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As tampas sustentáveis d Coca-Cola "não têm nenhum efeito sobre a reciclagem", segundo os peritos
Empresa reclama medalhas por "inovação" em garrafas de plástico que na realidade está mesmo à frente da lei e irá reduzir o desperdício
Em meados de outubro, a Coca-Cola anunciou que fabricaria, até finais deste ano, 75 milhões de garrafas com a tampa presa à embalagem nas suas fábricas de Barcelona e Sevilha. Nas ditas garrafas a tampa ficará unida, de forma que, uma vez que se desenrosque, a sensação será como se pendurasse. Não é muito estético (de facto, tem uma certa sensação de cantina), mas vale a pena se a empresa quiser enveredar pelo caminho da sustentabilidade. Ainda que seja com passos curtos e a passo forçado.
A empresa não escatimó no triunfalismo a hora de fazer o anúncio. Defendeu que, com este lançamento, se adiantava ao regulamento europeu e apostava "na inovação nas suas embalagens para as fazer mais sustentáveis", simultaneamente que a medida "incentiva a reciclagem entre os seus consumidores". No entanto, os peritos em reciclagem acham que, ainda que a medida seja positiva, não tem muito de inovação, e ainda menos de reciclagem. Sim ajudará a reduzir os resíduos, mas misturar isso com a reciclagem é como misturar os dois. Ou, mais exactamente, como meter tudo no mesmo contentor.
Adiantar à lei
Celia Ojeda, doutora em biologia pela Universidade de Alicante e porta-voz da Greenpeace, explica à Consumidor Global que o da tampa presa é uma obrigação da nova regulação de plásticos europeia, de modo que o movimento da Coca-Cola, simplesmente, adianta-se à lei. "Está bem, mas não é mais que uma antecipação à norma. E quando um cidadão cumpre as normas, também não lhe batemos palmas", detalha.
Para calibrar a dimensão da medida, teria que conhecer o número de garrafas que a Coca-Cola põe no mercado espanhol. Este meio perguntou a respeito à companhia, de onde defendem que os 75 milhões de embalagens que terão a tampa presa "correspondem a 100% das embalagens PET distribuídas a partir das fábricas de Barcelona e Sevilha à data de hoje. Estas duas fábricas são as que maior volume de embalagens produzem das que temos em Espanha". Isto é, que serão quase todas. Além dossp, indicam que "os próximos meses ir-se-ão incorporando outras fábricas, e com isso 100% das embalagens também se comercializarão com a tampa presa à garrafa". Mas isso já não é primicia nem compromisso. É a lei.
Disfarce de inovação
Mesma opinião que Ojeda tem Andoni Uriarte, director técnico da plataforma Recircula e expresidente da Associação Espanhola de Recicladores de PET. Este perito afirma que já lhe surpreendeu que a Central Lechera Asturiana recorresse a um marketing semelhante num slogam no qual dizia "se o natural é que as nossas vacas e os nossos prados estejam juntos, o natural é que a tampa e nosso brik também". Esta ocorrência foi anterior ao "dislate" da Coca-Cola, mas representa o mesmo. É que, so0b o ponto de vista de Uriarte, falar de "meta de inovação" significa magnificar algo "que é obrigatório, uma imposição", mas a marca tenta "varrer para casa" e cobertê-lo em "marketing verde".
"Isto surge de uma diretiva europeia de plásticos de um úncio uso, que era notória por proibir, entre outras coisas, o uso de palhinhas de plástico", lembra. A chave está no quando. "A diretiva é de 2019, e tem várias fases para que as empresa se vão adaptando, até julho de 2024. Nesse momento, já não será possível nem fabricar nem pôr no mercado garrafas como as de antes, se é que alguma empresa as tem em stock", descreve Uriarte. Por isso, acha que "iremos vendo como muitas marcas, não só a Coca-Cola, disfarçam isto de inovação. Mas devemos saber que há uma abrigatoriedade".
Evitar que as tampas acabem na praia
Na dita directiva, a Europa falava de tomar medidas de prevenção de resíduos e de ecodesenho. Mas o de ecodesenho, conta Uriarte, foi mal compreendido. "O fabricante às vezes pendura medalhas com o ecodesenho, quando o que fazia na verdade era poupar custos. O ecodesenho deve contribuir para reciclabilidade. A Europa viu que se faziam muitas armadilhas, de modo que propôs prender a tampa ao corpo da embalagem", conta Uriarte.
Deste modo, a medida combate o abandono de embalagens no meio natural. "A Europa fez uma prospeção em montes e praias e encontrou que 50% do lixo era constituido por plásticos de um único uso, e entre os itens que mais apareciam figuram garrafas e tampas. Mas o material da tampa não é o mesmo que o da garrafa, desgasta-se mais rapidamente, o que faz com que se fragmente em muitas partes, entre elas os famosos microplásticos", argumenta Uriarte. Aí está o truque. Colar a tampa à garrafa evitará que tenha menos tampas a transpordar, mas não fará magia.
Não há melhorias na reciclagem por culpa da Ecoembes
"A Coca-Cola utiliza o slogan 'juntos reciclamos melhor', que é um slogan muito pouco prático. O facto de que a tampa esteja colada ao corpo da garrafa não repercute na melhoria da reciclagem, é algo totalmente independente da reciclabilidade posterior. É um tiro no ar", indica Uriarte. É porque "o sistema de reciclagem que está instaurado em Espanha não muda": Ecoembes. Como na Ecoembes, que são os gestores, "não se premeia uma recolhida de qualidade", afirma o perita, depois "não se premeia um produto de qualidade". Este meio já dedicou uma reportagem às polémicas práticas da Ecoembes.
Na mesma linha, Ojeda afirma que no trommel (que é como se chamam os enormes tambores rotativos pelos quais passam os resíduos no seu processo de classificação mecanizado) "entram coisas, desde iogurtes até partes de brinquedos ". Isso impede que o plástico da garrafa, superior a outros qualitativamente, se separe e se diferencie. Ainda mais, Uriarte explica que em Espanha não há recicladores para produzir PET reciclado com qualidade suficiente para ir o incorporando de novo no mercado. De facto, "menos de 10% do total das garrafas que se processam voltam a ser garrafas". Convertem-se noutras coisas. Tecidos para a indústria têxtil, por exemplo. Porquê? Porque no contentor amarelo entra "de tudo".
"Aproveitar o que são obrigações"
Definitivamente, o sistema não está suficientemente refinado. "Na Finlândia, por exemplo, há sistemas de depósito muito melhores para reincorporar as produções. A Coca-Cola precisa material para as suas embalagens, como é lógico, de modo que é prejudicada por isto, mas é uma prejudicada voluntária porque está dentro da Ecoembes", diz Uriarte. Na opinião do director técnico da Recircula, a medida da Coca-Cola "tem o justo de inovadora". Pelo contrário, quem sim inovaram foram alguns fabricantes de garrafas de água, há anos, quando desenvolveram as embalagens "tipo chupete" para os desportistas. "Isso sim foi uma inovação. Uma linha de produto destinada a um consumidor concreto", diz.
Ainda que agora se celebre, no princípio houve reticências por parte das empresas. "Não foi uma medida que a indústria aceitasse facilmente. Até agora, eles viviam muito felizes com este tema", indica Uriarte. Agora, os custos da marca incrementar-se-ão, porque ver-se-á obrigada ao fabricar tudo, tampa e garrafa, nas suas instalações, e não importará os primeiros. "Não acho que seja green washing, porque isso implicaria mentir, mas sim é varrer para sua casa. A estratégia consiste em aproveitar o que são obrigações", diz Uriarte.
Partilhar as culpas
Da Coca-Cola defendem que a introdução deste novo encerramento "ajudar-nos-á a aproximar o nosso objectivo de recolher 100% das embalagens que pomos no mercado. No general, uma maior recolha de tampas contribui a que haja menos lixo nos oceanos e nas comunidades. Com este sistema podemos reciclar juntos tampa e garrafa, além disso, podemos avançar para um sistema de economia circular". Juntos? Outra questão delicada é a partilha das culpas. "Se o consumidor é um incívico e atira as garrafas e as tampas por aí, claro que é responsável por não se reciclar, mas, quem põe esses milhões de embalagens no mercado e quem gere os resíduos? É a indústria a que está detrás, não considero justo culpar o consumidor", raciocina Uriarte. "A pergunta é se a Coca-Cola faz todo o possível", acrescenta.
Seria difícil contestar que sim. Entre 6 e 18 de novembro terá lugar a Conferência Mundial de Mudança Climática das Nações Unidas (COP27) no Egipto. O Governo egípcio anunciou que um dos patrocinadores do evento será, precisamente, a Coca-Cola. Ao conhecer-se a notícia, Greenpeace saiu e qualificou o patrocínio de "vergonhoso" e publicou um comunicado no qual julgava "desconcertante" que "o maior poluente com plásticos segundo todas as auditorias" patrocinasse um evento assim. Segundo os dados da entidade, a Coca-Cola produz 120.000 milhões de garrafas de plástico descartáveis por ano.
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