Em 2014, um gigante da talha de TripAdvisor chamou à porta desta companhia de reservas e comprou-a por uma quantidade que Alves não desvela, mas alguns valorizaram em seu dia em algo mais de 100 milhões de euros. Agora, depois de mais de uma década dedicado a ElTenedor, Alves tem decidido empreender outra viagem. Qual será seu próximo destino?

  • Por que se marcha agora?

"Este verão faço 16 anos em ElTenedor e acho que já me toca mudar um pouco de ares, depois de ter passado oito anos pré-venda e oito anos pós-venta, já com TripAdvisor. No mundo digital, os empreendedores, pelo geral, vendem a companhia e estão um tempo na empresa por contrato, não por interesse, mas eu acho que isso não é produtivo. Em nosso caso tínhamos a liberdade de não seguir e, ainda que temos estado muito cómodos desenvolvendo nosso negócio todo este tempo, acho que é o momento de provar algo novo".

  • A que dedicar-se-á nesta nova etapa? Centrar-se-á no empreendimento? Vai fazer-lhe a concorrência a Miguel Vicente e a sua Barcelona Tech City ou a Lanzadera?

"Nem de broma. Estou num momento de reflexão. Sou uma pessoa muito inquieta e, por isso, nestes anos tenho estado investindo em certas startups e tenho acompanhando a vários empreendedores. Agora estou a olhar novas possibilidades. Não ir-me-ei a uma startup que se acabe de criar para a arrancar de zero, sina a uma que tenha certa estrutura já, mas onde ainda tenha margem de escalar e se expandir. Não vou montar um SeedRocket, nem algo como Barcelona Tech City ou Lanzadera. Vou ir-me por outros caminhos. O que sim tenho claro é que não me vou ir a uma multinacional porque para isso me tivesse ficado em ElTenedor. Tenho que encontrar uma startup com minha cultura, ética e uma forma de trabalhar sem hierarquias, isto é, baseada em colaboração. E isso não sempre é fácil. Ademais, é muito improvável que fique na indústria da restauração. Não me vou ir ao delivery e muito menos a outra empresa dedicada às reservas. Apetece-me poder aproveitar o que tenho aprendido durante estes anos e meter em outros sectores onde possa contribuir valor".

O empreendedor Marcos Alves / O TENEDOR
  • Por que se optou por vender a empresa a TripAdvisor e como se viveu internamente dita compra?

"Ao final cuadraron as culturas, tanto empresariais, como de orientação para o cliente. Eles tinham muito tráfico, informação e recursos e nós o conhecimento no sector dos restaurantes. Eles essa parte não a tinham coberta e graças a esse acordo passamos de estar em 3 países —Espanha, França e Suíça— a estar presentes em 22. Escalamos muito e tem sido uma grande aventura. Éramos quatro os fundadores de ElTenedor: Patrick Dalsace, Denis Fayolle, Bertrand Jelensperger e eu. Mas Denis, no momento da venda, já não estava na companhia e Patrick decidiu se marchar. Ao final ficamos Bertrand e eu. Mas, agora, ambos temos decidido apostar por outras aventuras".

  • Como empreendedor... como analisa as grandes rodadas que se estão a fechar nestes tempos?

"Impactam-me ainda a rodadas de financiamento de dezenas de milhões de dólares ou euros. Venho da antiga escola na que fazíamos rodadas de outras dimensões com muitos ingredientes e elementos que demonstravam que tinhas um projecto com tracção e com possibilidades. Respeito muito todo o que está a passar no sector. Acho que os empreendedores somos capazes de fazer rodadas importantíssimas e grandes, mas têm-se que cumprir certas circunstâncias. Como se estão a produzir algumas operações agora me parece algo perigoso. Eu acho que se uma empresa pode avançar com facturação e não depender de inyecciones de terceiros, melhor. Ademais, é fundamental manter o controle da companhia. Há que ter muito cuidado. Que tenha casos de sucesso espanhóis me encanta, mas espero que se estejam a fazer as coisa de uma forma bem estruturada, consolidada e séria porque também nos estamos a jogar o prestígio do ecossistema espanhol e de nossa marca a nível internacional. Acho que vamos por bom caminho, mas espero que não o estraguemos".

  • Acha que o sector da restauração tem evoluído o necessário nestes 15 anos? Como estamos com respeito a outros países de Europa?

"Fica tudo por fazer. Hoje em dia fazem-se muitas reservas digitalmente. De facto, este processo acelerou-se. Mas, segundo os dados que manejamos, só o 40 % das reservas que se fazem nos restaurante que estão em ElTenedor são on-line. No entanto, somos capazes de inovar e, por isso, temos lançado The Fork Pay, uma solução para pagar a conta desde o móvel. Isto é, a indústria tem evoluído, mas é um tema generacional e custa a mudança. Seguimos empurrando aos restaurantes a que conheçam o mundo digital e as vantagens que lhes oferece. Ademais, fica muito caminho por percorrer, também, com os utentes e comensales. Agora com o Covid, os códigos QR têm sido uma solução muito boa para digitalizar as cartas, mas não é nenhuma revolução. É outro pasito mais pára que o restaurante entenda que se podem fazer a coisa mais fáceis. E em comparação com Europa, deveríamos tirar-nos essa ideia de que vamos por detrás. Fazemos muitas coisas bem. Temos uma maior taxa de adopção da app de ElTenedor em Espanha que no França, por pôr um exemplo. No entanto, Europa sim está por trás de EEUU e é verdade que UK vai com um pouco de vantagem também".

  • Como tem ajudado ElTenedor aos bares e restaurantes a se digitalizar?

"De forma evidente e clara. Somos o aliado dos restaurantes e desta indústria. Ajudámos-lhes a digitalizar-se empurrando-lhes a contracorrente quando lhes custava. Agora é um pouco mais fácil, mas sempre tem sido um repto para os restaurantes acabar com seu livro de reservas de papel. Ademais, em todo este tempo não temos recebido nenhum apoio, poucas vezes as graças e isso sim me dói. A nível de país e de Europa há que investir mais em I+D e em tecnologia e apoiar um pouco mais este tipo de iniciativas. Acho que falta uma maior colaboração público-privada".

  • Madri e Barcelona têm gerido de forma muito diferente a situação sanitária e a abertura dos bares e restaurantes. Quem o fez melhor a seu parecer?

"É muito difícil valorizar algo assim porque há demasiados elementos desconhecidos numa situação pandémica como a actual. Mas o que sim vejo é que os restaurantes em Madri têm estado abertos e poderia ter ido melhor a situação a nível de saúde, mas pode ser que não. E, enquanto, em Barcelona optou-se por outra alternativa. Acho que é muito cedo para poder concluir onde se fizeram melhor ou pior as coisas. Estamos ante uma situação excepcional e única".

  • Como tem sofrido ElTenedor e seus restaurantes a crise?

"Por enquanto, calculamos que o 12 % de nossa base de restaurantes, que em Espanha temos 12.000, seguramente não sairão para adiante. Mas isso é só uma primeira parte. As ajudas e os ERTEs acabar-se-ão e isso se vai converter num segundo golpe. Creio, ademais, que algumas companhias provavelmente já estão tecnicamente avariadas e não são conscientes disso. Admiro, e muito, aos donos dos restaurantes. Acho que têm feito todo o possível para adaptar à situação actual, estão ao pé do canhão, e inclusive têm investido quando as coisas vão mau. Enquanto, em nosso caso, como companhia, temos três planos de digitalização para o sector: um gratuito, outro de 30 euros ao mês e outro de 75 euros ao mês e pela cada comensal que vai ao restaurante e cumpre com sua reserva on-line nos levamos dois euros em media. No entanto, durante estes meses de pandemia não temos cobrado aos restaurantes pelo software, só pelas reservas. Ademais, temos dado 6 meses grátis do serviço premium a quem qui-lo provar. E isso que nós estamos a sofrer a crise também. A sorte que temos é que estamos no grupo TripAdvisor com uma força tão grande que permite gerir as coisas como o estamos a fazer, isto é, com muito esforço e perdendo dinheiro em alguns casos, mas gerando valor em longo prazo".

  • Vai-se agora que ElTenedor se converte em TheFork… Será o novo nome bem-vindo em Espanha?

"A equipa espanhola é a resistência porque todos os países nos que opera ElTenedor já têm migrado a TheFork. Somos uma companhia internacional e global e o ter uma marca com um nome comum permite dar-se a conhecer em mais lugares e dá muitas facilidades. Custa, mas é uma mudança natural desde um ponto de vista técnico e económico, já que optimizam-se os recursos".

  • Há medo no mundo da restauração a que vingam os gigantes da talha de Google, Amazon ou Alibaba e se metam de cheio neste sector?

"Acho que é algo inevitável e que estas grandes companhias são muito potentes e são boas, já que nos contribuem muito valor no dia a dia. No mundo dos restaurantes, por exemplo, ElTenedor é partner de Google, para agilizar as reservas on-line de mesas. Ademais, acho que ElTenedor tem uma vantagem competitiva que não tem ainda Google. Mas, evidentemente, há que estar olho avizor com estes gigantes".

  • Que futuro lhe augura a ElTenedor (TheFork) nos próximos anos?

"Desejo-lhe à companhia todo o melhor e que seja líder mundial e siga revolucionando as reservas nos restaurantes como o está a fazer. Espero que já não se façam reservas telefónicas e que seja normal o fazer de forma digital".