O dinheiro é a principal preocupação dos espanhóis, segundo o CIS. Em tempos de incerteza, inflação disparada e crise económica -- 48% dos inquiridos qualificam a situação económica espanhola como má--, é uma inquietude lógica. Mas ter medo e jogar a culpa no outro não reverterá a situação. Como o fazer? É possível? Quais são os passos a seguir para que a economia doméstica melhore?
Entrevistamos Nacho Mühlenberg, jornalista, coach financeiro e autor do livro Dinerograma. O eneagrama do dinheiro: Nove passos para a verdadeira riqueza (editorial Liga), para ver se pode oferecer-nos algumas dicas e reflexões que ajudem os espanhóis no caminho para a conquista da prosperidade.
--Quais são os 9 passos para a verdadeira riqueza que expõe no seu livro Dinerograma?
--São os passos que eu mesmo dei para passar de ser um ignorante financeiro, de viver na escassez, de não poder pagar nem um aluguer de 150 euros por um quarto, a desfrutar da tranquilidade económica. Esses 9 passos são minha experiência escrita de uma maneira muito singela para que qualquer pessoa possa começar aos aplicar.
--Cada vez há mais gurús do dinheiro fácil, e não digo isto por sua causa, e mais pobres em Espanha… Como se explica?
--Está cheio de vendedores que se aproveitam da ignorância financeira das pessoas. Eu caí nisso e perdi dezenas de milhares de euros por procurar atalhos. Não há varinhas mágicas. Não é acender um interruptor. É um processo que leva anos. Foge de quem te promete dinheiro rápido e sem risco. Sal correndo daí. É mentira. É um processo a longo prazo e muitas vezes não chegas a ver os resultados esperados. Há que traçar um plano, tomar decisões inteligentes que te aproximem de como queres viver, e inclusive assim não há garantias de que o consigas. Esta é a crua realidade. Se uma pessoa vende-te outra coisa, será fumo.
--"É um guia fantástico para viver uma vida de verdadeira abundância", diz Verónica Blume sobre o Dinerograma. É um livro para que os ricos aprendam a pré-guardar e investir?
--Não. Não está escrito para ricos. Está escrito para pessoas normais que querem viver melhor e ter um plano financeiro. Não acho que vamos raspar nada da reforma e precisamos fazer os nossos trabalhos de casa para poder viver uma vida digna. O dinheiro tem sido a minha maior fonte de stress, preocupação e ansiedade durante muitos anos, e, desde que comecei a formar-me e a aplicar o que conta o livro, deixou do ser.
--O dinheiro é a principal preocupação dos espanhóis, segundo o CIS, porque muitas pessoas não sabem gerí-lo de forma saudável, diz no seu livro…
--Deve-se à ignorância, à falta de cultura financeira. Ninguém nos ensina como gerir bem o nosso dinheiro: conceitos básicos de finanças pessoais. Ações tão simples como gerir bem o teu património, saber poupar, saber viver conforme as tuas possibilidades, saber gerar mais dinheiro, ter uma boa educação fiscal… Somos ignorantes e isso faz com que tomemos más decisões.
--Por que algumas pessoas poupam cada céntimo e outras desperdiçam sem restrições?
--Porque temos diferentes tipos de personalidade. O que funciona para algumas pessoas, não funciona para outras. Somos, sentimos, pensamos e atuamos de forma diferente todos os tipos de pessoas que estão no eneagrama, que é a ferramenta de autoconhecimento que eu proponho no livro, e descreve facilmente 9 tipologias de personalidades.
--É um livro de autoajuda para as pessoas que têm conflitos económicos?
--Também é um livro de autoconhecimento porque vais descobrir quais são os teus padrões financeiros; porque tomadas certas decisões; porque há pessoas que desperdiçam mais dinheiro e pessoas que poupam cada cêntimo; porque há pessoas que não podem faturar mais e outros que atacam oportunidades; porque há pessoas que têm um perfil de risco mais elevado, do que os gostam do jogo, e outras com um perfil mais conservador.
--Que mostra o eneagrama?
--A partir daí é muito fácil identificar o que funciona para ti e o que não funciona. Muitos livros de finanças pessoais não funcionam porque o que propõem é um método rígido com a mesma estrutura para todos. Isso jamais vai funcionar: somos diferentes. É um muito bom começo o descobrir quem sou, como sinto, como me relaciono com o dinheiro, e, a partir daí, com uns conceitos básicos de educação financeira, os adaptar à tua personalidade e poder chegar a ter tranquilidade económica.
--Que têm em comum as pessoas com uma boa economia?
--Pensam a longo prazo. Focam-se, muitas vezes, não tanto na poupança, mas sim em gerar mais rendimentos, porque depender de uma única folha de rendimentos é muito perigoso. A contenção da despesa tem um limite, a expansão dos rendimentos não tem teto. Quando fazes esta mudança de mindset, começas a sanear mais porque tens liquidez. Não se vive em dívida, sabe-se de onde entra o dinheiro e para onde vai. E, sobretudo, investem-o, de forma diversificada, para que não perca valor com a inflação. Não têm medo de falar disso abertamente porque têm uma relação saudável com ele.
--Qual é o primeiro passo para que os avarentos melhorem a sua relação com o dinheiro?
--Ter um controle de despesas. Contar-te a verdade. Uma coisa é pensar que se sabe por onde se vai, e outra muito diferente é sabê-lo com exactidão. Muitas pessoas, por essa miopia, atiram o cartão, e isto é um erro que vai corroer o seu eu futuro. Tudo começa por não ter um roteiro: há que ter um plano financeiro. O que proponho no livro é saber onde estás e traçar um plano para atingir a tranquilidade económica. Quando sabes para onde vais, podes tomar decisões inteligentes.
--Que se precisa para ganhar mais?
--Podes gerar muito dinheiro sem ter nem ideia de finanças ou economia. Simplesmente, aumentando o teu valor pessoal, as tuas habilidades. Aconteceu-me a mim. Eu não tinha nem ideia, mas fiz muita formação. Quanto mais valor eu trago, mais problemas soluciono, mais pessoas impacto e mais dinheiro entra. Vais viver dos investimentos quando tenhas muito capital, mas, para gerar esse capital, tudo tem que sair da cabeça, das tuas ideias, das tuas acções, das tuas capacidades…
--Temos o salário que merecemos?
--Acho muito engraçado quando as pessoas dizem "mereço ser mais bem pago"…'. Tem a certeza? Temos o salário que merecemos. É assim tão difícil, mas é a verdade. Se queremos mais dinheiro, temos que ser melhores profissionais, aumentar as nossas capacidades, dar mais valor a mais pessoas.
--Mais de meio milhão de pessoas em Espanha cobram 13.970 euros anuais, um valor próximo ao salário mínimo. Aceitar um casal que ganhe o salário mínimo - 2.200 euros entre eles - com dois filhos com menos de 10 anos e pagando 900 euros de renda em Madrid ou Barcelona, que 3 gorjetas irão melhorar imediatamente a sua qualidade de vida?
--O primeiro e mais urgente, ter um controle de despesas para contar-se verdade e saber como fazer o seu dinheiro funcionar melhor. Em segundo lugar, focar-me-ia o quanto antes em tratar de aumentar os rendimentos. Se estás a cobrar o salário mínimo, seguramente estás a dar o mínimo num trabalho que te valoriza apenas o suficiente. Pensa a longo prazo e em como queres viver. A vida que tens agora, se não fazes nada, será igual em 10-15-20 anos. Que vida quero dar aos meus filhos? A partir de aqui, há que fazer uma engenharia inversa: tomar decisões e aumentar as tuas capacidades profissionais para que te valorizem mais e não te dêem o salário mínimo. Eu hoje aceitaria um salário mínimo? Não, porque sou capaz de gerar mais dinheiro, em menos tempo, contribuindo certos valores e aplicando um conhecimento. Mas o Nacho de antes cobrava o salário mínimo. Até que me cansei, tracei um plano, acordei durante um tempo às cinco da manhã, fui viver para um país que não gostava para ganhar mais dinheiro… É preciso estar disposto a sacrificar certas coisas.. Há uma frase que me encanta que é: 'Decisões fáceis, vida difícil. Decisões difíceis, vida fácil'.
--Mas os 9 passos que detalha no livro são para empreendedores ou assalariados… Os quase 3 milhões de desempregados não podem aplicá-las?
--Sim, é claro. Teria que ter incluído no livro as pessoas que estão no desemprego. Todos podem aprender. É para todos. Para qualquer pessoa que não saiba gerir os seus bens e queira aprender como se faz para levar o seu dia-a-dia económico. E se estás numa situação de precariedade económica, como tantos milhões de espanhóis,é claro que é para si porque está numa situação frágil e tem de sair dela o mais depressa possível. Está escrito para Nacho, que também esteve nessa fragilidade, para que tenham um roteiro e saibam para onde vão e daí os passos que têm que fazer. Não é fácil, não é simples, não há varinhas mágicas, não te vais tornar rico da noite para o dia porque isso é uma falácia. Simplesmente, ter um plano e trabalhar nele.
--Os objectivos que estabeleceu no seu livro não devem estar a um mês da falência, controlar as suas despesas, sair da dívida ou encontrar novas fontes de rendimento, será o senso comum o menos comum dos sentidos?
--Sobretudo, porque somos escravos do dinheiro. Não o controlamos. Somos escravos da pressão social. Como o meu amigo se vai a Bali de férias e vai jantar todas a noites, de repente conformam-se com o seu círculo. Quando, na verdade, a sua economia talvez não lhe permita fazer isso. Somos escravos da aparência, do competir, e voltamos a ser fantoches do dinheiro: estamos à sua mercê. Esquecemos-nos do bom-senso, que não abunda, porque não temos conceitos claros. Quem sou? Aonde vou? Basta de jogar um jogo de status! Melhora a tua vida, não o teu status. Muitas pessoas focam-se em melhorar de portas para fora, e tudo parece maravilhoso, e depois há uma fragilidade financeira enorme. Tomamos decisões que minam a nossa liberdade, o nosso tempo, a nossa qualidade de vida e inclusive a nossa saúde.
--Qual é o principal travão para começar a ganhar mais?
--A comodidade. É um tema de mentalidade. Não se trata de falar, trata-se de fazer coisas, de ir procurar oportunidades, de te formares. E não o fazemos. Como sociedade, cada vez estamos mais adormecidos e anestesiados. A comodidade, com a inflação, leva-nos para abaixo… Dizemos que ganhar 3.000 euros por mês é riqueza, quando o que estamos a fazer é normalizar a pobreza. Normalizamos a mediocridade e estamos a descer devido a uma falta de ambição. Somos muito imaturos, pouco responsáveis e jogamos a culpa no Governo, na sociedade e ao que seja. Esperamos que nos dêem e não somos proactivos.
--O dinheiro dá felicidade?
--Se és pai e não podes pagar a renda nem dar de comer ao teu filho, o dinheiro dar-me-á felicidade porque poderei ter um teto e comprar comida. Nessa situação, sim. Uma vez que tens as tuas necessidades básicas cobertas, o dinheiro não dá felicidade. Quando te sentes útil e a tua vida está encaminhada, pode dar felicidade. Está claro que não resolve todos os problemas, resolve os problemas económicos da vida, mas do que sim estou seguro é de que a falta de dinheiro também não dá felicidade.