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A decepção depois da compra colectiva da Gana Energia: da tarifa mais barata à "insolvência"

Clientes denunciam que a empresa, propriedade da Repsol, lhes impediu aceder à oferta apresentada apesar de se terem inscrito correctamente

Juan Manuel Del Olmo

Um jovem frustrado por ter sido rejeitado pela Gana Energía / FREEPIK - @diana.grytsku

A união faz a força. Sabiam-no em Fuenteovejuna, na Terra Média, nos primeiros grémios e sabem-no os milhares de consumidores que, há muito pouco, participaram numa compra coletiva de electricidade com o objectivo de conseguir a fatura de luz mais barata possível. A mais rentável do mercado e que melhor se adaptasse à sua situação. Ganhou a Gana Energia, mas alguns perderam.

O conceito de compra coletiva não significa que estes consumidores pagaram um dinheiro para adquirir uma empresa e formar algo parecido a uma cooperativa, mas sim que se uniam para poder negociar com mais força. De facto, o processo parece-se mais a um leilão: as diferentes empresas tinham a oportunidade de apresentar as suas ofertas e a que satisfizesse ao grupo seria a ganhadora. Esta se comprometia a respeitar o preço fixado para todos os inscritos durante um ano, protegendo-os assim dos vaivéns do mercado eléctrico.

Insolvência

No entanto, muitas pessoas que se inscreveram nesta compra coletiva, e que, por isso, tinham direito a desfrutar de uma tarifa muito competitiva (falava-se de 63,25 euros por mês para um consumo médio em horas de vazio) foram recusados por suposta "insolvência". "Que pena, então sou insolvente para entrar na vossa empresa, mas não sou insolvente para estar na vossa empresa principal, a Repsol, com preços mais altos. Se iam fazer isto, não participem na compra colectiva, mentirosos", escreveu um tweeter indignado.

Uma pessoa revê um contrato / FREEPIK

Esta sentença reflete a raiva: a negativa da Gana Energia provocou que a acção, promovida por Carlos Codina (um especialista energético que conta com 45.000 subscritores no seu canal de YouTube O Grinch Energético) conjuntamente com Forocoches, tenha passado de ser, ao menos para alguns, mais uma fonte de frustração que um grito de liberdade contra o oligopólio eléctrico.

Contratos rejeitados

Víctor Torres faz parte do exército de recusados. "Empregou-se a plataforma Spock para gerir o registo dos interessados, bem como as empresas que deram um lance. No final, das que se apresentaram, a melhor oferta foi proposta pela Gana Energia. A coisa é que quando começaram a gerir os contratos, de forma totalmente opaca, a Gana Energia decidiu desestimar os de muitas pessoas, logicamente sem justificar a rejeição", relata a Consumidor Global.

A primeira pergunta é evidente: porque é que os insolventes se inscreveriam num tarifário sabendo que as suas contas eriam, naturalmente, revistas? E essa questão leva à segunda: Porque a Gana Energia correria o risco de recusar clientes que sabe que não são insolventes? "Diz-se que a empresa usou Equifax para obter uma pontuação financeira ou scoring daa pessoas, mas deve de ter sido algo mais, já que os próprios afectados pediram relatórios à Equifax e vêm limpos", relata Torres.

Cablagem eléctrica / UNSPLASH

Gana Energia, propriedade de Repsol

"A minha opinião é que tinham um número de clientes pensado e quando chegaram a esse valor, o resto começou a ser empurrado para trás de alguma forma", aventura Torres. Além disso, detalha que a Gana Energia é propriedade da Repsol, pelo que é possível que um gigante como a Repsol não se divirta com a magnitude desta pequena revolução.

José Lara tem uma opinião semelhante. "O número de inscritos ultrapassou os 15.000. Seguramente viram que não lhes saiu como esperavam por qualquer razão, e, já que não podiam negar a enviar a oferta, optaram por outro mecanismo bastante mais sujo: uma vez assinado o contrato, recebia-se um email passados 20 minutos a cancelá-lo por motivos de insolvência", descreve a este jornal.

Recusa de negociação

Depois de receber a recusa, Lara tentou pôr-se em contacto com a empresa para pedir explicações e defender a sua própria situação financeira, porque era "totalmente absurdo". "Não me permitiram nem partilhar com eles o meu recibo de vencimento, nem extractos, nem nada de nada, simplesmente fecharam-se em que uma vez o contrato se anulava, não tinha nada a fazer", diz Lara. A justificativa da Gana Energia, conta este afectado, foi que eles tinham levado a cabo um estudo dos seus potenciais clientes através de uma empresa externa para decidir se eram válidos ou não.

Lâmpadas / PEXELS

Assim, Lara denúncia que tenham "sabotado" uma compra coletiva: "Muitos ficámos pendurados", clama, porque inscreveram-se no momento no qual finalizavam os seus respectivos contratos. "De modo que tivemos que apanhar apressadamente o primeiro que podemos encontrar no mercado, com nula capacidade de negociação", argumenta. Atrás ficaram outras propostas por debaixo da que ofereceu Gana, com as qual talvez as coisas teriam sido diferentes. Ofertas que eram "bastante melhores que as actuais do mercado, de empresas como a Endesa. Mas como na plataforma foi escolhida a Gana Energia, todas essas outras se descartam", narra Lara.

Os que ficam fora

O próprio Carlos Codina, que liderou a compra coletiva, fez eco do mal-estar dos recusados no seu canal de YouTube. "Incomodou-me que tenha havido umas pessoas, umas 500, que nunca podieram contactar, ou que não lhes chegou o correio, ou que tenham querido e não tenham podido", afirmou, sem ocultar certa tristeza após todo o esforço investido a levar a um bom porto uma compra comum para melhorar a economia de muitos.

Este meio perguntou à Gana Energia por este assunto, da empresa explicam que todas as condições aplicadas foram previamente comunicadas e lembradas com a plataforma Spock. Também afirmam que o credit scoring "consiste na aplicação de uns padrões de avaliação estabelecidos que não são arbitrários. Nesta e todas as vendas, esta avaliação é levada a cabo por uma empresa externa através de um procedimento automatizado".

Uma pessoa com o seu tablet / UNSPLASH

Poucas rejeições do total

Sobre o número de contratos recusados através da aplicação do credit scoring, Gana Energia defende que é "muito minoritário sobre o total de contratos assinados". Acrescentam que, no caso da compra coletiva, os resultados tiveram em linha com a atividade comercial normal. Não o pensa assim Antonio Valencia, que, apesar de não se inscrever, seguiu muito de perto o processo. Este consumidor detalha que Codina pôs em marcha esta iniciativa ao terminar o contrato de outra compra coletiva que tinha realizado uma conhecida organização de consumidores com a Repsol, há mais de um ano.

"Estes utilizadores receberam novas condições, mas muito superiores às que tinham", indica. "Pôde acontecer que a Gana Energia fizesse uma previsão de compra muito baixa, e quando se deu conta, não tinha energia comprada a bom preço, e decidiu recusar clientes para não ter que ir ao mercado diário. É uma possibilidade real. Pouco ética, mas real", aventura Valencia.

Erros de cálculo

Se a Gana (ou qualquer outra empresa que ofereça serviço de eletrecidade) fnão tiver a quantidade comprada para a abastecer, terá de ir comprar electricidade no mercado diário ao preço desse dia, o que significaria perder muito dinheiro, como explica Valencia. Outra proposta para explicar as negativas, especula Valencia, teria que ver com "a mão escura da Repsol", isto é, que a empresa quisesse atacar este projecto comum e também ao Grinch Energético, alguém que "fala claro sobre a pouca ética que têm as eléctricas", descreve.

Uma pessoa apaga uma tomada da luz / EP

"A mim parecem muito estranhos todas as falhas que tiveram, não sei se por parte da Spock ou da Gana Energia: erros informáticos que mudaram os números de telefone, contratos que não chegam nunca para assinar, um prazo de 72 horas para assinar o contrato que aparentemente tiraram da manga, a desculpa da insolvência… no final todos estes problemas foram engolidos pelo bom e velho Carlos", valoriza Valencia. "Levo muitos anos a seguir o tema da energia solar e dos preços da electricidade, e nunca tenho escutado problema de insolvência para contratar um fornecimento, é muito, muito, estranho", insiste.