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Diego García Vega ('Chef sem desperdicio'): "Comer bem é muito fácil, mas eles mexeram com as nossa"

Este jovem especialista em agroecología defende a necessidade de virar para modelos alimentares mais sustentáveis

Diego García Vega, especialista em agroecologia e resíduos alimentares / CEDIDA - CLAUDIA VEGA
Diego García Vega, especialista em agroecologia e resíduos alimentares / CEDIDA - CLAUDIA VEGA

Quando Diego García Vega estava a preparar a sua tese de doutoramento sobre agroecología em Montpellier, recebeu um telefonema inesperado. Era um produtor televisivo com o qual tinha contactado anos atrás que agora lhe propunha fazer uma série sobre desperdicio alimentar, um tema do queal Vega tinha aprendido em Londres, durante os seus estudos. Aqui conheceu o dumpster diving, que consistia em que, no final do dia, se reviam os contentores de supermercados e lojas para recuperar, conta, "um monte de comida em perfeito estado". Foi aí que o seu interesse em combater por combater o desperdicio alimentar germinou em acções concretas.

Algumas manhãs, no seu andar, o café acompanhava com o sushi que alguém tinha atirado na noite anterior. García Vega criou um projecto de redistribuição do desperdicio, com grupos de voluntários que recolhiam o que sobrava das pastelarias da universidade e o levavam a um refúgio de mulheres sem abrigo do bairro. Aquela experiência deu-lhe a bagagem necessária para ser hoje o protagonista de Chef sem desperdicio, uma série da HBOMax na qual este jovem percorre o mundo aprendendo sobre sustentabilidade (alimentar, mas não só) em diferentes lugares, restaurantes e sociedades. "Acho que entramos num momento de crise e vamos voltar a recuperar o valor da comida. Sou optimista", afirma. É sobre esta semente que ele constrói o seu menu.

–Num dos episódios da série vai a Pedraza, em Castilla e León, e afirma: "Eu considero que a carne é um produto de luxo e que deveria ser considerado como algo escasso". Continua a pensar assim?

–Sim, sem dúvida. Os atuais padrões de consumo de carne são parte do que faz completamente insustentável a nossa dieta num planeta com limites. No programa de Espanha, eu falei com um agricultor nos montados da região de Jabugo, que me contou que eles comiam carne poucas vezes por ano: após a matança e pouco mais. O resto do ano são vegetarianos. É assim porque vivem num terreno no qual são conscientes de quais são os limites, de quanta carne se pode produzir.

Un matadero industrial / FREEPIK
Um matadouro industrial / Imagem de aleksandarlittlewolf FREEPIK

–Também visitou um matadouro industrial. Que pensou?

–Materializámos a visão cartesiana de que os animais são máquinas. Que possamos comer carne todos os dias implica que é necessário um sistema industrial. Chegámos no ponto no qual estamos a desenvolver hambúrgers de laboratório porque vios que é um absurdo e uma falta de eficiência criar um animal inteiro apenas pela sua carne, é mais eficiente criar células. Até esse ponto de desconexão com a natureza chegámos.

–Que pensa da Heura e este tipo de soluções?

–Acho que, se ajudam a uma transição para uma dieta mais vegetariana, bem-vindo. Mas acho que a transição real será para produtos locais, não processados e descentralizados, no sentido de que todo o que seja uma empresa a dominar um mercado global nos tira poder sobre a comida. E a comida é alimento, mas também é um direito humano, e deveria estar nas mãos das pessoas.

–No mesmo episódio vai a uma cidade de Bacia na qual há uma manifestação contra as macroquintas. Teve problemas por criticá-las?

–Surpreendentemente, não. Nas redes sociais sempre há comentários e ataques, mas costumam ser absurdos. Do tipo "nota-se que nunca foste a um supermercado". Mas como que nunca fui a um súper, vamos ver? Encontrei mais problemas sendo abertamente contrário às macroquintas nalguma faculdade, por exemplo. Em qualquer caso, quanto a macroquintas, somos o terceiro país produtor de porco do mundo. É um modelo com 40% de desperdicio, de modo que essa sobreproductividade não faz sentido. É um modelo muito ineficiente, para além do abuso animal e da degradação ambiental.

Varios cerdos en una dehesa / PIXABAY
Vários porcos numa pastagem / PIXABAY

–O que é o que mais o impressionou nas suas viagens, alguma comida ou alguma técnica?

–São contextos e situações, mais que técnicas. Com os chefs comi coisas que nunca pensei que comeria: na Polónia comi casca de madeira frita (que se está muito bem frita e não queimada, está rica, sabe a pinho). Também bebi uma infusão de terra, gafanhotos vivos diretamente apanhados do prado, todo o tipo de plantas silvestres… O que levo comigo é a infinita diversidade de sabores, texturas, produtos animais, plantas e fungos que oferece a natureza, e o limitada que é nossa dieta no dia a dia. Há dezenas de milhares de espécies comestíveis, e, comendo essa diversidade, teríamos paisagens mais diversas. O que comemos é o que cultivamos.

–Que conselhos daria a um jovem que acabou de se tornar independente e gostaria de fazer uma dieta baseada em padrões sustentáveis, mas que não tem muito tempo nem dinheiro?

–Um conselho seria comer mais vegetariano. Isso é mais barato que comer carne. Pode levar algum tempo para entender certas pautas básicas de nutrição, mas comer bem é realmente muito fácil, só que fomos levados a pensar que tens que contar macronutrientes, micronutrientes, ver os aminoácidos, tomar suplementos... Outro conselho seria, se na casa vivem várias pessoas, cozinhar para duas ou para três, os que sejam, uma de cada vez. Outra recomendação seria comprar local, ainda que nem sempre seja fácil encontrar produto local. Há alguns bairros nos quais há grupos de consumo, pode juntar-se a eles e eles decidem o que se compra.

–Aí trasciende o que é a simples alimentação.

–É sobre contribuir para sistemas alimentares alternativos. Não estás de acordo com o sistema industrial alimentar globalizado, por muitas razões? Então não participes nisso. Sei que não é fácil, porque é o mais disponível e o mais barato, tristemente, mas há que procurar redes alternativas e apoiá-las. Se queres envolver-te de alguma forma, mas estás confuso com todos os grandes problemas que há no mundo, o mais simples e de maior impacto é a alimentação.

Una mujer hace la compra en uno de los supermercados en España / FREEPIK
Uma mulher faz compras num dos supermercados em Espanha / FREEPIK

Agora bem, se procuras um produto biológico numa loja da Latina, por exemplo, vai sair carísimo. Mas se vais ao supermercado cooperativo da Ursa, que está em Tetuán, encontrarás o produto biológico mais barato de todo Madrid. Porque ali os consumidores também são donos da empresa, são sócios cooperativistas.

–Quão importante é saber cozinhar para combater o desperdício?

–Eu acho que é fundamental, e confrontamo-nos a que, na minha geração, poucos sabem cozinhar. Não lhe dedicámos o tempo nem o interesse necessário, e é paradoxo porque, justamente numa época na qual os chefs são superestrelas, mais que nunca, cozinhamos cada vez menos. Quando não sabes cozinhar o valorizas menos, és menos capaz de aproveitar partes, tens medos preconcebidos…

–Diga-me dois ou três alimentos bons, bonitos e baratos.

–Eu tenho um gosto demasiado saudável, mas diria as lentilhas, o tahini e os brócolos.

Una cuchara con lentejas / PEXELS
Uma colher com lentilhas / PEXELS

–Não considerou deixar tudo e mudar-se para uma aldeia?

–Dia dentro e dia fora. Esse é o único futuro que concebo completamente realizado. A minha realidade é que sou de Madrid, sou jovem, quero que tenha uma comunidade com uma oferta cultural no campo, porque partilho o medo de estar sozinho e isolado. Mas acho que, com a visibilidade que me deu a série, o meu papel agora é divulgar. Um ponto chave é que o campo fica sem agricultores, já não há relevo generacional. Estão a reformar-se todos, segundo os dados da COAG, 60% reformar-se-á para finais de 2030. Quem está a comprar as suas quimtas e os seus terrenos? Grandes empresas, fundos de investimento e inclusive estrangeiros. Uma agricultura desse tipo nunca será sustentável. Será uma industrial na qual não vamos ter controlo sobre o que comemos, nem da oferta, nem dos preços. É fundamental que a nossa geração tenha agricultores e recuperemos essas terras.

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