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Domi Vélez, o melhor panadero do mundo: "A cada vez consome-se menos pan mau, do supermercado"

Premiado por sua investigação, inovação e destreza, este sevillano explica as chaves por trás de um sector castigado pela grande indústria e como tem mudado a percepção deste alimento básico para o consumidor

Alberto Rosa

domi vélez panadero 1

Domi Vélez (Lebrija, 1977) acaba de abrir uma nova cafeteria em pleno centro de Sevilla, onde se podem adquirir seus pães e produtos de bollería. Desde 2021, este jovem é reconhecido como o melhor panadero do mundo, pertence a uma quinta geração de panaderos e conta com três estabelecimentos: dois em sua localidade natal e um na capital andaluza.

Vélez acaba de publicar seu primeiro livro, O melhor pan do mundo (Planeta Gastro 2023), no que recolhe seus conhecimentos à hora de trabalhar com elementos naturais para elaborar o pão que prepara a diário. Falamos com ele da evolução deste produto essencial, o conhecimento dos consumidores e a importância da investigação e a ciência em sua elaboração.

--Como começou seu andadura no mundo da panadería?

--Eu pertenço a uma quinta geração de panaderos por parte de meu pai. Praticamente criei-me no obrador e em 1995 comecei a familiarizar-me bem com a panadería. Foi no ano 2000 quando morreu meu pai e tive que me enfrentar e me fazer cargo do obrador. Ao princípio, não te vou enganar, foi todo muito caótico. Uma pessoa jovem que tem a seu cargo a gente mais maior e com experiência, que tem que apanhar o comando e dirigir. Ademais, meu pai faleceu justo na montagem de um novo obrador, imagina o caótico que foi. Ao final aquilo me fez aprender muito e a raiz daí comecei uma revolução na panadería de minha família. Começamos a mudá-lo tudo.

Domi Vélez em seu obrador / CEDIDA

--A que mudanças se refere?

--Por aquele então começava a ter uma concepção diferente do pão. O cliente percebia-o de forma diferente, os nutricionistas começaram a descartar o pão da dieta mediterránea e tivemos-nos que pôr as pilhas e começar com a formação. Tínhamos que mudar essa tendência e dar valor ao produto e à profissão.

--Que se pode encontrar em seu novo livro e a que público está dirigido?

--É um livro que pode ler todo mundo. Desde aquele que quer começar a fazer pan em casa, com várias receitas e tips que lhe vão ajudar a começar com algo que não é coisa fácil e também para os profissionais já assentados. Aí encontrarão muita informação, sobretudo aprofunda-se na bioquímica do produto, em processos de fermentaciones e na influência desses processos para conseguir um pão mais nutritivo e saudável. Também há uma parte histórica em colaboração com Manuel León Béjar, arqueólogo da Universidade de Cádiz e especialista em investigações sobre a reprodução do garum (molho de pescado de origem romana). Também participam outros profissionais de microbiología ou bactérias lácticas ou Andrés Garzón, experiente em fermento. O livro, desde meu ponto de vista, tem uma informação muito completa.

Fatias de pan no obrador de Domi Vélez / CEDIDA

--Já que menciona o conteúdo científico, pode resolver o mistério da massa mãe? Que é realmente?

--É verdade que muita gente não o conhece bem. Ao final fala-se muito da massa mãe, mas não se sabe realmente em que consiste. A massa mãe é o que vai ajudar a fermentar o pão pelos fermentos e pelas bactérias, que têm um importante poder fermentativo e ademais é a jóia da coroa. O que faz que nosso pan seja diferente é que há uma série de fermentos e de bactérias que lhe vão dar uma personalidade ao pão. Além de fazer fermentar, contribuem acidez e fazem o pão mais rico e saudável, mas também lhe dão carácter. Segundo o lugar onde nos encontremos, o fermento vai ser diferente e isso muda muito o produto final.

--Que considera que faz que um pan seja verdadeiramente excepcional?

--Para mim, um par perfeito é aquele com o que se elegeu o cereal adrede. Devemos conhecer bem o cereal e saber o que é mais digerible e tem umas propriedades determinadas, como uma composição de almidones beneficiosa para aqueles que têm diabetes, por exemplo. Isto é, não ter grandes bicos de insulina para evitar a maltosa. Depois, o processo de 24 horas no que as bactérias da massa mãe actuam no fermento se faz o pan infinitamente mais nutritivo, saudável e com mais sabor.

--Qual é o processo de selecção de ingredientes que utiliza para se assegurar de que seus pães sejam da mais alta qualidade?

--Eu me baseio nos estudos que temos realizado e sobretudo no cereal que conheço. É algo que tenho estudado muito com Francisco Varro, professor do Conselho Superior de Investigações Científicas (CSIC) no Instituto de Agricultura Sustentável, um dos maiores experientes em cereais do mundo. Meus clientes são de uma variedade amplísima e digamos que estamos a oferecer um prospecto. Se alguém diz que lhe senta mau um pão, lhe aconselhamos que se leve outro ou, se alguém tem que correr uma carreira, por exemplo, e quer mais açúcar natural pois lhe aconselhamos outro. A genética dos cereais e sua composição é amplísima e há que eleger o que melhor convenha ao cliente.

Domi Vélez preparando pan em seu obrador / CEDIDA

--Em 2021 recebeu o reconhecimento a Melhor Panadero do Mundo: como o leva?

--É uma responsabilidade enorme. Quando ganhamos teve uma avalanche de visibilidade e repercussão de um trabalho enorme. Vinha muita gente à panadería e tínhamos essa responsabilidade de não defraudar. Ao final sentes uma pressão que, ainda que não me importo porque sê o que estou a fazer e sei que o produto gosto e daí é o que tenho que fazer, tens de uma responsabilidade tremenda porque têm reconhecido teu trabalho, não só o meu, também o de toda minha família que tem estado trabalhando e lutando pelo produto desde faz muitíssimos anos. Resumo-to em três ideias: orgulho, responsabilidade e manter-me activo, não baixar a guarda porque é verdade que se alguém procura em Google pelo melhor panadero do mundo meu nome está aí. Em cima, agora no final de outubro vou recolher uma medalha por um novo prêmio mundial por entrar ao clube dos melhores panaderos do mundo.

--Como deve ser um bom panadero?

--Para mim, um profissional do pan tem que estar formado, que conheça todos os factores que intervêm na panificación, é algo que me parece fundamental. Evidentemente, também que tenha boa visão, como fazer o que estamos a fazer agora. Sair-me do obrador para atender uma entrevista porque se não damos a conhecer nosso produto nem ao profissional, de aqui a uns anos a panadería praticamente desapareceria. A cada vez consome-se menos pan mau. Há um resurgir da figura do panadero e dos pães saudáveis e nutritivos.

--Já que menciona a queda do consumo de pan, como sobrevive o sector ante essa situação?

--Acho que o grande problema é que durante todo este tempo se fez muito mau pan e os hábitos de consumo têm mudado. A gente vai muito rápido, vai ao supermercado e não aproveita para ir a uma panadería ou a um talho em procura de qualidade, então no supermercado se compra pan de má qualidade. Nós o que tratamos de concienciar é que há um novo conceito de panadería com a que se apoia ao panadero e a panadería de qualidade. Acho que tem baixado o consumo de pan, mas o que tem baixado é do pão mau. O artesão e de qualidade está a subir porque a gente estava a pedí-lo. O consumidor já sabe que quando vai ao supermercado e vê um pan o associa directamente a um produto mau, a cada vez há mais consciência sobre o que é o bom pan.

Pan preparado no obrador de Domi Vélez / CEDIDA

--Como se luta desde o artesanal contra a indústria?

--O primeiro, se és um bom panadero não podes te comparar em preços. Não faz sentido entrar numa guerra de preços, o que há que fazer é informar muito ao cliente, através de redes sociais ou como seja. Se eu te vendo três barras de pan a 1 euro, automaticamente vais perceber que meu produto é mau, por isso não faz sentido entrar na guerra de preços com os supermercados.

--Qual deve ser o preço de uma boa barra de pan?

--Pois uma boa barra de 350 gramas está em torno de uns 1,40 euros. É verdade que tem subido muito desde faz um par de anos e não pela guerra de Ucrânia, sina porque os custos de produção têm subido de uma maneira brutal. A farinha não tem subido pela guerra, já teve uma subida muito forte anteriormente e sobretudo os custos de electricidade. Isso tem matado a muitas panaderías, parece até orquestrado porque a indústria pode aguentar e suportar, inclusive negociar porque tem poder, mas os pequenos artesãos não podem suportar este tipo de ónus, uma subida dos custos e da produção tão brutal como a que temos vivido.

--Que se pode encontrar nas panaderías de Domi Vélez?

--Pois em nossas panaderías pode-se encontrar um produto de primeira muito estudado e ademais oferecemos um serviço de cafeteria para ter cafés da manhã saudáveis com pães de qualidade para as tostadas. Um café da manhã completo não custa mais de 3,80 euros.

Domi Vélez trabalhando em seu obrador / CEDIDA

--Como tem visto evoluir a panadería ao longo dos anos e quais são as tendências actuais da indústria?

--A tendência é clara. Tentar fazer um produto muito bom, que isso já o estávamos a fazer desde faz bastante tempo, mas também que para o cliente seja uma experiência ir comprar o pão. Dar um plus ao produto e ao espaço no que se compra. É a melhor forma de atrapar ao cliente e diferenciar-se, oferecendo um trato directo, não como ocorre em grandes superfícies nas que não há contacto personalizado.

--Que conselhos daria a alguém que se quer iniciar no mundo do pão?

--Que se forme muitíssimo e que não se desespere. Ao final com trabalho e constancia vêm os frutos. Faz falta ser positivo e ter fé no projecto.

--Projectos futuros e novas aberturas?

--Acabamos de abrir a nova loja em Sevilla e estamos a reforçar a on-line. Também temos um projecto muito bonito que é um documentário com o que levamos dois anos de gravação no que vamos contar todo o trabalho que há por trás desta profissão. Terminá-lo-emos no final de ano.