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Abertura Gallery Weekend, o chupinazo ao curso artístico em Madri: "É todo um peregrinaje"
56 galerias participam nesta edição, onde se podem ver obras de Chema Madoz, Nancy Spero ou Darío Villalba
Jean Dubuffet achava que os galeristas ("os donos dessas lojas onde se vendem os quadros") contribuíam a que o público general não conhecesse do todo que é na verdade a arte (e à consequente parcimónia com respeito às galerias) porque não se vestiam bem. Em sua opinião, os galeristas devessem ataviarse "com uns vestidos pintados de quadros e de signos", além de "maillots de lentejuelas". Porque a arte "não tem o direito de aburrir". As pessoas que nestes dias acercam ao público as obras em Abertura Madri Gallery Weekend não vão assim vestidas, mas bem poderiam.
Este evento, que se celebra do 14 ao 17 de setembro na capital, é o pistoletazo de saída do curso artístico e pretende acercar as exposições, "abertas a todos e gratuitas", ao público geral. Não há vestidos com signos cabalísticos nem demasiadas extravagancias, mas sim uma firme e colorida vontade de mostrar, de acercar, de alargar o sentido da galeria. Neste ano participam 56 galerias de todo Madri (desde o bairro de Almagro a Carabanchel, e de nomes consagrados como Chema Madoz a jovens criadores) que exibem suas obras, e também se programaram percursos e visitas guiadas. Vistam-se como queiram: podem passar.
Horário ampliado para que vá mais público
"Iniciativas como esta são muito positivas porque permitem fazer um percurso, tanto para os visitantes como para artistas como eu, que também aproveito para visitar galerias e ver que estão a fazer outros. Tens a oportunidade de ver muitíssimas obras diferentes e supõe todo um peregrinaje. Ademais, o horário amplia-se, o que facilita que possa vir mais gente", explica a Consumidor Global o pintor José Enguídanos na galeria Branca Soto Arte, localizada em pleno Bairro das Letras.
Aqui exibe-se nestes dias Paisagem mental do insólito, uma mostra sugerente na que o artista atira do fio do Bosco para mostrar fabulaciones, atmosferas tensas, pesadelos actualizados e desacralizadas na que de vez em quando surge um animal, um funambulista ou uma árvore desconcertante. Algumas destas obras em pequeno formato (20x20 cm) podem-se adquirir desde 1.300 euros.
Falar com os artistas
Enguídanos fala do Bosco com interesse, mas parece considerá-lo um apoio mais que um ícone que reinterpretar. Este é outro dos pequenos prazeres de Abertura: em alguns casos, se um quer, pode se animar a trocar umas palavras com os criadores e conhecer assim seus pontos de vista particulares. Não mordem. Em alguns casos.
À pergunta de se acha que o público general sente reticencia a entrar às galerias, ainda que goste de ver arte, Enguídanos contesta com contundência. "O que querem as galerias é que a gente entre e veja obras", afirma. "Entendo que algumas pessoas tenham certas reservas a passar porque quiçá pensem que lhes vão perguntar se querem comprar algo, mas não é assim. As galerias estão abertas para todos", sublinha. Os que para valer vão exclusivamente compram, sugere Enguídanos, já se encarregam de fazer por outras vias.
Darío Villalba, artista crucial
A uns 500 metros de Branca Soto, em Leandro Navarro o visitante pode admirar a exposição Espírito de congelamento impresso em carne, de Darío Villalba, um artista espanhol pioneiro no uso da fotografia em combinação que recebeu em 1973 o Prêmio Internacional de Pintura da XII Bienal de Arte de São Paulo. Hoje em dia, suas obras engrossão colecções prestigiosas, como a do Metropolitan Museum de Nova York.
As expostas em Leandro Navarro são obras sobrias mas emocionais, de pequeno e grande formato, pelas que o trascendente parece se ter posado um segundo para depois marchar a outro lugar. Aparecem fotografias intervindas de estátuas antigas ou de espaços quase fantasmagóricos.
Lavapiés e Bairro das Letras
Entre Lavapiés e o Bairro das Letras há mais de uma dúzia de galerias participantes, entre as que cabe destacar The Borracha, Maisterravalbuena (com uma enorme sede aberta em fevereiro ao lado do Museu Reina Sofía), o humor quase gamberro de Pere Llobera em F2 Galeria (cuidado com não escorregar com uma folha de caderno no solo) ou a abstracção geométrica de Lola Bosshard em José da Mão. Esta última galeria exibe de Bosshard "os trabalhos de finais dos anos 60, até faz pouco desaparecidos e recentemente descobertos".
Um pouco mais ao norte, por trás de Grande Via, os bodegones de Elena Goñi acolhem ao visitante em Utopia Parkaway. E acolhem-lhe porque seus quadros de cores claras povoados de frutas , copos, garrafas de água ou cacerolas transmitem uma serenidad estranha, mas morna e grata. Em palavras da artista, "as coisas que me rodeiam não são objetos inertes. Transforma-as o tempo, a luz, o instante em que as observo. Eu as pus aí num determinado momento, mas agora não só as habito, também me habitam. Dão sentido ao espaço em que me movo, o cobrem de uma identidade que é a minha".
Branca Berlim, Twin Gallery e NoguerasBlanchard
Não bem longe de Utopia Parkaway sobresalen Branca Berlim (obras de Cristóbal Hara, ao que em 2023 concederam o Prêmio Nacional de Fotografia), Twin Gallery (uma exploração de 17 artistas em torno da ideia de bosque e o papel das árvores nas cidades)ou NoguerasBlanchard, que mostra obras da pioneira da arte feminista Nancy Spero.
"Nancy Spero converteu a experiência feminina no centro de sua prática artística e desafiou as convenções estéticas e políticas. Sua linguagem procede de sua imersão na história das imagens, especialmente de Egipto, a Antiguidade clássica, a Prehistoria e os meios de comunicação contemporâneos Combinou, fracturou e reutilizou imagens encontradas e adoptou textos para comentar acontecimentos contemporâneos e históricos", explica a galeria.
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