Arranhão, arranhão, arranhão, arranhão, arranhão… Pode-se usar a palavra que queira: sempre dá medo fazê-lo num num carro alugado e receber o consequente golpe financeiro. Quase sempre, estes defeitos são altamente controversos e, ccomo num romance policial, é altura de descobrir quem é o verdadeiro culpado. Foi o que aconteceu a vários consumidores que alugaram um carro na Hertz.
Esta multinacional rent a car registou em 2022 um lucro recorde de 2.059 milhões de dólares. Em contraste com com o brilho destes números, muitos clientes queixaram-se de que a empresa lhes cobrou taxas desleais por atritos pelos quais não eram responsáveis.
Carro estacionado no parking
No verão de 2021, Airam García alugou um carro em Santiago de Compostela (Galiza) para fazer uma viagem pelo norte com outras três pessoas. No início tudo foi bem, e o veículo era "um bom carro", conta a este meio. Quando, passados uns dias, o devolveu em Vitoria (País Basco), deixaram-o num parking. Fizeram-no por voltadas 20.00 horas, e parecia que a experiência tinha ido sobre rodas.
"Na manhã seguinte, assim que acordámos, recebemos um e-mail a dizer que o carro tinha um arranhão", conta García. Por esse defeito, iriam reter 200 euros da fiança. "Anexaram-nos uma foto na qual se via o carro, efectivamente, com um risco". Ficamos chocados. "Não tínhamos feito nada, e menos ainda aí, nessa zona", detalha García.
Um risco suspeito
Algo cheirava mal, muito mal. "Não parecia um risco que se faz ao roçar contra uma parede ou contra outro carro, mas sim que estava na diagonal. Era o tipo de arranhão que se faz com uma chave", indica García. Ele e os amigos estavam decididoss: "Outras pessoas têm a má sorte de que deixam o carro alugado e não demoram mais de 12-15 horas em apanhar o seu voo ou o seu comboio de volta e abandonar a cidade. Nós não", conta.
De modo que, aproveitando que não tinham deixado Vitoria, dirigiram-se ao párking onde anteriormente tinham estacionado o veículo. "Entramos (podia-se entrar a pé sem problemas) e o carro não estava no lugar onde o deixamos, o tinham movido. Mas procuramos e estava relativamente perto, a uns 30-40 metros. E aí, efectivamente, estava o risco branco". García descreve que foi para ele "directo, como uma seta": "Aproximei-me, passei o dedo... e, de facto, a linha branca desapareceu. Estava feita com giz ou com algo parecido. Uma mentira do caraças".
"Conseguiram enviar alguém para o riscar".
Descoberto o engano, decidiram atuar com cautela para o caso de a Hertz montar outra armadilha. "Eu fiquei no parking junto ao carro, porque pensamos que eram capazes de mandar alguém para o riscar. Os restantes subiram as escadas e foram à janela que, casualmente, estava aberta", relata García.
Aqui, os seus colegas falaram com uma empregada da Hertz que não lhes deu deu qualquer apoio. "Não queria saber de nada", lembra García, "dizia que o carro tinha sido convenientemente revisto e que, se tínhamos algum problema, fizessemos alguma reclamação". Mas eles não queriam correr riscos. Afinal de contas, acabavam de verificar do que eram capazes. "Pedimos-lhe que saísse, que viesse conosco vê-lo, para que verificasse que o risco não estava. E não quis, segundo disse, para sua segurança".
"Fechou-nos as persianas e foi-se embora".
"Alucinei. Estivemos uma hora aí. Pedimos que viesse o responsável, mas ela contnuava a insistir na reclamação, que responderiam em dois ou três dias", narra este consumidor. No meio do braço de ferro, chegou a uma da tarde e a funcionária da Hertz, recorda García, foi direta ao assunto: decidiu ir-se embora porque era "a sua hora de fecho". "Fechou as persianas e foi-se embora".
Resolvidos a que a coisa não ficasse assim, foram até à esquadra da polícia de Vitoria. "Falamos com os agentes, explicámos a situação e eles disseram-nos que acreditavam em nós", conta García, conquanto não acha que a polícia fizesse tudo o que estava ao seu alcance: tentaram-lhes "meio consolar-nos" explicando que seguramente lhes devolveriam o dinheiro, mas não os incitaram a tomar medidas legais. "Não apresentamos queixa. Também porque não disseram nada, quando era óbvio que estávamos a ser enganados e havia provas", afirma.
Sorte e impotência
A sua sorte, considera García, foi que não abandonaram a cidade basca até a tarde do dia seguinte. Essa margem foi o que lhes permitiu atuar, mas sentiu "desamparo" e impotência. Contudo, no dia seguinte lhes enviaram um email no qual explicavam que iam proceder à devolução dos 200 euros.
García mostrou o documento a este meio. Diz o seguinte: "Lamentamos que nossa anterior resolução não seja do seu agrado, agradecendo que nos permita rever a sua incidência. Depois de verificar toda a documentação relativa à sua reclamação, e considerando todos os seus comentários, agrada-nos comunicar a resolução definitiva a seu favor. Informamos-lhe que processámos um pagamento do seu cartão de crédito no valor de 247,56 euros. […] Confiando que este incidente não repercuta nas nossas relações comerciais, pedimos-lhe que aceite as nossas mais sinceras desculpas pelos incómdos causados".
Sem castigo
Hertz não reconhece de forma explícita que tentou enganar García, mas diz que se enganou. Por isso, para o afectado essas linhas provam que a empresa o tentou enganar. Não obstante, este consumidor acha que não é suficiente. "Se eu roubo uma mala a uma sehora e me apanham, há um castigo. Tentei-lhe roubar", compara.
"É incrível a quantidade de pessoas à qual terão defraudado. E não lhes acontece nada. Simplesmente, uns comentários negativos na internet ", lamenta, sem ocultar a sua irritação. Comentários há. Muitos. Muito semelhantes. Assustadoramente semelhantes. "Cobraram-me 125 euros por danos no veículo, quando este foi devolvido em perfeitas condições. Nunca na minha vida risquei um carro meu e agora acontece que risquei o vosso. Enviam-me uma fotografia com um risco de dois centímetros e cobram-me 125 euros?", perguntou um cliente da Hertz no Twitter.
"Acusam-nos de riscos que não fizémos"
"Reclama-se-me um dano no veículo quando não fiz nem um mínimo golpe. Tenho uma fotografia do aspeto da carrinha e essa mossa não existe. 110€ pela reparação. É uma vergonha", afirma outro. "Tentam-nos roubar na Hertz. Ao recolher o veículo dizem-nos que não tem nada, ao devolvê-lo fazem-nos estacionar na rua porque o escritório está fechado e dois dias depois acusam-nos de riscos que não fizémos. 400 euros (danos+gestão+IVA)", denunciou uma terceira pessoa.
E assim, um pode ir pescando depoimentos por redes sociais. Há quem, como García, se propõe a tomar medidas legais e obteve as reveladoras desculpas da companhia. "Os escritórios da Hertz são uma fraude. Roubam-nos dinheiro, arrastam-nos, pedem-nos para não os processarmos e, no fim, não assumem a responsabilidade. A ver se um processo fiscal os faz reagir das suas fraudes internacionais", diz outro utilizador.
Más pontuações em fóruns de avaliações
Acusações semelhangtes repetem-se no fórum de avaliações Trustpilot, onde há mais de 330 opiniões sobre a empresa, a maioria (81%) muito más. Mais do mesmo nas avaliações do Google. Este meio pôs-se em contacto com a empresa para conhecer o seu ponto de vista sobre estas incidências e as suas explicações face ao descontentamento generalizado, mas, até ao termo desta reportagem, não obteve resposta.
No entanto, as práticas duvidosas da Hertz não são inovadoras: tal como publicou a Consumidor Global em abril, a empresa cobra taxas de manutenção a alguns condutores sancionados, apesar de que uma sentença já declarou que esta cobrança era ilegal. Antes, no final de 2022, Hertz anunciou que pagaria mais de 160 milhões de dólares a vários clientes da EU aos quais tinha acusado de roubar os seus carros. Foram 364 reclamações. Todos eles por falsas acusações.