Netflix começou enviando filmes por correio ordinário e Mercadona procurando ao fabricante mais barato, mas o realmente difícil não é chegar à cume, sina se manter nela, e ambas empresas têm sabido reinventarse a casa passo para seguir no mais alto.
Destes exemplos de sucesso empresarial e do comportamento do consumidor fala-nos Pablo Foncillas, docente em diferentes escolas de negócios, consultor, conferenciante e coautor, junto ao professor de IESE Business School Jorge González, do livro Mestres do jogo (Editorial Liga), onde ambos expõem as 18 regras para ganhar a partida dos negócios.
--No capítulo 11, Preços e captura de valor, fala sobre como as empresas geram valor económico quando o preço que pedem é superior a seu custo variável… Que companhias têm mais margem ou geram um maior valor económico por venda?
--As que são capazes de gerar diferença. Na diferença está a capacidade de poder pedir mais dinheiro. Se tu compras Coca-Bicha em vez de Carrefour Bicha, me explica por que pagas um 20, um 50 ou um mais 100% por uma bebida que tem uns componentes determinados? E o mesmo sucede com uma bolsa Gucci ou Louis Vuitton. Um quilo de frango vale 4 euros e uma bolsa de luxo pode partir de 4.000. O frango precisamo-lo para viver e a bolsa de Prada não. Temos criado uma diferença, e a partir de aqui podes construir uma proposta que dá mais valor. Verdade que não pagarias o mesmo por uma bolsa de Prada que por um de Mercadona?
--Dizem que produzir um perfume, o conteúdo de um frasco de perfume, custa ao redor de 2 euros, e o preço dos de marca não baixa dos 50 euros…
--No sector da perfumaria deves ter em conta todo o que custa empurrar o produto ao mercado, que supõe um custo bestial de publicidade. Em termos de custo, ao das esencias e o packaging há que acrescentar a publicidade das Kardashian ou a de Marc Márquez. Muitas vezes, há uma rentabilidade inversamente proporcional entre o glamour que existe numa indústria e o rendimento de um produto mais especificamente.
--Às vezes temos visto produtos alimentares básicos, como salgues ou açúcares, que dizem ser premium e custam mais cinco vezes, mas são praticamente o mesmo…
--As marcas não te obrigam a que as compres. Há fleur de sel da Camargue, escamas de Ibiza e um longo etcétera. Brigam por ter diferença. Às vezes, os consumidores não somos capazes do pôr em valor, mas para os que sim sabem pode ser maravilhoso. Às vezes é difícil que sejam muito diferentes quanto à função, mas a diferenciação está relacionada com elementos que não são funcionais, sina emocionais, expressivos… O carro A te leva igual que o B, mas o B diz uma coisas de ti mesmo que o A não diz. Isso é o capitalismo. Permite-te escolher entre diferentes opções. Dizer que o marketing engana é um tópico e não acho que seja acertado. Se mentes de forma permanente a teus clientes, te pillarán.
--Há clientes aos que gostam de pagar mais achando que compram um produto melhor?
–Sem dúvida! O preço posiciona. É o resumo executivo de uma companhia. Sobre o preço tem que resistir a proposta. Se vendes sal marinho normal, tens diferentes preços e resistirás porque és melhor que os demais. Se não o és, os clientes abandonar-te-ão. Se tens um packaging melhor, mais cómodo, talvez o preço está no formato, e é isso o que contribui um valor. Não tudo tanto faz.
--Que maneiras há de competir no mercado?
--Há três. A primeira está relacionada com a eficiência. A segunda foca-se em conhecer muito bem ao cliente e se adaptar a ele. E depois há uma terceira maneira que está focada na inovação, em ser pioneiro. Há que saber como competes no mercado, porque muito poucas empresas podem competir em duas destas. Tens que escolher em que és bom e te focar em isso.
--O preço marca a diferença?
--O preço tem um mercado. Em Espanha, a marca de distribuição não para de crescer, ao igual que no resto de Europa. Se centramos-nos no sector grande consumo, os produtos são a cada vez melhores. Não nos preocupam em determinadas categorias de outras marcas. As marcas de consumo, as de fabricante, vão sofrendo, especialmente em tempos inflacionistas. É uma tendência que se aprecia no sector grande consumo e se translada inclusive ao campo farmacêutico. O consumidor não quer uma marca famosa, sina uma molécula, um conteúdo. E, ao mesmo tempo, o mundo do luxo não para de crescer e segue se desenvolvendo. Vemos-nos influídos pelas marcas. Dizem coisas de nós e isso gostamos.
--Como vê as marcas brancas em 2030?
--Ainda mais acima, quase seguro. Pode ser o fim das marcas? Eu opino que não. Há categorias e produtos, inclusive o água, que seguem sabendo criar diferença. Não podes distinguir entre duas águas, nem entre uma Evian de 2 euros e uma de marca branca de 50 céntimos, mas a gente compra as duas. Sempre há uma oportunidade para as marcas.
--Que precisa o cliente para comprar?
--Terá um desenvolvimento selvagem baseado na sustentabilidade. Fixa-te em Zara , por exemplo, que aposta de maneira extraordinária nessa direcção. Tarde ou cedo, todos vão ter que cumprir com uns regulares, mas se adiantar a eles será uma diferenciação. A sustentabilidade como proposta ganhará muito protagonismo no futuro.
--O greenwashing também tem muito peso, pelo jeito…
–Se mentes, caçar-te-ão. Vivemos na época da transparência.
--Diga-me uma empresa líder no terreno das 'commodities' (produtos básicos)…
--Telefónica ou Repsol têm criado grandes marcas. Quando tens que decantarte por uma tarifa ou pôr gasolina, muitos te oferecem o mesmo, mas eles se esfuerzan por inovar e são empresas capazes de oferecer algo diferente ao mercado. Hacendado é o exemplo por antonomasia.
--Hacendado?
--É uma marca criada por uma empresa para competir em farinha, água e outros produtos básicos, e tem acabado criando uma marca de revendedor que compete com as de fabricante. Têm sabido fazê-lo muito bem.
--Compete e vontade por sua eficiência?
--Começaram centrados na eficiência de custos procurando ao fabricante mais barato, mas têm evoluído até criar um produto realmente eficiente e útil para o consumidor. Têm sabido estar cerca do cliente e dar-lhe o que gosta. Mercadona é tão potente que tem fabricantes de lacticínios na cada zona da península. É um exemplo maravilhoso. Estão bem perto do cliente. Hacendado tem feito uma viagem bestial.
--E no terreno premium?
--Quanto pagas por um café num polígono? E num Starbucks? Poderíamos discutir qual é mais bom, mas enquanto um custa 1,20, o outro te sai por 3-4 euros, e se deve a um montão de factores, como oferecer um serviço ou criar uma experiência. E não têm que ver com o luxo. Creias diferença. Eu, quando entro numa corrente americana, não vejo café, não vejo magdalenas, não vejo chá, não vejo pasteles… Sabes o que vejo? Margem por todos lados… Quando entro numa loja Burberry, não vejo roupa, vejo margem por todos lados...
--Diga-me uma empresa espanhola premium que seja um exemplo a seguir…
--Puig é líder mundial com um sucesso empresarial indiscutible. De uma companhia familiar pequena, desenvolveu-se a nível internacional até criar um coloso no sector. É um campeão nacional. Outro caso similar poderia ser Tous, que tem criado uma marca e tem sido capaz de franquiciarse.
--Muitos leitores não saberão que Netflix começou alugando DVD por correio…
--É um caso bastante interessante porque tem sabido reescribir seu guião várias vezes. Ao princípio inovaram com uma ideia de negócio: receber filmes por correio em lugar de ir ao videoclub. Isso rompeu uma maneira de relacionar com o aluguer, mas tiveram que o matar eles mesmos para converter num negócio de streaming . E para isso faz falta arrojo, coragem, ter o valor de tomar decisões difíceis. Eles o tiveram claro: tomaram decisões estratégicas. Após fazer esse audaz movimento, nos últimos anos têm sabido adaptar-se e diversificar-se. Qualquer outro, na situação de Netflix, tivesse morrido, mas eles têm sabido reinventarse à cada passo.
--Como o fez?
--Netflix tem investido ao besta em conteúdo internacional. Têm muitos centros de produção, que não dependem de Hollywood, em Europa, em Índia, etcétera. Muitos outros não o fizeram. Disney e HBO Max não se diversificaram como Netflix. Serviu-lhes para salvar da greve colosal de Hollywood, por exemplo, porque tinham centros de produção no resto do mundo. Estão em adaptação permanente. Têm montado um sistema que não digo que seja perfeito, mas tentam que todo seu conteúdo seja fechado, próprio. Ao final, acabaremos em dois ou três plataformas de carácter mundial.
--Foi pioneira com os serviços de streaming, mas como se manteve no mais alto com o aparecimento de tanta concorrência e subindo suas tarifas a cada ano?
--Têm um tipo de produto que à gente gosta. Quando enviavam os filmes, já recopilavam dados e te iam propondo filmes em função de tuas gustos. Já então começavam a entender como funcionava isto. Ademais, têm um produto que resiste muito bem as subidas de preço. Têm entendido que Netflix é um produto quase imprescindível para viver, e a publicidade é o imposto que pagamos os pobres.