Os telefonemas comerciais estão à ordem do dia e, pelo geral, são molestas. A ninguém gosta que lhe interrompam em de o trabalho, durante o estudo ou o descanso para lhe oferecer uma mudança de companhia telefónica ou uma nova tarifa eléctrica. Muitas vezes a conversa limpa-se com uma breve contestação dantes de pendurar e a pessoa ao outro lado da linha fica com a palavra na boca. As empresas sabem que estas práticas incomodam aos utentes e por isso algumas lhe deram uma volta de porca a sua estratégia. Assim, em lugar de deixar que o telefone soe e o consumidor conteste, optam pelos telefonemas perdidos.
Estas se realizam com números de telefone normais que não acordam suspeitas, como sim o podem fazer aqueles com muitos dígitos ou com prefixos nacionais que cheiram a central a quilómetros. Muitos utentes que estão à espera de algum telefonema importante, como pode ser a do médico, um possível emprego ou o repartidor de turno, se frustram ao as contestar e se dar conta de que o interlocutor não é o esperado.
As seguradoras somam-se à moda das perdidas
Um leitor de Consumidor Global, que prefere manter o anonimato se queixou a este médio de que num mesmo dia chegou a receber até quatro telefonemas perdidos desde números de telefone diferentes. Ao contestar à cada uma delas, ao outro lado da linha sempre estava a mesma companhia: a seguradora Santa Luzia.
"É um truque comercial", assegura a este médio Lucia Germani, presidenta da associação Actora Consumo. O objectivo destas companhias é obstaculizar possíveis reclamações dos utentes. "Ao ter contestado o telefonema, as empresas podem argumentar que não acossam ao cliente, sina que este se pôs em contacto com eles para solicitar informação e que assim consta no registro. Ainda que essa não seja a situação. Os maus são maus, mas também muito prontos", acrescenta.
Práticas ilegais
A técnica dos telefonemas perdidos por parte dos comerciais é legal. "Ninguém te obriga às contestar", recalca Germani. Não obstante, o que é ilegal é que responda uma locução automática. "Também não é legal que a companhia em questão redireccione ao utente a um serviço de tarificación adicional", acrescenta Marcos Judel, advogado especializado em protecção de dados e comércio electrónico do despacho Audens. Por outro lado, apesar de que não se chegue a estabelecer o telefonema, também não podem se receber fora dos horários que marca a lei. "Em nenhum caso os telefonemas telefónicos efectuar-se-ão dantes das 9 horas nem mais tarde das 21 horas, nem em feriados ou fins de semana", recolhe de forma muito clara o artigo 96 da Lei Geral para a Defesa dos Consumidores e Utentes.
A respeito de que tipo de empresas são as mais proclives a utilizar este truque, Germani o tem claro: "As eléctricas e de gás porque proibiu-se-lhes realizar a comercialização domiciliária de seus produtos". Mais especificamente, as assinaturas deste sector têm proibida essa prática desde 2018. Quanto às seguradoras, esta experiente opina que também são propensas a este tipo de argucias dado que têm "muitos anos de rua" a suas costas no que se refere à venda a porta fria.
As empresas sortean a Lista Robinson
A Lista Robinson é um ficheiro no que se podem cadastrar os utentes de forma gratuita para evitar a publicidade de empresas às que não se lhes tenha dado consentimento para isso. No entanto, esta ferramenta não é do todo efectiva. Judel aponta que é habitual que os consumidores aceitem as condições de todo o tipo de serviços e páginas site sem as ler. Um exemplo disso são os comparadores de serviços. Após rechear o formulário com as características do produto no que se tem interesse, na última fase do processo se solicitam os dados de contacto para receber uma resposta individualizada. De facto, é habitual que ao pouco tempo de ter realizado uma consulta deste tipo o consumidor receba chamadas de empresas do sector, apesar de não ter nenhum vínculo prévio com elas.
A lei espanhola assinala que está proibido o envio de comunicações promocionais "que previamente não tivessem sido solicitadas ou expressamente autorizadas pelos destinatários das mesmas". No entanto, feita a lei, feita a armadilha. O problema é que nos extensos documentos com as condições gerais dos comparadores e outros sites se indica que os dados serão cedidos a terceiros para seu tratamento. Assim, ainda que o utente esteja inscrito na Lista Robinson, se brinda às companhias a possibilidade de realizar comunicações comerciais. "Se a aceitação das condições deste tipo de páginas realiza-se de forma posterior ao registro no ficheiro, as empresas recebem uma autorização expressa do cliente para que lhe possam chamar. Neste caso, através de um terceiro", asevera o jurista. Por outro lado, Germani assinala que outro elemento susceptível de abrir a porta às incómodas telefonemas comerciais são os cartões dos supermercados. "Autorizamos à empresa e a todas as do grupo, bem como às que possam estar vinculadas ao uso do cartão, como bancos ou seguradoras", destaca.
Dificuldade para reclamar
Nestes casos, o utente tem várias alternativas para reclamar e solicitar que a empresa em questão cesse as comunicações. Por um lado, está o direito de acesso, que consiste em solicitar à companhia de onde tem sacado os dados e quais tem. Mas também existe o direito de cancelamento, com o qual se pode conseguir uma espécie de apagado dos mesmos, e o direito de oposição, que consiste em que se deixem de utilizar os dados do utente com fins promocionais. Esta última opção pode ser útil, por exemplo, se é-se cliente de uma empresa e só se procura que esta deixe de mandar publicidade, mas não que apague toda a informação do utente.
"O importante é que o consumidor ejercite seus direitos de protecção de dados. E se a empresa não faz caso tem que ir à Agência Espanhola de Protecção de Dados (AEPD), que encarregar-se-á de pesquisar o assunto", aconselha Judel. Por outro lado, é bastante complicado conseguir uma compensação económica em caso que um utente tenha sido atosigado por uma empresa. "Tem que demonstrar um prejuízo cuantificable. Quando se alegam danos morais e coisas desse tipo é muito difícil o demonstrar e não costuma ocorrer", afirma.
Multa de oito milhões de euros a Vodafone
A AEPD impôs faz poucos dias uma multa a Vodafone de 8,15 milhões de euros. O motivo é que a companhia recebeu diversas sanções por incumprir diferentes artigos da lei de protecção de dados. Dentro desse leque de irregularidades, a agência assinala que nos dois últimos anos recebeu ao redor de 200 reclamações contra a empresa, a grande maioria devido a comunicações comerciais não solicitadas ou autorizadas de forma expressa por parte dos utentes --alguns que estavam registados na Lista Robinson--.
A sanção imposta distribui-se da seguinte maneira: quatro milhões por incumprir o tratamento dos dados, dois milhões por não respeitar a transferência dos mesmos, outros dois milhões por incumprir a Lei Geral de Telecomunicações e 150.000 euros por comunicações comerciais através de correio ou outros meios. Não obstante, a operadora considera que esta cifra é "desproporcionada" e já tem confirmado que recorrerá a decisão da AEPD.