La Paloma recupera as suas asas. Depois de muitas tantativas, voa, e fá-lo com as suas melhores roupas: as de princípios do século passado. As rosetas com motivos florais e os ornamentos dourado, que foram acrescentados em 1919, estão recém pintados. As poltronas, em veludo granada baton, ainda mantêm o brilho de outrora. Os funcionários, vestidos de traje branco, estão a acabar de encher os frigoríficos, e nenhuma das lâmpadas do grande candelabro se atreve a cintilar: é finalmente o momento. Olhando à volta, tem-se a impressão de viver em 1903, mas os bilhetes são vendidos online, pagos em euros, e estamos em 2023.
O salão de dança La Paloma --cale do Tigre, 27--, a mais antiga da Europa, reabre para o Fim de Ano depois de passar mais de três anos encerrada pela Prefeitura de Barcelona por causa do ruído.
La Paloma reabre
"Fizémos as obras de insonorização e de segurança apropriadas, mas está tudo igual que há um século. É como entrar no túnel do tempo e viajar até 1900", assegura em conversa com a Consumidor Global Mercè March, alma mater do local e mãe do atual proprietário, Pau Solé March.
"A ideia é abrir com regularidade a partir de fevereiro de 2023", aponta March. La Paloma recupera as suas asas e o silêncio rompe-se, mas os mímicos voltam a gesticular à saída das instalações, numa tentativa de respeitar o descanso dos vizinhos.
Há que a viver
Entramos pela porta traseira, de cor granada, e avançamos por um estreito corredor flanqueado por caixas de bebidas que chegam até o teto e que se esvaziarão em matéria de horas. "Reserva de palcos e venda de entradas. 31 de dezembro de 2006", pode-se ler num cartaz, o do último dia que La Paloma abriu ao público. Ao entrar no salão de Versaillesque, é amor à primeira vista, e o espectáculo começa.
Entrar na La Paloma "era como entrar num filme de Fellini , com as suas singulares personagens e cenas extravagantes", lembra March, que explica que Os palomeros, os clientes assiduos, formavam um elenco inagualável. Estava A artista, que todas as noites dançava sozinha em frente ao palco; O tigre, que era um cangalheiro que descia de Montjuic com o seu traje branco; O Tarzán, um senhor idoso e forte que fazia ginástica em frente de todos; a rapariga dos lavabos, Águeda, que vendia botões e tinha meias de reserva para ascorridas, e a quem todos lhe diziam as suas dores; e um chefe de sala homossexual que, de repente, se punha a chorar. "A La Paloma não se pode explicar, há que a viver", aponta March. Quem encherá agora o seu majestoso salão de dança?