Gastarias 15 euros numa exposição de arte sem obras?

As instalações imersivas recorrem à tecnologia mais avançada para recriar quadros e vidas de artistas através de luzes, ecrãs e sons

Exposição imersiva em Tóquio / UNSPLASH
Exposição imersiva em Tóquio / UNSPLASH

Na sua mão esquerda, o cristo da igreja de San Clemente de Taüll, maravilha da pintura românica espanhola, leva um livro no qual se lê Ego sum lux mundi em latín, "Eu sou a luz do mundo". Hoje, no mundo das mostras de arte, a luz vai para as exposições imersivas, uma tendência em ascensão nos últimos anos: ecrãs, explosões de cor e movimento. Mas poucas obras de arte presenciais, físicas.

O audiovisual está a conquistar partes da realidade e a arte está a caminhar por caminhos tecnológic0s. Em que consistem as exposições imersivas e quais são os seus pontos fortes?

Exposições imersivas de 9 a 17 euros

Este tipo de exposições levantam algumas questões. Em que medida se pode considerar caro ou barato pagar uma entrada por ver obras audiovisuais que falam de obras plásticas que não estão lá?

Em Barcelona abriu há uns anos Ideal, um centro, como especifica no seu site, "que experimenta a imersão das projeções audiovisuais, a realidade aumentada, a realidade virtual e a holografía para criar uma nova relação entre a arte e a sociedade". Agora, há uma exposição sobre Frida Kahlo. As entradas custam 14,50 euros em dias normais, 16,50 euros aos fins de semana e 9 euros nas segundas-feiras.

Dos personas en una exposición / FRIDA INMERSIVA
Duas pessoas numa exposição / FRIDA INMERSIVA

Arte audiovisual num antigo cinema

Manel Miró, professor do Mestrado Universitário em Gestão Cultural de Universidade Internacional de Cataluña (UIC), explica que a Ideal abriu o espaço num antigo cinema e que, na verdade, o que se vê ali tem mais a ver com essa disciplina que com as telas.

O professor reconhece que o mundo da arte sempre haverá puristas, mas considera que as linhas estão a confundir-se: "Na verdade, estamos a falar de cinema, mas com outra linguagem, e vivemos numa sociedade na qual a experiência artística é audiovisual", expressa.

Mais caro que o Museu Reina Sofía

No entanto, há casos e casos. Em Madrid vai inaugurar em março MAD (Madri Artes Digitais), um centro em Matadero, com uma exposição imersiva sobre Gustav Klimt. Sem obras de Gustav Klimt. Por 14,90 euros. Mais do que custa entrar no Museu Reina Sofía.No entanto, como acrescenta Miró, pode-se relativizar: "Entrar na casa Batlló custa mais de 20 euros".

Da mesma forma,ao 4 de fevereiro chegou à capital espanhola uma mostra que recria a Capela Sistina. Pode-se ver num shopping e os promotores afirmam que trata-se de "uma experiência inédita na qual poderás ver de perto as incríveis obras de arte da CApela Sistina no tamanho real". Antes, esta instalação percorreu por Shanghai, Chicago, Phoenix, Berlim ou Viena.

Exposición inmersiva sobre Van Gogh / NOMAD ART
Exposição imersiva sobre Van Gogh / NOMAD Art

Experiências diferentes

Nem todas as pessoas podem viajar até Roma, claro está. A diatribe é sobre se a experiência imersiva divulga ou substitui. Miró explica que ir ao Prado e à Ideal é totalmente diferente e diferenciável, duas visitas que geram "adrenalinas diferentes". Além disso, afirma, "não acho que pretendam sobrepor-se à arte, nem muito menos".

Na verdade, segundo o especialista, talvez alguém possa se interessar por Van Gogh depois de assistir sua exposição imersiva no Domo do Shopping Las Arenas. Aqui, o site utiliza como afirmação a tridimensionalidade, "as simulações de toque, olfacto, música original e narração na primeira pessoa".

À procura de novos públicos

O Mundo de Van Gogh, como se ititula esta exposição, aborda detalhes da biografia do artista. Os organizadores realçam a sua orientação aos novos públicos, bem como o "seu forte poder didático".

Varias personas se agolpan frente a La Gioconda / PEXELS
Várias pessoas juntam-se em frente à Gioconda / PEXELS

Estes mesmos valores sublinham-se noutras exibições, como a mostra "envolvente e multisensorial" Impresionistas, que esteve recentemente no Ateneo Mercantil de Valência. Com um ponto para o parque temático?

Recreação de obras

O antecedente mais claro destas mostras está na recreação digital de obras. Miró explica que esta técnica existe desde há muitos anos e que, às vezes, as cópias podem ser tão seductoras como as criações originais. É o caso da gruta de Lascaux, em França, uma jóia da arte rupestre que atualmente se encontra fechada. O seu substituto, a sua gémea virtual e acessível, é o Centro Internacional da Arte Parietal, onde as imagens digitais dão vida a um espaço milenário ao qual hoje não se pode aceder.

"Nunca pensei que uma projeção poderia gerar algo assim", reconhece. A cada dia, as cópias são mais precisas, mais poderosas. O professor também menciona um video mapping que teve lugar na igreja de San Clemente de Taüll, que recuperou, de algum modo, as pinturas que um dia estiveram ali e agora estão no Museu Nacional de Arte de Cataluña (MNAC).

Varios visitantes en una muestra / UNSPLASH
Vários visitantes numa mostra / UNSPLASH

Um espetáculo de luzes e cores

Por sua vez, Alberto Berzosa, doutor em História da Arte e professor na Universidade Carlos III de Madrid, concorda em que as exposições imersivas podem ter aspetos muito positivos, mas ressalta que não se pode evitar o seu papel na hora de espectacularizar obras e vidas. "Mais do que democratizar obras de arte, acho que podem servir para que as pessoas mordam o bicho", diz.

Além disso, considera que pode ser problemático a viragem tecnológica que se está a dar tanto na cultura como na educação e na sociedade. Essa viragem tem a ver com a crença de que a tecnologia é a panacéia, que por si só é um triunfo. "Quando vais a este tipo de projeções, já não é tanto para ver um filme como para estar numa espécie de filme", descreve. Sob o ponto de vista deste professor, pagar 14 ou 15 euros por viver estas experiências imersivas é caro, ainda que sempre "dependerá de como se façam".

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