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Ameaça para o debate público ou aberração do Twitter? Assim funcionam os 'bots'
Os especialistas em redes sociais pesquisam um fenómeno do que ainda não se sabe demasiadas coisas, mas sim o suficiente para levantar alertas
Segurança. Privacidade. Proteção de dados. Vício. Polarização. São palavras recorrentes quando se fala dos problemas das redes sociais, onde qualquer pessoa anónima pode soltar qualquer barbaridade sem ser penalizada. Se o problema já é suficientemente grave quando se limita a comportamentos humanos, quando não é assim dá-se uma verdadeira ameaça.
Os debates na internet são como uma tormenta de verão. Não porque sejam rápidos e intensos, mas sim porque após que troveje e chova aparecem os mosquitos. No Twitter, qualquer um que perca tempo lendo as respostas aos tweets de contas com muitos seguidores (sobretudo se são figuras políticas de relevância, como Pedro Sánchez, Pablo Casado, Pablo Iglesias ou Santiago Abascal) pode encontrar-se com estes insectos que não são mais que perfis falsos. Também se podem comprar para ganhar seguidores inesperadamente ou para influenciar as pessoas sobre um produto.
A semiautomatização como o maior risco
Raúl Broto, engenheiro de telecomunicações, politólogo e doutordado em big data e redes sociais, explica à Consumidor Global que criar um bot no Twitter é relativamente fácil. "Muito fácil para quem sabe algo de programação", reconhece. Explica que, afinal de contas, um bot não é mais que um perfil automatizado, isto é, aquele cujos tweets vêm de um serviço informatizado. Há alguns bem conhecidos: para aqueles que queiram descarregar vídeos e gifs que vêem na aplicação, Video Downloader Bot é uma conta que os serve de bandeja. O utilizador menciona-a e em matéria de segundos o bot responde com um link onde se podem descarregar os ditos arquivos. Tem mais de 800.000 seguidores. Por sua vez, Fernando Tricas, professor de linguagens e sistemas informáticos na Universidade de Zaragoza, afirma directamente que o Twitter "considera que pode ser benéfico permitir a terceiros fazer programas sobre a sua plataforma".
Em Espanha, outra conta automatizada é GobiernoAlerta, que se define como "um bot que descreve os movimentos no Twitter das contas institucionais e dos membros das administrações em Espanha". Assim, por exemplo, qualquer um pode-se inteirar das contas às que dão follow Errejón, Vox ou Nadia Calviño. Até aqui, tudo claro e sem problemas além da piada. Mas uma coisa é criar um bot, e outra diferente gerar centenas ou milhares, "e é aí onde há metidas agências de comunicação ou empresas", afirma Broto. O especialista acrescenta que o meio-termo entre um bot e uma conta normal, isto é, humana (só realizar a distinção soa distópico), são o que a literatura científica denomina social bots. Perfis nos quais se aprecia interação (likes, comentários, respostas) mas que têm detalhes raros. "Não estão 100% automatizados, mas a pessoa que o leva pode ter 100 contas", acrescenta Broto.
Uma ameaça para o debate público
Tricas explica que empresas e partidos podem programar respostas e ações face a determinadas mensagens, seguir outros utilizadores e utilizar o resto das ferramentas da plataforma. "Provavelmente, a parte mais manual deste processo é o registo destes utilizadores que depois serão usados como bots", aponta. Mariluz Congosto, doutora em telemática e pesquisadora das redes, tem uma conta de Twitter na qual descreve as suas averiguações sobre os bots que encontra. Congosto contou um caso muito curioso: apareceram umas contas estranhas, com toda a pinta de bots , já que tinham, por foto de perfil, a imagem de jovens, quase não tinham seguidores e só seguiam contas vinculadas ao Partido Socialista. Estas duas garotas respondiam coisas como "guapo!" ou "és o melhor" a Pedro Sánchez. Também criticavam os meios de comunicação. Pois bem, Congosto descobriu que essas contas, que a priori pareceriam bots criados pelo PSOE para adular o seu secretário geral, eram contas provavelmente vinculadas à direita que tratavam de desprestigiar o eleitorado socialista.
"Às vezes são tão óbvios que bricam de fazer uma operação de falsa bandeira", reconhece Raúl Broto. Relata que este tipo de movimentos nasceu no ambiente de Trump, com contas que se encarregavam de intoxicar o debate em questões como o Black Lives Matter. À luz destas operações, o doutorando argumenta que os social bots têm capacidade para falsear a realidade. "Estamos a jogar muito", afirma.
Dos trendig topics às fazendas de bots
O caso dos partidos políticos é um dos mais flagrantes, mas também podem se criar perfis para influenciat a opinião de um consumidor ou para desorientar. Quando alguém compra seguidores inesperadamente, a presença de bots é fácil de detetar, afirma Broto, já que há um salto muito chamativo que se pode escrutinar no tempo. Contudo, o politólogo considera que o modus operandi de alguns é demasiado "simples". É mais preocupante, pensa, quando se criam estruturas sofisticadas de social bots que permitem lançar ao mesmo tempo centenas de mensagens para, por exemplo, criar um trending topic. Ou publicar os mesmos tweets nos mesmos segundos.
Outro dos temas que gerou mais rumores é o das fazendas de bots , enormes zonas supostamente localizadas no sul da Ásia nas que estão conectados centenas de telemóveis. Fernando Tricas declara que sim existem, e que algumas "estão disponíveis para alugar a quem as queira contratar num momento determinado", enquanto outras são propriedade de agências. Quanto ao preço, o especialista refere que será variado, "desde uns poucos euros por uma rede de má qualidade, com identificadores raros para os bots e pouco historial de ação (o que permitiria identificá-los mais facilmente) ao que nos queiramos gastar por contas melhor desenvolvidas, com perfis de atividade com uma verdadeira aparência de realismo (identificadores, fotos de perfil...)".
Como remediar
Fernando Tricas explica que combater a polarização de opiniões "passa de forma inevitável pela formação e a concienciação: tanto do público em general como dos utilizadores deste tipo de estratégia". Além disso, diz, seria conveniente que os meios de comunicação não se envolvessem: nem na difusão de rumores nem nos debates que só procuram amplificar mensagens radicais.
"A chave é o Twitter", diz Broto. "Eles sim têm todos os dados. Nós, como investigadores, tentamos cavar, mas é difícil obter certezas", conta. De algum modo, a plataforma prefere olhar para o outro lado e sacrificar um ponto de integridade para ganhar mais e mais utilizadores. Ainda que alguns não sejam reais. O especialista também aponta a que as leis europeias deveriam ser suficientemente duras como para que o Twitter, que não deixa de ser uma empresa americana, respondesse face ao conteúdo que se gera. Ainda assim, aplaude que cada vez tenha algoritmos mais potentes para identificar os bots. Como conselho geral para o que se encontre um bot, aposta em não esquecer que o Twitter não é a vida real. "E todos lhe dedicamos demasiado tempo", diz. Mas a vida está lá fora. Ao menos por enquanto.
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