Joan Margarit disse que a poesia é um atalho à verdade, e alugar luxo pode ser um atalho à exclusividade. Trata-se de um conceito novo, mas com força: negócios como Loué e Sylease oferecem a possibilidade de alugar durante uns dias peças de luxo de grandes marcas ou comercializar roupa e acessórios deslumbrantes, mas em segunda mão. Assim pode-se ficar ou gabar-se de ser rico, mas sem ir à falência.
Uma destas marcas está em Madrid e a outra em San Cugat do Vallés (Barcelona). Mas ambos os negócios partilham um tipo de consumidor diferente que também existe.
Dar outra vida a peças e artigos de luxo
Carmen Sánchez, responsável pela Loué, conta à Consumidor Global que é "uma pena" que tenha peças de design de uma enorme qualidade que não vejam a luz do sol porque estão confinadas no fundo dos armários.
A loja Loué, a um passo da Grande Via de Madrid, é uma boutique acolhedora, um espaço íntimo com pinceladas sumptuosas, mas sem estridencias: a música agradável e a iluminação ténue convidam a não se assustar ao encontrar malas com cristais da Swarovski ou de pele de avestruz. Há modelos dos anos 80, época que como conta Sánchez, os materiais eram ainda mais extraordinários que agora.
Gravatas Hermès por 75 euros e malas da Louis Vuitton por quase 6.000
Neste estabelecimento madrileno de luxo, elegante sem ser avasalador, também há opções relativamente económicas: as gravatas Hermès custam 75 euros e uma camisa branca da Prada pode-se adquirir por 120 euros, o mesmo preço que umas luvas de pele Burberry .
Pelo contrário, uma mala da Louis Vouitton modelo Bisten 75 sobe até os 5.900 euros. Claro, não é uma pechincha, mas o valor é significativamente menor do que o modelo em primeira mão, que custa 7.700 euros. Da mesma forma, há artigos de marcas focadas a um público potencialmente mais jovem, como Fendi ou Off White; e acessórios como cintos, pendentes e colares. Há até uma pequena cesta da Louis Vuitton que foi dada num desfile.
Stylease, um clube para amantes de malas
Em Loué, o artigo mais caro é uma mala Birkin da Hermès, fabricada em pele de corcodilo, que está à venda por 55.000 euros. Apesar do inevitável halo de inacessibilidade que rodeia este artigo, Sánchez considera que as peças e os acessórios são para se usar. "É uma tolice comprar um vestido de uma marca de luxo que só vais usar uma vez", afirma.
Por sua vez, Stylease define-se como um "clube" para "bag lovers". No seu site apresentam a ideia de forma clara: "Encontra a mala perfeita e acede aos teus modelos preferidos sem olhar para a etiqueta". O modus operandi é simples: reserva-se uma mala on-line, a Stylease envia-a para a morada, desfruta-se durante o tempo estipulado e depois devolve-se. Assim, alugar a mala clássica da Chanel durante uma semana é possível por 300 euros, duas semanas custam 550 e três semanas 750 euros. O LouLou da Yves Saint Laurent, com um atractivo acolchado branco, é mais acessível: usá-la uma semana sai por 110 euros.
O sentimento acima do dinheiro
Ana Coronel, responsável pela Stylease, conta à Consumidor Global que têm dois tipos de clientes: os que emprestam as malas para que eles as aluguem e os que as alugam. Os primeiros são "pessoas com boa posição socio económica, que têm uma mentalidade diferente: viajam, encantam-lhes as malas, mas não sentem apego material". Trata-se de pessoas, revela, "que acham que outra pessoa pode aproveitar melhor que eles no fundo do armário".
Stylease não desvenda que percentagem da cada aluguer corresponde ao proprietário da mala e quanto recebem eles: "Fala-se com cada pessoa, valoriza-se o seu interesse e solicita-se toda a documentação que demonstre que a cada mala é autêntica", relata Coronel. Alguns proprietários que decidem alugar a sua mala vêm-na como um ativo de investimento: "Em vez de investir em criptomonedas ou em outra coisa, decidem fazê-lo assim". No entanto, Ana sublinha que o dinheiro não é o principal motor, já que estas pessoas já costumam desfrutar de uma vida confortável: "É mais por sentimento", conta. Um sentimento novo que mantém a vida em alta, cantava Battiato.
O desejo de levar algo único
Por sua vez, Sánchez diz que o perfil do cliente da Loué é variado. "Se o cliente é espanhol, costuma ser alguém que viveu no estrangeiro. Também vêm muitos mexicanos, franceses ou japoneses", descreve. Há colecionistas, conta, que escolhem as suas malas porque se converteram em objetos únicos que ninguém vai ter. "Imagina que tens um evento ou uma gala, vais à Chanel, compras um vestido atual e tens a má sorte de que alguém mais o leva. Com peças de antes, isso não vai acontecer", expõe.
Antes de embarcar nesta aventura, Carmen esteve à frente de outra loja de segunda mão, e depois da pandemia decidiu focar-se nas primeiras marcas. Reconhece que apostar no luxo era arriscado, mas mostra-se satisfeita. Também alude a uma mudança de mentalidade no consumidor: "Fora de Espanha, nos Estados Unidos por exemplo, podes alugar de tudo, podes alugar os móveis da tua casa se quiseres, mas esse conceito não está tão assente em Espanha", relata.
Bom para o meio ambiente e bom para a carteira
A pandemia também clicou para Coronel. Declara-se uma "apaixonada por malas" que, até agora, não tinha trabalhado neste setor. A pandemia levou-a a repensar muitas coisas e, depois de madurar a ideia, calcular os números e ligar para empresas em diferentes países para informar-se de como funcionava ("chamamos a pessoas de todo mundo, até da África do Sul", conta), uniu-se a um sócio com vasta experiência na Loewe.
Para Sánchez, em Espanha "o luxo chegou há pouco. A primeira loja da Hermès abriu nos anos 90", relata. E defende que, hoje, o consumo mais responsável é o que implica não produzir novas peças: "Mais que se fixar em se um casaco é de algodão ecológico, na sua origem ou em vários pontos por separado, a segunda mão engloba tudo: qualidade certificada de um produto que já está fabricado". Bom para o meio ambiente, bom para a carteira.
Para um luxo democratizado
"Achamos que o futuro passa pela sustentabilidade, por um luxo mais acessível", afirma Coronel. Enfatiza que cada vez são mais os projetos focados a dar saída às coisas que estão estancadas ou a torná-las mais rentáveis. E, ainda que menciona o peer to peer, põe o valor na ideia. "Nós curamos o conteúdo", expõe. "Fazemos o marketing, cuidamos da mala e a caixa sai da Stylease. A ideia é que a experiência do luxo seja igual para todos os clientes".
Por enquanto, confessa, não tiveram nenhum susto. "O pior que poderia ter acontecido é que a mala se tenha manchado, mas limpa-se e já está. Há que perder o medo de emprestar. Sabe-se que o luxo é exclusivo por definição, mas isso vai mudar", vaticina