Brenda Valentina cometeu "o erro" de inscrever-se em novembro de 2022 no Tradeando, um curso de trading e investimento em bolsa, cuja publicidade lhe tinha chamado a atenção. Ainda assim, explica, não estava segura de tudo, mas quando viu que podia financiar o curso, decidiu experimentar. O preço era de 1.750 euros, com a possibilidade de pagar em 12 prestações de 169 euros.
Tal como explica esta utilizadora à Consumidor Global, esteve a pagar durante três meses um curso que finalmente não utilizou. "Vi umas quantas classes, apenas vídeos gravados, e como fiquei desempregada, não podia continuar a pagar de modo que decidi falar com eles para me desvincular, mas mo negaram, além de que me ameaçaram com medidas judiciais", recorda.
O curso que promete ganhar dinheiro em 7 dias
Valentina ignorou as ameaças e deixou de pagar mudando o cartão. Um ano depois recebeu um email da Retsinnal Group, a empresa com sede em Andorra que gere o curso, notificando-a que tinha sido incluída no ficheiro ASNEF por incumprimento das obrigações financeiras. "Dizem-me que, se não pagasse, as prestações continuariam a aumentar devido aos juros", acrescenta com preocupação.
Basta um passeio pelas redes sociais e fóruns como o Rankia e o Reviforex para constatar a insatisfação generalizada em relação a estas formações. Um dos mais criticados é o Tradeando Day Academy, um programa que, tal como descrito no seu sítio Web, promete que os alunos ganharão dinheiro em 7 dias, mesmo que não tenham conhecimentos, dinheiro ou experiência na bolsa.
"Vídeos de baixa qualidade" e ameaças jurídicas
Nada mais longe da realidade. Muitos utilizadores denunciam que o curso deixa muito a desejar porque as classes não são mais que vídeos gravados nos quais não se pode interagir com os professores. "Não existe nenhuma equipa profissional que te acompanhe, simplesmente dá-te a opção de criar tickets através da plataforma para escrever dúvidas concretas sobre algo e onde alguém anónimo responderá nalgum momento", denuncia C.P., um aluno do curso.
O descontentamento é grande entre muitos estudantes que denunciam a qualidade dos conteúdos. "Só há vídeos mal gravados", diz Sebas S. no fórum Rankia. Mas se os estudantes quiserem cancelar o serviço porque estão insatisfeitos e não estão convencidos com a formação, não conseguem encontrar uma forma de cancelar o pagamento. "Pedi um reembolso e eles ameaçaram-me, recusando-se a atender o meu advogado", acrescenta o estudante.
Cláusulas abusivas
Nos termos e condições do curso está especificado que "o utilizador não terá qualquer direito de rescisão" devido às características do produto. Este ponto pode ser considerado abusivo, segundo a advogada Rocío Colás, da UB Consultores e tendo em conta os artigos 68 e 69 da Lei Geral para a Defesa dos Consumidores e Utilizadores.
"O consumidor tem o direito de rescindir um contrato (incluindo a contratação de um curso) no prazo de 14 dias de calendário a contar da sua assinatura, o que tornaria o contrato nulo, bastando para isso notificar o empresário dentro do prazo indicado. E isso, sem a necessidade de justificar sua decisão, nem qualquer tipo de penalidade", justifica o jurista.
Reclamar por incumprimento de contrato
Ademais, Colás acrescenta
que se nada tiver sido estabelecido em relação à retratação, ou seja, se o comerciante não informar o consumidor, por qualquer meio escrito, desta possibilidade, de forma clara, compreensível e precisa, incluindo informações sobre os requisitos e as consequências do seu exercício, nomeadamente as modalidades de restituição do bem ou do serviço recebido, a possibilidade de exercer o direito de retratação é prorrogada por um período de um ano, a contar da data da contratação do serviço.
Em qualquer caso, e independentemente do anterior, a jurista lembra que também existe o direito a reclamar por incumprimento do contrato se se demonstra que existiu publicidade enganosa. "Pode-se reclamar uma indemnização ou devolução do todo ou parte do pagamento se se demonstra que a prestação do serviço se realizou de forma deficiente porquanto não se cumpriram as premisas contratadas", enfatiza Colás.
A postura da Tradeando
A Consumidor Global contactou com o Retsinnal Group e a Tradeando para refletir a sua versão face às reclamações que têm partilhado vários alunos. Enrique Moris, fundador da plataforma, explica que sim que se realizam classes ao vivo. "No Tradeando realizamos cinco classes ao vivo por semana, de segunda-feira a sexta-feira, e ficam gravadas durante 48 horas para serem visualizadas".
Uma das críticas mais repetidas é que não existe forma de interagir com os professores durante as palestras. "É incorreto, os alunos dispõem de três vias de comunicação com os tutores: via WhatsApp (cada aluno tem um tutor alocado que lhe dá uma mão no qual precise em horário útil); via ticket (cada aluno dispõe de uma ferramenta para enviar tickets com dúvidas/consultas que são respondidas sempre no mesmo dia); via tutoría (nelas os alunos dispõem de um form do Google onde podem formular perguntas e respondem-as ao vivo)", defende Moris.
É legal limitar o direito de retratação?
Esta redação teve acesso a uma classe ao vivo do Tradeando, mas sem possibilidade de aceder ao suposto chat de perguntas ao vivo. Sobre a negativa de Tradeando ao direito de desistência, Enrique Moris defende que ao se tratar de conteúdo digital não pode se aplicar. "No artigo 103 da lei 3/2014 do 27 de março, especificamente na última secção, especifica-se que, nas formações digitais, há uma isenção do direito à desistência", explica.
"Isto é óbvio se compreendermos a natureza da nossa atividade. Ou seja: qualquer aluno mal-intencionado poderia inscrever-se numa das nossas formações (ou em qualquer outra), consumir/gravar/baixar a formação, descartá-la e pedir o cancelamento dentro do prazo, o que deixaria empresas como a nossa totalmente desprotegidas", acrescenta o fundador da Tradeando, que garante que os clientes são informados antes da inscrição da limitação deste direito.
Incluir a alunos no ficheiro ASNEF
Consultada por este regulamento, a advogada Rocío Colás, explica a esta redacção que teria que rever o contrato ou documentação que se entregou aos utilizadores no momento de contratar o curso para verificar se se informou correctamente desta excepção. "Caso contrário, seria possível desistir do curso. Da mesma forma, é sempre possível enveredar pelo caminho do incumprimento se os serviços não tiverem sido prestados corretamente de acordo com o que foi publicitado", explica o advogado da UB Consultores.
Finalmente, sobre a inclusão de alunos no ficheiro ASNEF por incumprimentos de pagamento, como é o caso de Brenda Valentina, Moris defende que utilizam o mesmo mecanismo que outras entidades. "Fazemo-lo para nos protegermos da falta de pagamento. Somos parceiros da Equifax e utilizamos este serviço de uma forma completamente legal", conclui o gestor, sublinhando que "25 000 alunos aprovam-nos como a melhor formação em comércio na Europa".