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J. Llorca, experiente em retail: "Há quem não pode viver sem ir a Ikea, faz parte de sua identidade"

O especialista em marketing, que apresenta seu novo livro 'Amar a loja', reflexiona sobre o mundo das vendas e a necessidade de pensar as lojas desde o coração

Juan Manuel Del Olmo

Jacinto Llorca 05S

Seu pai era gerente em Carrestock, e conheceu a sua mãe numa sucursal dessa mesma corrente. Ainda que não viu a seu pai se desempenhar in situ como gerente, Jacinto Llorca acha que, de algum modo, absorveu a cultura do retail e do comércio como parte da dinâmica familiar. Agora vive em Latinoamérica , é conselheiro de negócio, conferenciante e experiente em márketing. Mas dantes disso, trabalhou em lojas e no sector imobiliário em Benidorm, numa época prévia a 2008 na que, escreve, as moradias "não se vendiam, se despachaban".

Assim o conta em seu novo livro, Amar a loja, que é uma declaração de intenções e está editado com Amazon. Uma circunstância, a de publicar um livro sobre comércio físico da mão do gigante do comércio electrónico, que alguns poderiam qualificar de irónica. Em qualquer caso, não é uma novela romântica nem confesional, sina uma colecção de histórias, algumas vividas em primeira pessoa e outras vistas ou conhecidas; que pretendem servir de guia e contribuir chaves sobre vendas e liderança.

–Você fala de "liderar desde o coração". Falta coração no retail?

–Sim, falta coração, entendendo-o como ser capazes de apaixonar às equipas de trabalho, às pessoas que trabalham nas lojas e nas companhias. Essa é a única forma de conseguir que estes, a sua vez, cheguem ao coração dos clientes e os consumidores. Em minha época universitária fui uma vez a uma exposição de arte , que tinha um título que me impactou e se veio comigo toda minha vida: toca-me o que queiras menos o coração. Quando chegas ao coração das pessoas, chegas a onde realmente ocorrem as coisas, neste caso as vendas ou o márketing.

–Em seu livro utiliza uma cita de Marta Ortega, que disse o seguinte: "Na primeira semana pensei que não sobreviveria, mas depois creias uma espécie de vício com a loja. Algumas pessoas nunca querem as deixar. É o coração da companhia". Como acha que está a liderar Inditex?

--Vejo-o realmente bem. Tenho que confessar que, ainda que não estava exactamente dentro dos cépticos, sim me surpreendeu muito a saída de Pablo Ilha, que foi eleito por Harvard melhor conselheiro delegado do mundo. Esta transição tem estado muito medida, e há que recordar que ela tem tido os dois melhores maestros possíveis. Com essa preparação e essa visão (conheceu a loja desde a base), não me surpreende que os resultados de Inditex sejam tão positivos como estamos a ver. Acho que saiu-lhes inclusive melhor do que eles esperavam.

A presidenta de Inditex (proprietário de Zara), Marta Ortega, na Junta Geral de Accionistas da companhia / INDITEX

–Pode-se amar a loja em tempos de Amazon , quando pedes um pacote desde o sofá e chega em muito pouco tempo?

--Sim, acho que ainda é possível, acho que ao consumidor gosta de ir à loja física. Sim é verdadeiro que se tua experiência na loja física é má, não voltarás e procurarás outras opções. Faz muitos anos, um publicista, Kevin Roberts, acuñó o termo lovemarks. Fazia referência a como muitas pessoas têm verdadeira paixão por algumas marcas. Os exemplos clássicos são Apple ou Nike, marcas que conseguem inclusive que a gente faça bicha para comprar o último modelo. Acho que isso no mundo das lojas também é possível. Eu conheço muitas pessoas que não poderiam viver sem ir a Ikea, ou sem ir ao Corte Inglês, porque faz parte de sua identidade como pessoas. Isso põe às marcas no compromisso de não defraudar aos clientes, e que os próprios empregados consigam transladar o enamoramiento.

–Ainda assim, não acha que é difícil associar loja e enamoramiento nos tempos do comércio electrónico? Ou não é uma ameaça tão grande?

--Sim, é uma ameaça, mas foi-o desde o primeiro momento. Há pessoas que não estão apaixonadas de ninguém, ao igual que pessoas que não sentem nenhum apego especial por nenhuma loja ou nenhuma marca. Mas isso é um repto, e é uma das razões pelas que escrevi o livro. Há um conceito de Marc Augé, antropólogo francês, que fala dos não-lugares: espaços sem personalidade concreta. Tu podes entrar a um Zara de Estocolmo ou de Bogotá e não ser capaz dos diferenciar. É um desafio para o retail e passa por identificar com essa loja e esse negócio e que isso, de algum modo, faça te sentir especial. A cada vez vemos mais marcas que tematizan seu negócio em função do lugar no que estão.

A capa do novo livro de Jacinto Llorca / CEDIDA

–Faz pouco, outro gigante do comércio electrónico, Alibaba, abriu um novo marketplace: Miravia. Os produtos têm mais qualidade que os de AliExpress . Que lhe parece este movimento?

--Penso que têm os recursos necessários para poder fazer experimentos. Não tenho muito claro como lhes vai sair, o comércio electrónico é muito maduro já. Supõe começar uma marca nova. Tenho que dizer que não sou especialmente optimista sobre o que lhe pode ocorrer, conquanto é verdadeiro que, a estas marcas respaldadas por corporações tão enormes, às vezes lhes dá igual vender mais ou menos. Estão dispostas a ter resultados negativos com tal de manter a actividade.

–Diga-me dois ou três marcas que sim sejam capazes de vender desde o coração.

--Há um caso que considero muito positivo: Decathlon. Através da liderança que outorga e fomenta entre suas equipas, consegue que muitos empregados contagien esse entusiasmo ao cliente. Outra marca que tipicamente tem sabido o fazer bem seria O Corte Inglês. Dificilmente encontraremos a uma pessoa que leve muitos anos no Corte Inglês falar mau do mesmo. Ainda que com a chegada das novas gerações, não todo mundo tem compreendido bem a marca. E depois está Mercadona, que para mim é um referente. Consegue apaixonar ao cliente, que se converte num arduo defensor. E vemo-lo nas redes sociais: quando fazem uma mudança, a gente o comenta e o reivindica. Graças a suas políticas internas, acho que conseguem impactos muito bons. Agora bem, está claro que sempre há pontos de atrito e não sempre tudo tem a fluidez que um desejaria.

Uma loja / UNSPLASH

–Já que falamos de supermercados , muitos consumidores denunciam que se beneficiaram da inflação e têm aproveitado para disparar seus preços. Que opina?

--Têm um papel difícil, está claro que seus custos têm subido. Na alimentação, a luta é constante por ter a melhor cesta possível ao preço mais competitivo. Não acho que nenhum retailer queira subir seus preços no linear. E sei que este discurso pode gerar debate, porque há pessoas que pensam que os supermercados tentam aproveitar a situação, mas há que partir da base de que é um negócio que deve gerar benefícios. São mais caros? Sim. Tentam ser competitivos? Sim. O bom é que hoje em dia o consumidor tem mais ferramentas para saber onde lhe convém comprar.

–Que acha que lhe falta à cultura do consumo em Espanha?

--Acho que há que seguir fazendo questão de algumas coisas. A primeira é, directamente, a atenção ao cliente. Segue sendo muito frequente o entrar e sair de uma loja sem que ninguém te diga olá. Quiçá as gerações mais jovens prefiram-no assim, mas eu acho que é importante que a loja reivindique que tem pessoas que podem ajudar ao consumidor. Logo já o consumidor que faça o que queira. Outro aspecto a realçar seria a figura do store manager, o chefe de loja. É uma eslabão imprescindível, uma posição de comando que tem a possibilidade de aplicar as grandes ideias que têm os jefazos, e há que trabalhar muito em como estão motivados e formados.

O trabalhador de uma loja / PEXELS

–E isso como se consegue?

–Por exemplo, há um condicionante importante: como fazemos que as pessoas que trabalham em comércio possam conciliar e ter qualidade de vida. Faz pouco o prefeito de Madri dizia que lhe surpreendia que em Bilbao as lojas fechassem nos domingos. Isso é polémico, mas tem seu aquele. Acho que abrir um domingo não significa que o trabalhador tenha menos direitos, sempre que se lhe compense com vantagens. Com o passo dos anos, trabalhar em loja um sábado ou um domingo desgasta, e bons profissionais do mundo do comércio vão-se do sector.

–Um desejo para 2023 no âmbito das vendas e as marcas.

--Que tenhamos marcas mais humanas, e mais preocupadas pelas pessoas, mais sensíveis ao que ocorre no dia a dia. Marcas que não persigam chegar ao coração como estratégia comercial, sina que o façam de forma harmônica para gerar um impacto positivo.