A vida está nos imprevistos. Planeamos coisas, mas as inesperadas podem ser mais determinantes. Um despedimento, um prémio repentino, um acidente de qualquer tipo, um beijo súbito e fortuito, um turrão que sabe a vermute, um carro que se estraga ou um amigo que chama e diz que sente muito, mas não vai poder ir ao jantardo dia seguinte porque fez um teste e deu positivo ao Covid.
Ao calor da enorme queda de faturação registada pela pandemia, a hotelaria está a desenvolver soluções imaginativas que podem ferir o consumidor. Antes eram queixam pontuais, mas agora são cada vez mais os restaurantes que pedem o número do cartão de crédito para confirmar a reserva. Deste modo, podem cobrar em modo de sanção em determinados casos. No entanto, é uma prática legal?
"Avisaram-me de que poderiam aplicar retenção"
Faulkner escreveu que os adultos não suportam as surpresas. É uma afirmação categórica, mas há mais e menos agradáveis. Carlos P. conta à Consumidor Global a sua experiência no restaurante madrileno Arzábal, situado junto ao Museu Reina Sofía. Carlos realizou a sua reserva pela internet, indicando o seu nome, o seu email, a sua identificação… e o seu número de cartão. "Num primeiro momento, não me cobraram nada, mas avisaram-me de que aplicar-se-ia uma retenção de 15 euros pela cada pessoa que no final não fosse e a mesma quantidade por pessoa se, em caso de anular a reserva, não o fazia com 4 horas de antecedência, no mínimo".
Ou seja, os estabelecimentos estão com as costas cobertas. Asseguram-se com o número do cartão. Além disso, o frenesí que prevalece em muitos restaurantes não permite sobremesas longas: em Arzábal, como em muitos outros restaurantes de prestígio, indicam que as pessoas poderão desfrutar da mesa durante um tempo limitado. Neste caso, duas horas, um período escasso se se quer comer calmamente, pedir sobremesa e café e fechar com um vinho.
Até 100 euros
O facto de que no momento da reserva cada vez mais restaurantes peçam dados bancários pode ser desmotivante. Ainda mais, pode provocar rejeição. Há algo de paradoxal em que, num momento no qual cresce a preocupação pela ciberseguridade e a consciência com respeito aos dados pessoais, alguns locais os peçam desta forma. Claudia H. conta que, procurando um lugar onde jantar, descartou precisamente um estabelecimento que lhe solicitou o seu cartão de crédito. Que os restaurantes (sobretudo nas grandes cidades, como Sevilla, Madrid ou Barcelona) se possam permitir perder potenciais clientes que nãoa achem graça a esta exigência significa que a procura é enorme. E que os hteleiros se cansaram de cancelamentos .
Em Arzábal, a multa é de 15 euros por pessoa, mas o custo pode ser mais elevado. Recentemente, o restaurante madrileno El Invernadero, associado a um chef de prestígio, causou polémica nas redes sociais tentar cobrar 100 euros por cada pessoa que faltasse ao seu compromisso. As queixas também chegaram a outros restaurantes bascos de renome.
Cláusulas abusivas
Rosana Pérez, advogada e professora de Direito Civil da Universidade Oberta de Cataluña (UOC), explica que a política de cancelamento dos restaurantes é legal e que deve estar devidamente especificada no website de cada local. Primeiro obstáculo: existem ainda restaurantes com sites pouco claros e ter que mergulhar é um incómodo. Da mesma forma, a advogada aponta que deve existir reciprocidade entre as partes quanto a possíveis multas por não ir. Segundo a especialista, o requerimento do cartão "funciona como uma garantia para que os empresários não tenham perdas económicas". Esta garantia pode ser quase uma fiança: se a reserva é de seis pessoas e cobram-se 20 euros por não cancelar com a devida antecedência, o local embolsa 120 euros.
Neste sentido, Pérez cita a Lei de Defesa dos Consumidores e os Utilizadores, cujo artigo 82 inclui diversos casos em que as cláusulas são consideradas abusivas. Entre eles, a advogada detalha que poderiam se considerar abusivas se houvesse desequilíbrio entre as partes: por exemplo, se é o restaurante o que chama o cliente e lhe diz que a sua mesa não está disponível por qualquer motivo e não lhe oferece uma compensação económica.
Cobrar por nada?
Da mesma forma, a professora da UOC especifica que o artigo 87 da lei também considera abusivo "o pagamento de quantidades por serviços não prestados". Isto é, pagar por algo que realmente não desfrutaste. E não estamos a falar da piada de que te cobrem uma fortuna por um prato minimal, mas sim de ausências reais. Cobrar por uma pessoa que não vai jantar é cobrar por um serviço não prestado?
Rosana Pérez detalha, além disso, que se no final o restaurante consegue cobrir o loca que uma baixa imprevista deixou vaga, não deveria cobrar nenhum extra porque não lhe representa perdas económicas. De novo, trata-se de uma situação muito difícil de determinar. Por isso, para a pessoa, a melhor recomendação é ler e conhecer bem a política de cancelamentos para não acabar comendo uma multa.