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A lei antitabaco 'finca' em Espanha com medidas ineficaces
As acções impulsionadas faz três lustros não se adequam ao contexto actual, o que tem provocado um repunte do número de fumadores em Espanha
Ainda que hoje em dia possa parecer incrível, não faz tanto tempo que fumar na consulta do médico era uma situação habitual e legal. A mesma estampa podia dar no transporte público e inclusive nas salas de qualquer colégio ou universidade do país. E, por aquele então, as cabines dos aviões também podiam se encher de fumaça de fumo . Não foi até 1988 quando se aprovou a primeira Lei Antitabaco de Espanha e se libertaram estes espaços da fumaça. Anos depois, a lei de 2005 foi o ponto de inflexão do consumo de fumo no país, pois ampliou as restrições a outros lugares fechados, proibiu a publicidade, limitou sua venda e introduziu outras medidas de prevenção e controle. E o último reforço desta lei chegou em 2010, quando se deu carpetazo a poder fumar no âmbito da hotelaria.
Mas, quinze anos depois, o regulamento faz águas e não tem conseguido seu cometido: reduzir o consumo e o número de fumadores. Os experientes consultados por Consumidor Global coincidem em que as medidas estão obsoletas e reclamam acções mais contundentes, como ampliar os espaços sem fumaças ou aumentar o preço das carteiras. De facto, segundo a Sociedade Espanhola de Medicina de Família e Comunitária (SemFYC), entre 2017 e 2019 produziu-se um ligeiro aumento de fumadores em nosso país, de 21% ao 23,3%, bem como um pequeno retrocesso da percentagem de exfumadores, do 37 % ao 33,7 %. Enquanto, a cifra de pessoas que nunca têm fumado, por sorte, se manteve estável nesse período. Não obstante, as vendas de cigarros em 2020 têm baixado o 8 % e situaram-se em seu mínimo histórico devido à queda drástica do turismo e a mudança de hábitos pelas restrições sanitárias, segundo dados da Mesa do Fumo.
Uma lei obsoleta e ineficaz
"A lei antitabaco foi um grande passo para a prevenção em Espanha, mas leva dez anos com medidas paralisadas e sem modernizar, pelo que há que avançar em acções adaptadas aos novos tempos", explica a Consumidor Global Raquel Fernández, responsável pela Associação nofumadores.org. Assim mesmo, para Fernando Fernández Bom, porta-voz da Plataforma para a Redução do Dano por Tabaquismo e cirujano oncológico do Hospital Gómez Ulla, "este regulamento teve um impacto muito positivo sobre os fumadores pelas medidas de prevenção e controle, mas, hoje em dia, ficaram-se apanhes e o consumo tem ascendido até situar-se em níveis prévios à lei".
Coincide também com esta visão crítica do regulamento Victoria Güeto, doutora e coordenadora do grupo de Abordagem do Tabaquismo da SemFYC. Segundo ela, entre 2009 e 2017, o consumo de fumo se reduziu em torno do 5 % em Espanha e, com isso, diminuiu a exposição de fumadores passivos e de infartos ou anginas de peito. No entanto, "toca seguir avançando porque a indústria tabacalera sim fá-lo, com novas formas de consumo, como os cigarros electrónicos", acrescenta Güeto.
Acrescentar mais limitações
As cifras oficiais também avalan a perda de eficácia das medidas e o consiguiente repunte de fumadores. A Encuesta sobre Álcool e outras Drogas em Espanha (Idades) do ano 2005 assinalava que o 32,8 % da população entre 15 e 64 anos eram fumadores habituais. Catorze anos depois, a encuesta de 2019 aponta a que a cifra se situa no 32,3 %, isto é, muito similar. Ademais, incrementou-se o número de pessoas que não se propõe deixar de fumar de 35 % em 2017 ao 40,5 % em 2019.
Sem dúvida, o regulamento coxea e é ineficaz. "Seria importante aumentar os espaços sem fumaça porque isso contribui a desnormalizar o acto de fumar e que se veja menos. Com mais limitações, mais pessoas animar-se-ão a deixá-lo", assegura Güeto. Enquanto, Raquel Fernández recorda a importância de um empacotado neutro, cor caqui e com uma tipografía idêntica entre marcas, "para acabar com o último reduto de publicidade no próprio produto", bem como equiparar as novas formas de consumo, como a cachimba ou os cigarros electrónicos, com o fumo legal, "pois não são inócuos e é a porta primeiramente ao consumo para muitos jovens".
Tocar mais o bolso dos fumadores
No entanto, para a doutora Güeto, a medida estrela para reduzir o número de fumadores é o aumento do preço. "A batalha contra o fumo não se ganha fazendo que a gente deixe de fumar, pois é muito complicado, sina evitando que se incorporem novos consumidores, e o preço é a forma mais eficaz", explica. No França, segundo dados da Direcção Geral de Aduanas e Impostos Indiretos consultados por Consumidor Global, em 2000 o preço do pacote era de 3,20 euros, enquanto em 2017 subiu a 7,05 euros e em 2020 a 9,5 euros. E, por se isso fosse pouco, em 2021 a carteira superará os 10 euros. No resto de Europa, os preços são muito dispares. Reino Unido é um dos mais caros, com um preço médio por pacote de umas 11 libras, isto é, algo mais de 12 euros. Em Alemanha , custa uns 7 euros, mais do duplo de seu preço no ano 2002. Enquanto, os italianos pagam uns 5 euros por carteira, ainda que as marcas mais caras superam os 6 euros.
Em Espanha, no entanto, ainda que o preço tem aumentado nos últimos anos está longe de chegar aos de países vizinhos. "A subida tem sido tão lenta e residual que a indústria a absorveu sem problemas", critica Fernández. Por exemplo, em 2005 o preço do pacote de Fortuna Vermelho Duro era de 2,65 euros. Em 2013, passou a custar 4,25 euros e, em 2018, subiu até os 4,60 euros. Na actualidade, por quase qualquer carteira de 20 cigarros pagam-se uns 5 euros, a metade que no país galo.
A pandemia do tabaquismo: 160 mortes ao dia
O fumo faz mella na população espanhola e de que maneira. De facto, morrem a cada ano mais de 60.000 pessoas por causa de doenças provocadas pelo consumo deste produto, o que equivale a mais de 160 mortes a cada dia, segundo os dados mais recentes do Ministério de Previdência. Ademais, estima-se que umas 1.200 mortes são atribuibles à exposição à fumaça de pessoas que não fumam, isto é, dos conhecidos como fumadores passivos.
"Arrastamos a pandemia do tabaquismo desde faz décadas e é lamentável que morram tantas pessoas e não se tomem medidas mais drásticas", conclui Raquel Fernández, cuja associação reclama uma folha de rota para acabar com o fumo em 2030. Um país livre de fumaça nesse ano é também a petição principal dos médicos e cientistas que integram a Plataforma para a redução do dano por tabaquismo. "É imprescindível dar um giro às políticas contra o fumo e introduzir fórmulas inovadoras, como fazem o França e Reino Unido, para reduzir o dano causado pelo tóxico hábito de fumar", conclui o doutor Fernando Fernández Bom.
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