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A cada vez mais locais sobem-se à carroça dos shows de drag queen, mas não é ouro todo o que reluce

O sucesso de fenómenos televisivos como Drag Race tem impulsionado esta indústria, que, com altibajos, conquista mais espaços

Juan Manuel Del Olmo

drag queen

Definir o conceito drag queen é difícil, mas pode-se estar de acordo em que é uma disciplina com performance. E a artista seria uma pessoa que recorre ao vestuário e ao maquillaje para criar uma personagem feminina. Mas não é um disfarce. É um sentido, um modo de ser e de estar. Com tudo, os espectáculos de drag queens (com vozarrones ao vivo, chistes e monólogos) se voltaram mais populares e a cada vez há mais bares em Espanha que se sobem à carroça para tentar atrair clientes. Alguns o fazem desde o respeito e o interesse genuino, e outros por pura moda.

E é que, apesar das pelucas mais ou menos conseguidas, dos discursos ingeniosos, do brilho das lentejuelas e das horas de preparação, este boom e interesse crescente não significa (ou ao menos não sempre) melhores condições trabalhistas para as artistas nem uma profissionalização dos shows. Às vezes, nem chicha nem limoná.

Luzes e sombras dos shows de 'drag queens'

José é uma das pessoas que trabalha em Barbarela , um local de Valencia onde o jantar, barra livre, café e show custa 30 euros. O nome artístico de José é Ana Bo Weles, e conta que leva 40 anos neste mundo, ainda que seu especialidad é o cabaret. Reconhece que o auge do movimento é positivo, porque dá visibilidade, mas acha que também tem provocado que muita gente se suba à carroça sem currárselo. "Todo mundo é transformista agora, em qualquer bocatería aparece uma pessoa travestida, faz um playback e se vai", comenta, com um ponto de humor, mas sem ocultar a crítica.

O telón de um teatro numa função a ponto de começar / PEXELS

Ademais, baixo seu ponto de vista, os clientes que vão "a cada vez querem mais coisas por menos preço": o boom do drag tem motivado competitividade, e a competitividade, em qualquer boom, abre a porta às más praxis, a dar gato por lebre ou a baixar uns degraus na tarima da qualidade. Segundo José, que alguns clientes considerem caro pagar 30 euros por jantar e espectáculo é um erro que prejudica a todo o sector. "Há gente que ainda não o entende, que segue pensando que se trata de se colocar uma saia, umas flanges, uns saltos, e sair a fazer o payaso. E não é assim", lamenta. Define-se como uma pessoa experimentada e acha que às vezes há que oferecer "coisas um pouco mais trabalhadas".

Cartaz de completo todos os sábados

"Nós levamos fazendo shows desde novembro de 2019", expressa Hugo García, responsável por comunicação do grupo Moby Dick, que entre seus sete locais repartidos por Madri conta com Lola 09, um estabelecimento onde nos sábados há brunch e shows. "Penduramos o cartaz de completo todos os sábados", admite García, que reconhece que, desde que começaram, o público tem mudado e agora é mais heterogéneo. "O fenómeno drag tem traspassado certas fronteiras, quiçá era algo minoritário e agora vêm mais mulheres e inclusive famílias com meninos", relata.

Uma artista com seu vestuário e seu maquillaje / UNSPLASH

Seu público, estima, está entre os 25 e os 40 anos, e também vão muitos estrangeiros. "Quando o pusemos em marcha, fora de Espanha tinha conceitos parecidos, mas nós fomos os primeiros que o lançamos em Madri com brunch", relata. García acha que o grande detonante tem sido RuPaul, o fenómeno televisivo que tem acercado o Olimpo drag aos mortais. "Nota-se que isto não perde fuelle, que à gente lhe interessa muitíssimo", relata. Desde que começaram faz quase três anos, em Lola 09 não têm subido de preço: 25 euros. Com tudo, García admite que há artistas que se vão reciclando, porque não se pode oferecer sempre o mesmo. Nesse processo, algumas propostas são mais elementares e outras mais irónicas, com um humor mais trabalhado, para engatusar aos olhos que já têm visto muitos.

O furor actual moderar-se-á

Em Madri, o bairro que aglutina a maior parte de locais deste tipo é Chueca. Chanel Anorex leva seis anos fazendo de drag queen, e conta a Consumidor Global que começou em bares desta zona, ainda que agora tem trascendido esse âmbito. "Leva décadas em Espanha, mas ultimamente voltou-se mais de moda, muitos locais apostam mais por nós e em parte é graças a Drag Race, que em Espanha tinha muito tirón, e com a edição em Espanha ainda mais", expressa.

Com tudo, esta artista acha que, de aqui a um tempo, a euforia moderar-se-á e ver-se-á quem segue e quem não. "Ocorre sempre que algo se põe de moda, que todo mundo o quer ter ou provar, mas ao cabo de uns anos filtrar-se-á quem segue por moda e quem o segue porque faz parte de sua vida", apostilla. Ademais, realça que não importa tanto que se volte mainstream, sina que se entenda para valer. "Sempre temos pregado a diversidade, e o que nos interessa é que a gente compreenda o que é, que saiba o que investimos, o esforço que implica, e que desfrutem tanto eles como nós, porque somos animais de palco", argumenta.

Uma pessoa serve uma cana de cerveja num bar / UNSPLASH

Entre 'brunch' e concurso

Em mudança, o artista Escândalo admite que o drag está de moda em muitos âmbitos, como em desfiles e televisão, mas também rebaja o soufflé. "Mais ou menos, as festas são as mesmas que dantes, não acho que os shows se tenham levado a outros ambientes nem nada assim. O que sim sucede é que reabrem bares que faz 30 anos tinham shows e fecharam".

Esta artista actua, por exemplo, em Dagrada Família, um evento que se define como "show drag em ambiente brunch num terraço com vistas à Sagrada Família". Por sua vez, Chanel Anorex trabalha em Roar Party, um evento que se apresenta como "a festa onde todo pode passar". Também é a organizadora de um concurso, a gala Reina Drag, na que se oferecem prêmios económicos para novas drags e se facilitam contratações com locais. Isto é, que são elas as que impulsionam carreiras e as que tentam tecer uma indústria menos precária.

Uma pessoa se maquilla / PEXELS

Algo mais que copas

A nível económico, Chanel acha que há "luzes e sombras". Conquanto deixa claro que a cada uma se estabelece seu próprio cache em função do show e o que ofereça ao público ("evidentemente não é o mesmo te pôr um vestido de Primark e uma peluca que investir muito tempo e dinheiro"), opina que há locais e festas que valorizam o trabalho e pagam bem; e outros que "se aproveitam de algumas pessoas que estão a começar".

Neste sentido, desenha o perfil de empresários que simplesmente "querem encher o bar" e pelos bolos oferecem "uma miséria". "Após a pandemia, muitos locais viram que tinham que oferecer algo mais que copas, e pensaram que trazer uma drag manteria à gente sentada", expõe. Baixo o ponto de vista de Escândalo, as entradas não são mais caras agora: "Os locais cobram o que têm que cobrar, as que não cobramos bem somos nós", arguye.

Uma actuação num cabaret / PEXELS

Para além dos bares

"Em general, acho que tem-se encarecido sair de festa e isso repercute também em nós", defende Chanel. Mas, para além das possíveis subidas e baixas nos locais, seu objectivo é superar esse marco.

"Queremos sair do âmbito da festa, e a cada vez há mais coisas. Shows específicos em teatros , televisão, podcast… Estes espectáculos não são só para uma discoteca e pela noite", indica esta artista. Ademais, se quer-se fazer um mediamente digno ("com técnicos de luzes, de som..."), há que estar disposto a investir. Ainda que a caixa registradora não brilhe tanto.