Ninguém atende o telefone, que não deixa de soar. O relógio da piscina interior marca as cinco da tarde, mas no água não se desenha nem uma sozinha onda. As imensas salas onde antanho se tinham celebrado dances e banquetes de postín permanecem desérticas. A escuras. Com o passo dos dias, o pó acumula-se na moqueta azul, e não há ninguém trajeado por trás da barra com vontades de charlar. Também não em recepção. Ninguém nas 244 habitações, cujas camas se mantêm pulcramente feitas. Sem arrugas. Assim permaneceram a grande maioria de hotéis espanhóis durante o segundo trimestre de 2020, e é que o sector hoteleiro tem sido um dos mais castigados pela pandemia.
"Esta situação tem acelerado a necessidade de reinventarse quanto ao conceito hotel e aos serviços oferecidos", expõe a Consumidor Global Nuria Louzao, coordenadora do mestrado em Direcção Hoteleira e Restauração do CETT Barcelona. A falta de turistas tem feito que até os hotéis de luxo tenham tido que ingeniárselas para seduzir ao público local e tentar salvar os muebles com promoções que agora chegam a seu fim.
'Vêem a cenar e convidamos-te a dormir'
Uma das campanhas mais conhecidas para atrair aos autóctonos e poder manter seus estabelecimentos em marcha protagonizou-a Eurostars Hotel Company, que em outubro de 2020, ante as estritas restrições de mobilidade, lançou Vêem a cenar e te convidamos a dormir no Eurostars Grand Marina 5* Grande Luxo de Barcelona, onde por 150 euros se pode desfrutar de uma copa de boas-vindas, um menu degustación --que tem um valor de 116 euros, segundo a carta-- sem bebidas incluídas, passar a noite numa habitação Deluxe e um completo café da manhã.
"Em consequência da excelente acolhida, a iniciativa estendeu-se a outros 15 hotéis do Grupo Hotusa --entre os que destacam o Eurostars Madri Tower, o de Sevilla, o de Oviedo ou o de Santiago de Compostela, entre outros 5 estrelas--, e num ano 60.000 clientes têm desfrutado desta oferta de lazer", asseguram desde a corrente hoteleira sobre uma campanha que devia finalizar o 30 de novembro, mas que "ampliar-se-á até finais de ano excetuando as festividades de Natal ".
Onde está o negócio?
Que ganha e daí perde um hotel Eurostars de 5 estrelas ao cobrar 150 euros por jantar , alojamento e café da manhã quando só o preço de uma habitação é de 162 euros? São hotéis com muitíssimas habitações, pelo que "lhes convém baixar preços e ter mobilidade no negócio", aponta Lorena Marti, professora de Publicidade da Universidade CEU San Pablo, quem explica que este tipo de medidas têm como objectivo "rebater a crise", criar uma "experiência de utente" e ter essa rotação que dá vida ao estabelecimento.
Às vezes, o cliente da cidade é reacio a aceder aos serviços que oferecem os hotéis porque pensam que o acesso está restringido aos hóspedes, por isso "se dar a conhecer a um novo segmento de mercado sempre é bem-vindo", detalha Louzao.
Portas abertas
A cada vez mais, os hotéis oferecem alternativas originais para atrair ao público local como a abertura de espaços --piscinas, terraços, spas…-- que até agora eram de uso exclusivo para os hóspedes. Trata-se de "espaços abertos de acolhida para socializar", aponta Louzao, quem explica que alguns estabelecimentos inclusive oferecem seus espaços como "coworking, tendas pop-up temporais ou inovadoras propostas gastronómicas".
Tenta-se "focar o espaço para a restauração para atrair ao público local porque a experiência de alojamento não a precisam tanto", detalha Marta P., experiente no sector da hotelaria.
Nos dias contados
Dantes do Covid os preços "estavam focados ao turista. Agora se têm democratizado, mas por desgraça a demanda fará das suas e voltarão a subir", adianta Marta P., quem opina que campanhas como Vêem a cenar e te convidamos a dormir poderiam ter nos dias contados.
Na mesma linha, Nuria Louzao explica que "se a tendência dos dados do Covid é positiva, é possível que este tipo de ofertas se vejam deslocadas, ainda que sempre ficará algum pack romântico focado ao público da cidade".