Quando Albert Rocha ganhou por segunda vez o prêmio ao Melhor Croissant de Mantequilla de Espanha se guardou o talón no bolso, passou pelo banco e ao chegar a casa pagou a matrícula do Curso de experiente em elaboração artesanal de gelados da Universidade de Alicante. Era 2018. Agora, tão só quatro anos depois, se alçou com o prêmio ao melhor gelado de Espanha, troféu que expõe orgulhoso em seu pastelería da rua Padua de Barcelona (Sant Croi), onde lhe entrevistamos para aprender a distinguir um bom gelado artesão de um industrial.
Qual é o caminho até criar o melhor gelado do país? Albert queria ser repórter de guerra. Tinha-o claro desde os quatro anos. Mas os sonhos, às vezes, transformam-se. E assim foi como aos veintipocos, depois de finalizar os estudos de imagem e som, sua mãe lhe pediu que entrasse a trabalhar a jornada completa na pastelería da família. Não teve eleição, mas pôs uma única condição: formar-se com os melhores para seguir endulzando seus sonhos.
--Quando decide um pastelero de renome começar a fazer gelados?
--"Sempre tinha querido fazer gelados. Mas para fazê-los bem precisas uma mantecadora, que custa ao redor de 40.000 euros, e uma pasteurizadora, que não a encontras por menos de 15.000, e a nossa era uma pequena pastelería de bairro. De facto, a primeira mantecadora comprei-a de segunda mão. Mas eu não me considero pastelero e heladero. É o mesmo. É uma fusão. É meu mundo"
--Tudo bom saíam-lhe os primeiros?
--"Ao princípio, em 2019, a gente chegava à pastelería e ficava na vitrina de gelados. Não entravam à loja. Rosa, a encarregada, chamou-me muito preocupada. E eu lhe disse: 'mas se estamos a facturar mais que nunca. Demos-lhes um trocito de verão em inverno'. Agora, nos domingos de inverno, os vizinhos vêm e em lugar de se levar um braço de gitano se levam tarrinas"
--Como afecta o clima à venda de gelados?
-- "Quando eu era menino aqui só tinha Frigo e os gelados desapareciam em inverno. Foram os americanos de Häagen-Dazs os que romperam com a cultura espanhola de que os gelados são para o verão e puseram de moda o os comer no sofá com uma manta. Há alguns sabores que saem muito todo o ano, mas o de tiramisú , por exemplo, quando faz calor se vende menos. E isso que até os italianos que passam pela loja me dizem que não encontram gelados de tiramisú assim em seu país"
--Quais são os mais vendidos?
--"O de vainilla e o de chocolate . O de vainilla está feito com vainilla, que a raspamos a mão e a combinamos com almendras caramelizadas. O de chocolate fazemo-lo com o mesmo chocolate que o dos bombones, um excelente chocolate de Colômbia. A qualidade dos ingredientes é chave"
--Como se distingue um bom gelado de vainilla de um do montão?
--"O primeiro no que te tens de fixar é nas cores. Foge da saturação e das cores estridentes. A vainilla não é amarela, é negra. Se um gelado de vainilla é amarelo e não tem puntitos negros, é que não leva vainilla e sim muito colorante"
--E com os de chocolate?
--"Um bom gelado de chocolate não pode ser negro porque o chocolate não é negro, sina marrón. Quando abres uma pastilla de chocolate não é negra. Quando vês o típico gelado que põe extrafuerte e é negro escuro, é porque o pintaram. Costumam levar algo de cacau em pó, como as Oreo, e são muito astringentes em boca. Basicamente, são uma combinação de pós. Enquanto os bons gelados costumam ter entre um 15 e um 20% de chocolate. Não mais"
--Algum truque mais?
--"Quando apanhas uma Comtessa e a levantas vês que é ar puro. A indústria utiliza máquinas para injectar-lhes ar. Depois, em boca, notas que é corcho. Num bom gelado percebes os ingredientes naturais, frescos. Eu os tenho a menos 12 graus e as notas cálidos e agradáveis em boca"
--Que importância têm os ingredientes?
--"São chaves. O leite fresco trazem-ma de Vic. Os frutos secos compro-os em Lérida. Meu gelado de cabo , por exemplo, é de um cabo de quilómetro zero, de temporada, com matizes amelados, doces, florais. É de um bom cabo maduro, e por isso é jugoso e fibroso e não tem textura de plástico como os industriais"
--Não é muito fã da indústria alimentar…
--"Dos gelados industriais não. Mas também não há que brigar com a indústria. Que paguem seus estudos de mercado e que marquem tendência. Os pequenos artesãos temos que estar ao loro e melhorar seus produtos, que não é difícil. A indústria é como um observatório do que temos que nos aproveitar"
--Um bom gelado que se possa comprar no supermercado
--"O Magnum vale o mesmo que um artesão e não está mau. Podes ver algum piquito negro de vainilla porque utilizam jarabe de vainilla. Os de chocolate, em general, os ódio"
--Que quantidade de açúcar têm os seus?
--"Meus gelados cremosos têm entre um 14 e um 15 % de açúcar. Os sorbetes ao redor de um 25 %. Pensa que o de fresa tem um 65 % de fresa fresca de Gavá em verão, e de um invernadero de Sant Pol em inverno. A fruta tem açúcar…"
--Isso é bastante açúcar, não?
--"Como pais temos de educar a nossos filhos desde pequenos e que desfrutem de uma boa alimentação e de se comer um bom gelado a cada dez dias"
--Qual é o segredo de seu sucesso?
--"Trabalho, trabalho, trabalho, exigência, sensibilidade gastronómica, honestidade contigo mesmo, e, por suposto, os ingredientes que eleges. No Citric Game, por exemplo, que ganhou o prêmio ao melhor gelado de Espanha em 2021, combino diferentes cítricos procurando a dupla personalidade da cada ingrediente. Procuro o contrapunto de todas as frutas, porque aí estão os matizes"
--Por que Viagem à lua é o melhor gelado artesão de 2022?
--"Está composto de três elaborações diferentes com as que quero render homenagem aos clássicos da heladería e a pastelería espanhola. Na cubeta, que é o telescópio, pus uma nova versão do crocanti, mas mais redonda e floral que a de sempre. A lua é um gelado de chocolate com whisky reserva e rum jamaicano em honra à tarta ao whisky de toda a vida. Em 1951, Paco Parellada criou o Pijama no restaurante 7 Portes, e eu tenho feito uma versão do mesmo no foguete, dentro de uma copa gelada. Porque temos história e quando nos pomos a trabalhar somos imparables. Ademais, a diferença de nossos contrincantes, não usei leite, o que requereu de muita investigação. É um gelado vegano. O nome, Viagem à lua, é pelo filme de George Méliès de 1902 do mesmo nome, que foi a primeira com efeitos especiais. É uma homenagem aos pioneiros, aos sonhos e à capacidade que nos dão de viajar a outro lugar. Minha viagem tem sido doce"
--Quando poder-se-á provar 'Viagem à lua'?
--"Num mês teremos as três receitas à venda pelo mesmo preço (9,20 euros a tarrina de médio litro) que o resto de sabores e nossos clientes poderão se levar a alta pastelería a casa e a desfrutar no sofá"
Albert Rocha tem duas pastelerías em Barcelona: na rua Pàdua, 91 (Putxet) e na rua Bassegoda, 56 (Sants).