Quando Percentil começou a vender roupa de segunda mão para crianças, a Vinted ainda não existia em Espanha. Corria no ano 2012 e a venda de roupa usada era algo residual. Agora, após dar uma segunda vida a mais de dez milhões de peças e com uma facturação de mais de 4 milhões de euros, a Percentil opera também em França, Alemanha e Portugal, e oferece uma montra de mais de 120.000 peças para crianças, mulheres e homens.
Por isso, Lourdes Ferrer, a sua fundadora e directora, converteu-se numa dessas empreendedoras que marcaram um antes e um depois no seu sector, e a entrevistamos para conhecer em primeira mão qual foi a evolução do mercado de roupa de segunda mão e como lhes afectou o aparecimento de marcas como a Shein.
-Na Vinted, por exemplo, a maioria de peças são de moda feminina… Na Percentil sucede o mesmo?
-Eu sempre digo que nós mulheres mudamos de roupa por tendência ou por aborrecimento mais que as crianças pelo rápido que crescem. Agora mesmo, a roupa de mulher representa 70% do nosso stock, a roupa de criança 20%, e a de homem 10%. O 95% dos nossas clientes são mulheres. Ainda assim, eles têm um nível de fidelidade que está acima da média do das mulheres. Ao serem poucos, encontram grandes oportunidades.
-Qual é a categoria mais vendida?
-A peça que mais se vende são os vestidos. É algo generalizado no mundo da moda porque é a peça mais versátil.
-Que tipo de vestidos triunfam?
-Na Percentil temos vestidos que se venderam a 100 euros e agora os podes comprar, praticamente novos, por 8 euros.
-Agora mesmo, em que vestido estava a pensar?
-Estava a pensar nalgum vestido da Massimo Dutti, que se vendem muito bem, ou de marcas caras como Desigual, Bimba e Lola, Carolina Herrera ou Adolfo Domínguez, que também saem muito.
-Estamos em plena temporada de casamentos…
-Em temporada de casamentos os vestidos de festa e os sapatos vendem-se muitíssimo. E depois também temos vestidos de noiva, que custa um pouco mais a vender porque as pessoas não costumam comprar um vestido de noiva de segunda mão on-line, mas começam a sair. Estão em torno dos 50 ou 60 euros.
-Qual é o preço médio das peças?
-7,5 euros é o preço médio anual. No inverno, com os casacos, é um pouco mais elevado. No verão baixa. Em época de saldos, chegamos a vender a um preço médio de 5,5 euros. Cerca de 30% das peças estão por debaixo dos 5 euros.
-Quando são os saldos da Percentil?
-Nós fazemo-los em janeiro e fevereiro, e em julho e agosto. Mas, na verdade, estamos sempre em promoção. As peças, quando estão 11 dias na loja, começam a baixar de preço.
-Conte-me algum truque para encontrar as melhores pechinchas…
-Há vários truques. O cliente pode subscrever o programa Percentil lover, que custa 5 euros ao mês e permite ver as novidades 24 horas antes que o resto das pessoas. E se fazes um pedido por mês, esses 5 euros são descontados no pedido. Outro truque consiste em guardar as pesquisas, com os seus filtros, e seleccionar que te envie um e-mail quando se publiquem novidades com essas características. Toda a roupa a publicamos pelas manhãs, entre as oito e as dez, e o comprador habitual sabe e aproveita. Também mandamos uma newsletter com novidades e promoções (modo cupão) todos os dias.
-Os vendedores também podem levar as suas peças à Springfield e beneficiar de descontos na loja...
-Temos contentores para depositar a roupa em 68 lojas Springfield. Os clientes deixam a sua roupa de segunda mão e a Springfield dá-lhes um desconto para gastar na loja. Nós fazemos a logística e a reutilização ou reciclagem de toda a roupa.
-As ofertas não se acabam nunca…
-Agora há um boom de promoções e preços baixos também na roupa de primeira mão, e isso complica a transição do consumidor para a moda de segunda mão e para colecções slow fashion, que são mais sustentáveis. Na Geração Z, por exemplo, vemos uma consciência ambiental, mas o baixo nível de poder de compra faz co que voltemos ao mesmo. O consumidor, e o mais jovem especialmente, guia-se muito por um único item: o preço.
-A compra de roupa de segunda mão e a sustentabilidade são uma necessidade para o planeta, mas a "moda rápida e poluente" da Shein entrou em cena mais forte do que nunca....
-Prevê-se que o mercado mundial de roupa de segunda mão atinja os 350.000 milhões de dólares em 2027, quase o dobro de seu tamanho atual, mas eu tenho duas filhas adolescentes que, apesar do que lhes conto como funciona a Shein, lhes encanta. Tanto elas como outros jovens entre 15 e 25 anos ainda têm o preço como principal impulso de compra, e na Shein confluem duas coisas: uma estratégia de venda que combina as técnicas mais eficazes do comércio electrónico, e o mais adictivo das redes sociais e a gamificação. Têm jogos onde ganhas pontos por jogar, fazer pequenas coisas… No fim de contas, eles prendem os jovens que têm tempo e não têm dinheiro, e isso funciona para eles.
-A Shein é para pessoas que têm tempo, mas não dinheiro?
-Sim, penso que é esse o objetivo. Embora com a moda rápida também tenha acontecido que as pessoas que têm dinheiro também querem comprar muito barato. Criou-se uma espécie de jogo coletivo em que o mais inteligente é aquele que compra mais barato.
-Mas os ambientalistas têm denunciado que s Shein utiliza substâncias químicas perigosas e ilegais n os seus produtos…
-A Shein é um jogador que entrou no mercado mundial com muita força nos últimos dois anos, e há tanta incerteza em torno da informação que algumas pessoas não acreditam em nada. Dizem: "isto está barato, vou comprar". O que eu vejo é que os nossos clientes mais fiéis são mulheres entre os 35 e os 55 anos. Com um nível de maturidade mais elevado, o mundo que deixamos aos nossos filhos ganha mais peso.
-Que podem encontrar os consumidores na Percentil que não haja na Vinted?
-É muito claro. Na Percentil, cada peça que se publica passa por seis pessoas diferentes dentro do processo. Uma delas está especializada em assegurar que essa peça não seja falsa. Também se comprova se está em melhor ou pior estado, coisa que na Vinted não ocorre. Nós temos a roupa em stock, pelo que se compras algo, o recebes em 24-48 horas, coisa que também não ocorre na Vinted. Não tens que falar com ninguém nem negociar preços. O preço é o que é, e é baixo. Ademais, podes meter na cesta de compras tantos produtos quantos queiras.
-Em 2012, quando nasceram, a Vinted não existia em Espanha. Como competir com um gigante como este?
-É mais ajuda do que concorrência. A falta de conhecimento das pessoas sobre o vestuário em segunda mão foi o que tornou o caminho difícil. Com a Vinted, as pessoas têm a possibilidade de comparar. As pessoas começaram a vender por conta própria e depois aperceberam-se da quantidade de trabalho que era necessário. Se não querem ter esse trabalho, aqui estamos nós. A Vinted ajudou-nos a posicionarmo-nos.
-Na Consumidor Global temos denunciado as fraudes que têm sofrido tanto vendedores como compradores na Vinted. Quais são os riscos de comprar na Percentil?
-Na Percentil não há nenhum risco. Sempre que há um problema, se cometemos um erro, respondemos por ele e se devolve o dinheiro. No que se refere às falsificações, não publicamos roupa se não estamos seguros de que é autêntica. Se não identificamos que é verdadeiro, não a pomos à venda.