José Luis A. passa muito tempo na estrada. O seu trabalho obriga-o a fazer longas viagens e, no final de 2021, depois de a sua antiga carrinha começasse a ter "problemas graves", decidiu mudar de carro. Optou por uma carrinha eléctrica da Peugeot, uma e-Traveller por 32.900 euros. No entanto, após uns dias de condução nos quais notou "falhas de autonomia e bateria" decidiu exercer o seu direito à desistência de compra dentro do prazo estabelecido de 14 dias. Para surpresa do cliente, o concessionário recusou-o por ter ultrapassado os 1.000 quilómetros durante esses dias.
"Isto converteu-se numa autêntica odisseia, quero passar de página já", conta com preocupação este cliente à Consumidor Global. É que, o episódio que viveu este habitante de Cádis desde que comprou a carrinha em 2021 num concessionário de Málaga, foi repleto de infortúnios e mal-entendidos que o levaram mesmo a recorrer à justiça, embora gostasse de evitar ir a tribunal.
Sem opção para desistir do contrato
"Claro que ultrapassei os quilómetros. Com as minhas responsabilidades de pai tive que fazer viagens muito longas, mas nada disso estava especificado no contrato de compra", explica o cliente a este meio.
Este utilizador adquiriu o veículo em novembro de 2021 através da Spoticar, a marca de veículos de ocasião da rede de concessionários do grupo Stellantis (Peugeot, Citroën, Opel). Da venda encarregou-se o concessionário oficial da Peugeot e Stellantis em Málaga, localizado na Avenida Velázquez da cidade andaluza.
O concessionário oferece-se para lhe comprar o veículo.
Depois de sucessivas pressões através de associações de consumidores e contactos directos do seu advogado com o concessionário, "o único" que oferecem a este cliente é comprar a carrinha por 20.000 euros, como se se tratasse de mais um comprador . "É vergonhoso, outras pessoas oferecem-me até 28.000 euros, o concessionário ri-se de mim", explica a este meio.
Antonio Pastor, advogado do Círculo Legal, diz que este caso pode resultar " poderá ser "complicado" de defender e garante que, em caso de julgamento, o seu desfecho dependerá dos diferentes critérios dos juízes. É que, segundo este jurista, poder-se-ia considerar um "exercício abusivo" do direito de desistência por parte do cliente ao ter realizado 1.000 quilómetros nesse período de tempo. Ainda que, se tivesse que defender o cliente, a sua estratégia centrar-se-ia nesse direito ao qual se pode acolher o comprador no prazo de 14 dias.
Que diz a lei?
Rocío Colás, advogada da UB Consultores, lembra que, conquanto a Lei Geral para a Defesa dos Consumidores e Utentes recolhe esse direito à desistência por parte do comprador, "nos casos nos quais o objeto da compra se entregue tendo diminuído o seu valor –como é o caso de um veículo que percorreu 1.000 quilómetros--, o comprador não terá que reembolsar quantidade alguma por isso, sempre que a diminuição do valor seja consequência de um uso conforme o pactuado ou a sua natureza, ou pelo uso do serviço".
Colás acrescenta que, se o limite por quilometragem ão tiver sido acordado entre ambas as partes e o concessionário impedir o consumidor de exercer o seu direito de rescisão por esse motivo, "estaríamos, de facto, perante uma cláusula abusiva", mas, neste caso, uma cláusula abusiva por parte do vendedor, "uma vez que implicaria uma limitação dos direitos do consumidor", salienta o advogado.
A Peugeot defende-se
Do grupo Stellantis defendem os seus "compromissos" e a sua forma de operar face ao direito à desistência. "É algo que vem expressamente definido nos nossos compromissos, segundo os quais o cliente poderá solicitar a devolução do custo pago pelo veículo, sempre que não tivessem decorrido nem 14 dias nem 1.000 quilómetros", apontam fontes da companhia à Consumidor Global.
Sobre o caso concreto deste utilizador, da Stellantis mostram-se firmes e claros. "Dado que o cliente solicitou a desistência a Spoticar quando o veículo já tinha realizado mais de 1.000 quilómetros desde a sua aquisição,a sua solicitação foi recusada, de conformidade com o expressamente oferecido", concluem.