Em 1947, o doutor alemão Klaus Märtens viu-as nascer livianas e robustas ao mesmo tempo. "Serão perfeitas para o exército", pensou. Aos 13 anos mudaram-se a uma pequena fábrica inglesa e foram muito bem acolhidas pela classe operária: custavam 2 libras. Cumprida sua maioria de idade, o violonista de The Who Pete Townshend presumió delas sobre o palco, e punks, skinheads e góticos as adoptaram como símbolo de referência de suas tribos urbanas. Saborearon o sucesso e venderam milhões de pares até que em 2003 estiveram a ponto de deixar de caminhar, e se marcharam a Chinesa e Tailândia para remontar o voo. Sem o selo Made in England em costume-a, viveram mais de uma década no ostracismo, longe de casa e de seus melhores números. Agora, cumpridos os 60, voltam a ser objeto de miradas e são as mais desejadas. Parece ser que o poder de sedução nunca morre.
Doze milhões de pares de botas vendidas em 60 países é a cifra recorde que cosechó a marca britânica Dr. Martens --propriedade do fundo de investimento Permira-- em 2019. Na actualidade, enquanto as marcas de moda acusam os estragos provocados pela pandemia do Covid-19, Dr. Martens segue aumentando suas vendas de botas , que custam entre 150 e 250 euros, e no segundo semestre de 2020 seu benefício bruto de exploração cresceu um 30%. As Martens vivem sua segunda juventude e o fundo de investimento quer aproveitar o momento.
Desembarco em Espanha
Neste mês de setembro, Dr. Martens abrirá sua primeira loja em Espanha na rua Cucurulla de Barcelona , entre Portal do Ángel e Portaferrissa. Trata-se de um local muito central de 170 metros quadrados no que dantes estava Levi's.
"Seu possível cliente, que é uma pessoa jovem e moderna, está na zona", aponta Domènec Casellas, director de retail em Espanha de Cushman & Wakefield, a empresa de serviços imobiliários que tem asesorado a Dr. Martens em seu desembarco em nosso país. Este técnico adianta que a marca também abrirá uma loja em Madri no final de 2021 e um segundo local em Barcelona.
Por que agora?
Infinidad de marcas têm tido que baixar a persiana; outras se realocaram; e as de prestígio investem, sobretudo, em estratégias de venda on-line porque abaratan custos e incrementam vendas. Enquanto, Martens entra em Espanha com um local "por um preço muito inferior ao habitual e sem traspasso. Umas condições que dantes não existiam", desvelam fontes do sector imobiliário. "Ter um telefonema flagship store em capitais e cidades como Madri e Barcelona outorga a estas assinaturas um notório prestígio", aponta Jesús Reis, especialista em moda e director executivo da agência Coolhunting Madri.
Na actualidade, as marcas icónicas "precisam vender uma experiência. Comprar a bota on-line ou no Corte Inglês não é suficiente, precisas que teu cliente possa ir a um lugar, respirar a personalidade de tua marca e se provar diferentes botas", expõe a Consumidor Global Anitta Ruiz, assessora de imagem e exdirectora de comunicação de Dr. Martens em Espanha.
Das tribos urbanas ao público 'mainstream'
Dr. Martens é uma das poucas marcas que tem percorrido todo o leque de classes e tribos sociais. Tem ido desde a fábrica e o meio da classe operária até as adolescentes da alta sociedade, e inclusive tem estado unida a grupos violentos. De facto, ainda em 2021 aparecem nos manuais da Comissão estatal contra a violência, o racismo, a xenofobia e a intolerância no desporto que utiliza a Polícia Nacional para identificar simbologia ultra.
"Em Espanha teve-o mais difícil", aponta Ruiz, quem recorda que em 2015 trabalhou a imagem da marca e ainda ficava algum resquicio skin, mas o consumidor que as tem popularizado do todo são os millennials e a geração Z, que não as associam a nenhuma tribo urbana. "Deixar atrás o ónus cultural tem feito que resurjan com força, através das redes sociais, como um produto puramente de moda para todos os públicos", explica a especialista. Assim, ao passear pela rua é possível ver a um senhor de 50 anos que tem levado Martens toda a vida e que agora tem mudado o modelo bota pelo de sapato; a uma garota de trinta e longos que sempre leva o modelo clássico e lhas renova a cada cinco anos; e a uma adolescente que lhas tem visto a sua influencer de referência e tem decidido pagar 150 euros por elas.
De estrelas do punk a influencers
Se antanho as popularizaron estrelas do punk e da música underground, agora têm sido as Dulceida, Sara Carbonero e demais influencers as que se encarregaram das pôr, outra vez, de moda.
Ademais, "as influencers têm popularizado o uso desta prenda com todo o tipo de outfits", detalha Ruiz, quem assegura que a Dr. Martens e aos amantes da marca deve-lhes dar um pouco de raiva que se tenham posto de moda assim, "mas é a única maneira de sobreviver e um fundo de investimento não tem atadura sentimental com o produto", acrescenta.
A moda é cíclica
Que uma marca resurja se deve a factores como as estratégias de marketing , as campanhas de publicidade , as mudanças da direcção artística ou criativa, e, por suposto, a sua capacidade de adaptação aos novos tempos. Ainda que ambos experientes defendem que "a moda é cíclica".
"Quando um produto é bom, bonito e diferente, pode ter altibajos de vendas ao longo dos anos, mas se ademais tem esse poso histórico e generacional que têm as Martens, ao final do caminho sempre permanece", aponta Ruiz, quem acrescenta que são dessas prendas que te acompanharam ao longo da vida, e não te imaginas sem elas.