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Pagarias mais de 200 euros por passar frio numa gruta troglodita?
Os alojamentos escavados nas rochas estão quase com 100% de ocupação apesar de não serem para todos os públicos
Bem-vindos ao silêncio. Nem o bater de uma mosca se escuta. As paredes da rocha formam uma barreira acústica intransponível. Há vida aí fora? A cobertura vai e vem. A terra é tão isolada que aqui as estações chegam com três meses de atraso e quase todo o ano faz frio. No final do estreito corredor está o mundo, ali é verão e a temperatura é 20 graus mais alta. Mas que paisagens… Um deserto rodeado de altas montanhas com chapéus de neve. Restos fósseis de grandes mamíferos extintos no Período Quaternário, quando a humanidade apareceu sobre a face da Terra. É um oásis localizado ao norte da província de Granada, onde se esconderam os últimos árabes expulsos da península há mais de 500 anos. É território de grutas.
Nesta área declarada Geoparque Mundial da Unesco em julho de 2020 há ainda 12.000 grutas habitadas. De casas sem recursos, e algumas sem água, passaram a alojamentos turísticos. Mais especificamente, há 1.800 camas repartidas em 86 pequenos complexos escavados na terra. "Aqui vivemos e sentimos a gruta como uma forma de vida", expõe, com interferências, Natalia Guidoni, gerente da Associação Andaluza de Grutas Turísticas, que reconhece que "as promovemos a nível internacional como Andalusian Caves Hotels". É que este turismo do silêncio com ares trogloditas é cada vez mais procurado, ainda que não seja para todos os públicos.
As grutas mais solicitadas
"O verão passado estávamos com 100% de ocupação porque são frescas e muito singulares. Agora a procura continua a ser altísima", aponta Guidoni sobre os complexos de grutas que fazem parte da associação. Na verdade, a região granadina de Guadix é considerada como a capital européia das grutas -- 80% das grutas de Europa estão na Andaluzia--, mas também podemos encontrar alguns alojamentos noutros pontos da península.
Encontrar um dos nove quartos disponível ao fim de semana não é possível até meados de julho nas Grutas Rurais de Bardenas (Navarra). "Desde maio estamos em plena capacidade", explica à Consumidor Global o seu director, Rubén Mendi, quemdetalha que os seus são alojamentos muito procurados por caminhantes, ciclistas e todo o tipo de excursionistas que sabem apreciar a novidade, o silêncio e a tranquilidade. "Também vêm muito turista francês", acrescenta Mendi.
O microclima das grutas
As grutas costumam oscilar entre os 16 e os 21 graus durante todo o ano, concordam os especialistas. "Estamos numa montanha de argila que aquece pouco a pouco, pelo que em abril, maio e junho são bastante frescas", aponta Mendi. Nalgumas das grutas de Andaluzia pode-se passar de tocar os 40 graus no exterior a estar a menos de 20 no interior das mesmas, onde a humidade também costuma rondar o 100%.
Esta temperatura é um presente durante os meses quentes de verão. No entanto, alguns clientes queixam-se deste curioso microclima. "Uma desvantagem de dormir na gruta é a humidade. Se deixas uns jeans pendurados no dia seguinte estão muito húmidos", critica um hóspede do Hotel Cueva Almagruz (Granada) no Tripadvisor. Na mesma linha, um utilizador do Hotel & Spa Rural Las Nubes (Guadalajara) também não ficou satisfeito com a temperatura: "não tinha passado tanto frio na minha vida como nesta gruta bioclimática. Passamos o fim de semana enrolados debaixo do cobertor", sentenciou.
O preço de dormir numa gruta troglodita
O preço médio de uma quarto duplo é de 70 euros, explicam da Associação Andaluza de Grutas Turísticas. Uns preços que pouco ou nada têm que ver com os de outros complexos de grutas.
No Hotel Cueva Tardienta (Los Monegros), por exemplo, qualquer das suas oito grutas perdidas no meio do deserto saem a 140 euros a noite durante todo o ano. E dormir na suite com hidromassagem das Cuevas Rurales de Bardenas custa 210 euros. Claro, muitas destas grutas não têm nenhum extra para invejar os melhores quartos de hotel e têm aquecimento, wifi e até jacuzzi.
Uma aventura silenciosa
"Não aceito nem crianças nem animais. É um lugar silencioso, de modo que adults only", afirma José Manuel Ayuda, direcor da Cueva Tardienta, um lugar do mais único no que há desde camelos até aviões --está localizado num aeródromo--. "Abstenha-se elegante. Na minha idade já não aguento mais", avisa. Segundo este diretor, ali o ambiente é melhor que em Port Aventura, algo no qual não concordam todos os seus hóspedes a julgar por alguns comentários que deixados depois da estadia.
Claro, na capital européia das grutas (Guadix) pode-se fazer praticamente de tudo. Passear por caminhos no deserto, visitar centros de interpretação, fazer uma prova de vinhos, dançar num tablao flamenco, meditar, relaxar nuns banhos árabes ou contemplar a paisagem lunar dando um passeio de balão. Todo isso se alguém quiser sair da gruta.
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