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Dispositivos para exercitar a mandíbula: a tendência perigosa que preocupa os dentistas
Os especialistas desaconselham por completo a utilização dos chamados 'jawline trainers' e alertam que o seu uso continuado pode acarretar danos irreversíveis
Um atraente modelo italiano, um produto marcante e pouco conhecido e uma rede social com milhões de utilizadores. Isso é tudo o que precisa para viralizar algo que, apesar da sua aparência inócua, se pode converter num autêntico problema. Nesta ocasião, o que virou moda são os chamados jawline trainers, isto é, exercitadores de maxilar. Trata-se de uns dispositivos simples que se introduzem na boca e se mordem de forma reiterada. A resistência que exercem ao apertar com os dentes e um uso intensivo dos mesmos gera uma hipertrofia dos músculos da zona e define a mandíbula. Para fazer-se uma ideia da expetativa que têm gerado estes aparelhos, na rede social TikTok três hashtags relacionados --#jawline, #jawlinecheck e #jawlineexercises-- acumulam ao todo mais de 1.100 milhões de visualizações.
"Essa hipertrofia no masseter e no temporal --dois músculos que intervêm na mastigação-- pode desencadear um problema na mordida e também levar a problemas no trapecio, no ombro e inclusive afetar a pegada", garante à Consumidor Global Alfonso Blasco, ortodontista e especialista em articulação temporomandibular na Clínica Ortom. No entanto, os riscos destes dispositivos, que se podem encontrar em plataformas de comércio electrónico como a Amazon, Aliexpress ou Ebay, vão além.
Danos irreversíveis em adolescentes
Entre os vídeos mais virais relacionados com este tipo de dispositivos figuram os protagonizados pelo modelo italiano Luca Marchesi, que acumulam milhões de reproduções. Neles se pode apreciar o impato no seu rosto depois de, segundo afirma, anos de utilização. O resultado final --que também tem sido objeto de troça-- é uma prominente e pouco natural mandíbula fruto de uma hipertrofia dos músculos da zona. Nesse sentido, o público principal de redes sociais como TikTok são os adolescentes, por isso os especialistas avisam dos riscos de um uso continuado por parte destes. "Num adolescente podem-se gerar deformidades ósseas que são irrecuperáveis. Ao contrário, se é um adulto que utiliza-o e deixa de usar depois de um tempo prolongado, o musculo relaxar-se-á de novo e não gerar-se-á tanta alteração como numa criança", explica Blasco.
A doutora em odontología Gema Maeso concorda, referindo que o aparelho craneofacial dos adolescentes está num processo de desenvolvimento e recalça que o uso destes aparelhos pode gerar "problemas ortodónticos graves sem outra solução para além de uma cirurgia". Outro efeito negativo destes exercitadores é o bruxismo, uma patologia que consiste em apertar de forma inconsciente a mandíbula e ranger os dentes. Além disso, se uma pessoa se acostumar a ter essa zona tensionada, também podem aparecer problemas musculares no trapézio e nas costas. Se tudo isso fosse pouco, as dores de cabeça ou de pescoço são outros possíveis efeitos colaterais, afirmam os especialistas consultados. "A mandíbula são duas articulações que funcionam de forma simétrica com um menisco entre elas. Se a sobrecargar podes gerar uma osteoartrite na articulação temporomandibular –ATM--", enfatiza Maeso.
Fáceis de encontrar na internet
Além de conteúdos virais em que pessoas famosas utilizam estes aparelhos --como o ex-concorrente de diferentes realities shows Gianmarco Onestini, por exemplo--, também é fácil encontrar à venda na internet. A faixa de preços varia segundo a loja, mas na Amazon podem-se encontrar dispositivos deste tipo por uns 14 euros e na Aliexpress por menos de cinco. "Perigo, alerta. Todas as coisas que se utilizem neste campo devem ser dispositivos médicos que devem seguir estudos clínicos e ter aprovado o aval científico", defende Maeso. Assim como ela, Blasco também desaconselha a compra destes aparelhos. "Sem a supervisão de um profissional, todas estas práticas têm muito risco", recalça. Na verdade, o Colégio de Protésicos Dentais de Cataluña (Copdec) reconhece que não tem conhecimento da "existência de estudos ou artigos argumentados realizados por universidades ou entidades especializadas" que avaliem a utilização deste tipo de dispositivos.
À falta de recomendação por parte dos especialistas une-se às más experiências que registam alguns utilizadores. Assim, nas avaliações da Amazon uma das queixas mais habituais é que se quebram facilmente depois de uns poucos dias de uso. No entanto, à margem dos que se vendem nos gigantes do e-commerce, uma das marcas especializadas e com mais sucesso é Jawzrsize. No entanto, no seu site eles cobrem as costas sobre o seu próprio produto --que pode disparar até os 125 euros--. "Os resultados individuais podem variar e não se pretende que os depoimentos representem resultados típicos", argumentam em relação aos exemplos de pessoas com mandíbulas prominentes com os que promovemos seus artigos.
É necessário exercitar a mandíbula?
Definir a zona maxilofacial e que tenha uma aparência mais quadrada pode chegar a ser uma obsessão para alguns, como demonstra o caso do modelo italiano. No entanto, cabe perguntar-se se exercitar a mandíbula pode ter certo sentido ou, pelo contrário, é algo absurdo. Sobre isso, Blasco assinala que sim, que é recomendável, ainda que não tenha nada que ver com uma questão estética. "É necessário estimulá-la para comer bem pelos dois lados da boca e que os dentes se desgastem de forma simétrica. O que lhe digo aos meus pacientes é que comam alimentos de todo o tipo de consistências e que o façam com paciência e pelos dois lados", sublinha o especialista. Na verdade, a utilização destes exercitadores pode acentuar essa tendência natural devido a um maior desenvolvimento dos músculos afetados e potenciar uma possível assimetria.
Enquanto isso, Maeso indica que, no geral, os especialistas em odontología o que procuram é um relaxamento da musculatura perioral e insiste que ter a zona demasiado tensionada pode afetar a outras partes do corpo.
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