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Franco Martino (Ferrero): "Espanha é um dos países da Europa onde menos chocolate se consome"
O diretor do grupo italiano reconhece que a empresa usa óleo de palma nos seus produtos e pergunta que farão agora as marcas que o substituíram face aos problemas de abastecimento de outro tipo de óleos
Franco Martino, diretor de relações institucionais da Ferrero Iberia, está ligado a esta casa --tão doce-- desde os anos 80, ou seja, como ele mesmo reconhece "praticamente toda a vida".
Ainda que manifeste que o contexto atual "não é um período fácil" que aumentou, de forma considerável, as despesas no âmbito familiar, insiste que, "nem de longe" a marca Ferrero quer transferir o aumento das matérias primas para os consumidores.
--Já pagamos mais pelos bombons? Ou fá-lo-emos ao longo deste ano?
--"A microeconomía depende da macroeconomía. Mas, por enquanto, nós não os ctualizámos e não fixámos nenhuma subida de preços".
--Qual é o produto do grupo que mais se consome ?
--"O Ferrero Rocher é o mais icónico por muitas razões. A nível de valor é um dos produtos que mais pesa na empresa. Mas, quanto a volumes de venda, o Kinder Bom ou a Nutella consomem-se mais de forma contínua durante o ano. Os bombons têm uma taxa de sazonalidade muito marcada. Cerca de 65% do mercado global de bombons vende-se durante a campanha de Natal".
--Como enfrenta a empresa a guerra contra o açúcar das autoridades de saúde?
--"A OMS há anos que leva a cabo uma campanha para controlar o excessivo consumo de açúcar, mas Espanha é um dos países da Europa onde menos produtos à base de chocolate se consomem. As autoridades alerta para o hiperconsumo destes produtos e do problema da obesidade infantil. No entanto, todos os estudos realizados afirmam que a obesidade é uma doença multifactorial onde a alimentação joga um papel, mas é secundária com respeito ao sedentarismo. Isto é, se tens uma atividade física diária adequada, podes permitir-te consumir certos artigos. Mas, desde há anos, estabelecemos um marketing responsável, com porções de consumo nos nossos produtos expressamente estudadas e sempre apelamos a um consumo responsável".
--Não somos os espanhóis, então, muito doces?
--"Comemos muito pouca quantidade de produtos à base de chocolate. Na verdade, se apanhas a população espanhola e todo o volume do setor chocolatero, extrai-se não mais de dois atos de consumo em media por ano. Em países como Alemanha, por exemplo, o nível de consumo médio de chocolate é cinco vezes mais que o de Espanha".
--Pode-se entender um doce ou bombón sem açúcar?
"Não. Além disso, o açúcar não é o único componente que implica calorías. E a baseie gordurosa dos doces deste tipo não é substituível. E também não é verdade que os adoçantes alternativos ao açúcar representem uma ingestão de calorías inferiores".
--Converteram alguns de seus bombons míticos em tabletes? Porquê?
--"O mercado dos tabletes de chocolates é um dos de maiores dimensões dentro do setor porque se consomem ao longo de todo o ano e têm um público mais extenso. O principal motivo para comprar bombons é dar de presente a alguém e, desta forma, conseguimos entrar num segmento do mercado maior. Estar presentes num período de tempo mais longo e com marcas icónicas como a Ferrero Rocher e Raffaello, cujo sabor é muito conhecido e apreciado pelo consumidor".
--Quanto custa obter uma inovação deste tipo?
--"Primeiro se conceptualiza, mas depois há que o fazer e o fazer bem. Ferrero quando entra para competir fá-lo através de um nível de inovação muito elevado, isto é, modificando a oferta preexistente. As tabletes que lançámos implicam um processo tecnológico que as faz diferentes de todas as que já há no mercado. Não são duras, têm um recheio muito macio e a sensação é diferente. Para chegar a este tipo de fórmula tivémos que fazer mais de 300 ensaios a nível de produto. A Ferrero dificilmente pode fazer produtos que gostem a uma minoria de pessoas, pelo que, quando apostamos, fazemo-lo de uma forma muito medida e tendo claro que terá uma boa aceitação por parte do consumidor. No caso das tabletes estivemos pelo menos 4 anos a trabalhar nisso".
--Por que não mudaram o Ferrero Rocher durante todos estes anos?
--"Quando o teu nível de criação e desenvolvimento te permite criar um produto que é, segundo os consumidores, muito superior à oferta existente e tens esta validação em vários países, os teus produtos podem acabar sendo intemporais. Os nossos produtos estão, por isso, há décadas no mercado e sempre a crescer".
--Como foram as vendas em 2021 e quais são as previsões para 2022?
--"Em 2021 crescemos em vendas e foi um ano positivo. Mais especificamente, facturámos 272 milhões, 4,5% mais que um ano antes. E para 2022 os nossos planos são de crescimento também. Entraremos em novas categorias e fortaleceremos a nossa aposta nos gelados. Neste momento já estamos a crescer e os números melhorarão porque cedo vamos adicionar outro segmento. Mas falamos de um crescimento moderado, não de dois dígitos, porque não é possível com o contexto atual. Há elementos neste momento fora de controle como o conflito bélico, assim como a subida da energia e das matérias-primas".
--Como sofreram a greve das transportadoras?
--"Por enquanto não sofremos, nem tivemos problemas de abastecimento, mas se não se soluciona no curto prazo, claramente sofrê-la-emos também. As nossas fábricas podem produzir e fazer-nos chegar o produto e enviá-lo, depois, às centrais de distribuição, mas se as transportadores estão em greve, essa parte da logística não a podemos controlar".
--E a guerra da Ucrânia?
--"Na Ucrânia temos uma delegação comercial que deixou de funcionar como resultado do conflito. TTivemos que tirar todos os nossos funcionários e suas famílias de lá e levá-los para uma zona mais segura. Tínhamos 80 trabalhadores diretos ali".
--Que importância tem o preço nas marcas da casa?
--"Em Espanha come-se um bombon de vez em quando e o consumidor não se come uma tablete, lamentavelmente para nós, todos os dias, com o qual o preço não é o fator principal que se tem em conta na hora de comprar este tipo de produtos. Onde competimos nós, se não somos líderes, somos o número dois. E não somos a marca mais barata que há no mercado".
--Como lhe afetam ao grupo as marcas brancas dos supermercados?
--"Felizmente, quando falamos de alimentação, a comparação é mais do tipo sensorial. Na nossa categoria de produtos, quando falamos da elite, poder replicar é muito, muito, complicado. As imitações estão presentes no mercado, mas não nos afeta tanto como noutros setores como o da cosmética. Porque quando levas algo à boca é tão directa a sensação que te tenta uma coisa, e outra, que a eleição se faz bem mais fácil".
--No final de 2021 tiveram que retirar um bombom por contar com ingredientes não especificados no rótulo… como lhe afectou isso à companhia?
--"Temos traçabilidade completa dos produtos para saber onde se vendem e assim os poder retirar, caso seja necessário, por completo, reembolsando totalmente os nossos clientes e aos poucos consumidores que o tinham adquirido. Não se registou neste caso nenhum tipo de problema nem foi nenhuma pessoa afectada. E, felizmente, era uma versão, a Grand Ferrero Rocher Dark, da qual tínhamos vendido realmente muito pouco".
A receita do Ferrero Rocher é 'top secret' como a de Coca-Cola?
--"Não, não é realmente assim. O segredo baseia-se em ser hiperselectivos na hora de eleger as matérias-primas. Empregamos, mais ou menos, 35% da produção mundial de avelãs. Isto dá-nos um conhecimento específico do produto. Os nossos ciclos de produção são muito particulares com uma tecnologia própria. Muitas das linhas de produção tiveram que ser inventadas para os produtos da casa".
--Há uma guerra de preços, também, nos bombons?
--"As batalhas de preços dão-se nos setores onde o valor de marca se minimiza. Há segmentos inteiros onde o valor de marca ou não existe ou não é um fator diferencial. Se uma empresa tem a capacidade de manter o valor de uma marca não vai entrar numa batalha de preços que a longo prazo possa minar a sua capacidade e no final destruir o mercado".
--E a nova competição que surgiu em cremes de cacau?
--"Não afeta pela razão de que já somos o referencial a nível mundial com a Nutella. Depois, as fórmulas novas healthy o são porque alguém as define assim, mas na verdade teria que fazer uma análise nutricional a sério para o verificar. Talvez estamos a falar de uma moda ou de posições especulativas".
--Muitos fabricantes optaram por tirar o óleo de palma dos seus doces, mas que acontece agora que que o óleo de girassol está escasso?
--"Agora, magicamente, o mundo voltou a considerar o óleo de palma. É a única planta oleica que está disponível em quantidade, tempo e qualidade para cobrir a procura. Às vezes, geram-se modas baseadas sobre o nada que afectam e muito. O óleo de palma, a nível nutricional, não é pior que nenhum outro óleo. Temos que ser responsáveis e, por isso, sempre usámos o óleo de palma porque tem uma série de benefícios para a fórmula e é a planta mais sustentável oleica do planeta. E empregamo-lo com certificações de sustentabilidade. Há outros atores, no entanto, que preferem comprar matérias-primas que não sabem de onde provêm. Nós sempre optámos pelo óleo de palma e temos sido defensores do mesmo. Os que se declaravam palm oil free agora têm um problema e terão que usar o que estiver disponível. Ainda que a alternativa real chama-se óleo de palma".
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