A base fundamental do comércio on-line é a logística, a possibilidade de que o comprador possa ter em sua casa o objeto adquirido sem necessidade de se deslocar. Por isso o chamado delivery deu um empurre enorme ao transporte, um fenómeno com múltiplas repercussões, entre elas a constante falta de mão de obra em sectores da hotelaria. A partilha, como nos dias do boom imobiliário foi a construção, converteu-se num sector intensivo em emprego.
Mas, como se costuma dizer, feita a lei, feita a armadilha. Um comprador pode entrar num website para informar-se, por exemplo, de uma bicicleta estática. Em lugar de inclinar por uma plataforma como Amazon ou Decathlon, pode fazê-lo na Cecotec, que não é norte-americana nem francesa, mas sim espanhola (de Valência concretamente). Ademais, é fornecedora das multinacionais. No entanto, não está isento de ter uma grande decepção por culpa da logística. Como ocorreu a Juan Carlos S., um cliente de uma cidade de Huesca.
24 ou 72 horas eternas
O afectado explica que a hpmepage do website da Cecotec anuncia que os envios ao domicílio fazem-se em 24 ou 72 horas em território peninsular (em realidade, 24-48 horas então, ampliadas a 24-72 em julho). E quando o cliente processa a compra também se encontra com a possibilidade de que lhe levem a bicicleta até ao seu andar ("entrega dentro de casa") pelo pagamento adicional de 49,90 euros, algo que o protagonista desta história aceita porque precisamente deseja a estática para fazer os exercícios que o traumatologista lhe recomendou para cuidar da sua anca.
Surpreendentemente, as 24-72 horas prometidas não são reais. Juan Carlos S. efectuou a compra a 24 de junho e recebeu o pacote no dia 30. Depois de reclamar à companhia, remeteram-lhe às condições gerais, onde se diferencia entre prazo de "entrega" e "expedição". Assim, as 24-72 horas referem-se a "horas úteis desde a confirmação do pedido", mas depois há que acrescentar um "prazo de entrega" que vai "de 1 a 5 dias úteis desde a expedição". Ademais, "no caso de cidades afastadas de grandes núcleos urbanos ou com uma população inferior aos 5.000 habitantes, a entrega pode sofrer uma demora dentre 3 a 5 dias". Assim, as 24-72 horas anunciadas no website, podem-se converter em 19 dias reais, ainda que no caso do protagonista desta história foram seis.
"Não levamos nada ao domicílio"
Mas os problemas não ficaram aí. O transportador, que não era o empreiteiro do Cecotec mas sim um subempreiteiro de uma cidade próxima do local de entrega, recusou-se a transportar a encomenda de quase 50 quilos pelos dois lanços de escadas até ao seu destino fina. "Informaram-lhe mal. Nós não levamos nada ao domicílio desde a pandemia", defendeu-se o condutor antes de sair pelo caminho por onde tinha vindo, arrastando a encomenda.
Num primeiro telefonema de reclamação, o cliente foi informado pela Cecotec de que, efectivamente, constava o pagamento adicional dos 49,90 euros e que iria pedir ao seu transportador oficial - Online Logistics - que mudasse o seu parceiro local para efetuar uma entrega correcta.
Sem elevador, não há entrega em casa
No entanto, como não obteve qualquer resposta, Juan Carlos S. voltou a telefonar para a sede da empresa em Valência. Nesta ocasião, o operador disse-lhe que se tinha enganado, que devia ter lido as condições gerais onde se especifica que a taxa de entrega ao domicílio de 49,90 euros só se aplica se o edifício tiver elevador. A conversa foi a seguinte:
--Pois, não, não li as condições gerais. Onde estão?
--No final do site, abaixo do tudo, tem que ir no ponto V das condições gerais e ali encontrá-lo-á.
--Vou olhá-lo. Mas, em qualquer caso, que diferença há entre a entrega ao domicílio que prometem quando compras e o pagamento adicional por entrega ao domicílio? Por que não me alertaram ao propor-me o pagamento adicional?
--Não sei, o vou consultar.
A verdade é que no final do longo site do Cecotec, com cerca de 13 ecrãs, há a típica lista de secções informativas, e há as condições gerais. No ponto V há uma rubrica intitulada Preços. Despesas e impostos, mas na realidade não se refere ao que diz, mas ao transporte e à montagem. "No caso dos produtos de fitness e relaxamento, pode selecionar a opção 'entrega ao domicílio' como método de entrega por um valor adicional de 49,90€. O produto será sempre entregue na sua morada. O produto será levado ao domicílio se houver um elevador. Este serviço não inclui a montagem.
Novo telefonema à Cecotec
Juan Carlos S. voltou a pôr-se em contacto com a Cecotec por considerar que essa indicação não estava suficientemente clara na hora de comprar a bici estática pela internet:
--Minha senhora, não posso aceitar o produto porque se tentar levantá-lo vou magoar a minha anca. Preferia que me tivessem avisado quando comprei e paguei o suplemento.
--Senhor, você ligou por telefone para adquirir a bicicleta estática?
--Não, fiz-lo pelo site.
--Se tivesse ligado, ter-lho-íamos dito.
--Falha minha, de acordo. O site fala de que se pode devolver no prazo de 30 dias e que pagam o custo. Se é verdade, quero devolvê-lo e recuperar o meu dinheiro.
--Bom, isso teria que fazer pelo site, mas como você não aceitou o paquete, também não o pode devolver: não saberia lhe dizer se fá-se-lhe-á o reembolso. Vou consultá-lo, não se retire.
Passados 10 minutos, o comprador aborrece-se e desliga.
Diálogo de besugos sobre o reembolso
Uns dias depois, como continua sem notícias, Juan Carlos S. volta a ligar. Após consultar a sua ficha, a teleoperadora diz-lhe:
--Senhor, a sua compra foi cancelada. Não o fez?
--Sim, sim, claro. Mas não estava seguro de que a sua colega o tivesse processado.
--Pois, efectivamente, está anulada.
--Então, só devo esperar que me devolvam o dinheiro?
--Bom, processou-se a anulação, mas não o reembolso. Se quer, faço-lho eu.
--Claro, faça-o. Muito obrigado.
--Bem, pois está facto. Por favor, não se retire que fá-lhe-ão uma breve pesquisa telefónica de apenas duas perguntas.
Efectivamente, o autómata volta a perguntar-lhe para que qualifique de 1 a 5 o atendimento recebido; e ele carrega o 5. De todas as funcionárias com que, falou --já perdeu a conta-- só uma foi mal-educada, denúncia. A segunda questão é se recomendaria a um amigo que compre na Cecotec, ao que digita o 1.
Uma "fraude"
Para surpresa do frustrado comprador, 10 dias depois --a 26 de julho-- recebe um SMS da Bizum, o sistema de pagamento que tinha usado a 24 de junho para fazer a aquisição, anunciando que tinha feito uma transferência para sua conta a pedido da Cecotec. Devolveram-lhe todo o dinheiro, incluída a polémica prima de transporte até casa. No entanto, Juan Carlos S. lamenta os incómodos sofridos para tentar comprar na Cecotec uma bicicleta estática para as férias, sem sucesso, e qualifica de "fraude" e "publicidade enganosa" a forma na qual a empresa oferece a "entrega dentro de casa" por 49,90 euros... sempre que tenha elevador, claro.
Este meio pôs-se em contacto com a Cecotec para conhecer a sua versão sobre os factos denunciados por Juan Carlos S. mas não obteve resposta.