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As 'dark kitchen' não competem com os restaurantes, mas sim com os supermercados
Os especialistas alertam que este tipo de negócio é, para muitos hoteleiros, um salva-vidas nestes tempos turbulentos
As dark kitchen não vão acabar com a hotelaria. Assim o asseguram os especialistas do setor, como Manel Morillo, fundador de Con Gusto Consulting. Além disso, ir contra elas é, na sua opinião, atacar a um setor que está a criar emprego no meio desta crise económica como a atual.
"Se queres ir a um restaurante, irás. Por outro lado, se preferes ver um filme em casa e não tens nada no frigorífico, irás a um delivery. Por isso as dark kitchen não competem com os restaurantes, mas sim competem com os supermercados", insiste Morillo.
Umas cozinhas polémicas
Cozinhas fantasmas, escuras, clandestinas e inclusive cegas são, no entanto, os inquietantes adjetivos que precedem às dark kitchen. Mas esta tendência que está a transformar o setor da hotelaria pouco a pouco senta as bases de um novo modelo de serviço de entrega de comida ao domicílio --ou delivery-- que em Espanha move mais de 7.000 milhões de euros.
Localizadas em dependências e depósitos, as dark kitchen não são negócios à vista, mas também não são secretas e este meio-termo tem gerado "um misticismo que elas não têm", sublinha Morillo.
Um salva-vidas para parte do setor
Ainda que a proliferação deste tipo de restauração tenha acelerado durante a pandemia, as cozinhas escuras funcionam desde 2016, quando as empresas como a Glovo, Just Eat ou Deliveroo decidiram abrir as seus próprias lojas para evitar intermediários.
No entanto, durante o confinamento mais estrito, muitos restaurantes viram neste modelo de negócio uma forma de resistir ao fechamento total da sua atividade, daí que "a própria hotelaria se converteu numa cozinha escura", assinala Marga Mínguez, porta-voz da associação Hotelaria de Madrid.
Modelos complementares
"Os restaurantes e as dark kitchen estão condenados a entender-se", acrescentam outras fontes do setor que lamentam a situação atual e a publicidade negativa que têm recebido. Nesse sentido, Mínguez também descarta a incompatibilidade entre a restauração mais tradicional e esta nova forma de oferecer comida aos consumidores. "São dois serviços diferentes que requerem vias diferentes", salientam a associação patronal de Madrid.
Além disso, a ascensão das cozinhas escuras deve-se a duas razões, segundo os especialistas. "Com o confinamento muitos restaurantes começaram a oferecer este serviço e quando voltou a actividade normal ficaram sem espaço na cozinha para os pedidos ao domicílio, enquanto outros, aproveitando a adesão do delivery, se lançaram a empreender neste setor", enfatizam.
Preços competitivos
Num restaurante paga-se pelo serviço, o local, a atenção e a apresentação dos pratos. Mas com o delivery paga-se, sobretudo, pela comodidade de que enviem a comida a casa. Por isso, "os preços podem ser mais competitivos", adverte Morillo.
No entanto, este especialista recorda que as cozinhas escuras também têm despesas. Além de comprar a matéria-prima, pagar aos trabalhadores e pelas instalações, também pagam uma taxa às empresas de delivery "que não são nada baratas", recorda.
Mesma qualidade?
Mas que o preço seja mais baixo não significa sempre que a qualidade do produto seja inferior. Para entender esta matiz, Morillo explica o exemplo da hamburgueria Goiko que trabalha com cozinhas escuras para oferecer o seu serviço de delivery. "O hambúrguer que desfrutarás no restaurante é o mesmo que receberás na tua casa", assegura.
Ainda que este consultor também faça autocrítica e explica que "todo mundo sabe que as batatas fritas do serviço ao domicílio estão moles, mas é por questões de logística, não por oferecer um alimento de qualidade inferior". E quando se pede a domicílio aceita-se, de algum modo, "estas carências".
Há um vazio legal?
Mínguez, de Hostelería de Madrid, detalha que afinal "as dark kitchen funcionam com base no regulamento da hotelaria e seguem os protocolos de saúde, inclusive agora, ao estar no olho do furacão, têm mais inspecções que qualquer outro bar". Da mesma forma, estes negócios podem beneficiar de dois tipos de licença: oficina industrial ou pratos preparados com oficina. Uma é de tipo industrial e a outra do tipo comercial, mas nenhuma das duas tem uma regulação específica pensada para este tipo de cozinhas especificamente.
"O mercado sempre à frente da regulação", critica Mínguez, que acrescenta que "o facto de não terem uma regulação específica tem sido um dos desencadeadores desta má fama". No entanto, na sua opinião, a solução não é criar uma nova lei, mas sim "incluir algum epígrafe nas que já há".
O acordo de trabalho
Outro aspeto condenado pelas cozinhas escuras é a falta de transparência quanto à regulação dos trabalhadores. Esta crítica ofende Murillo, que replica que o setor da hotelaria também não pode presumir ter contratos lícitos com todos os seus empregados.
"Divirto-me com pessoas que por não contribuirem para este negócio optam pela opção tradicional e considerem que lá é mais legal", conclui.
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