A gota fria mais mortífera deste século ainda mantém ao país sobrecogido por desgarradores depoimentos dos vizinhos dos povos afectados. Famílias que têm perdido seres queridos, lares que têm sido arrasados e comunidades inteiras que estão a tentar reconstruir suas vidas.
Eles são os verdadeiros afectados. Mas, no meio desta tragédia, surge outra cara do temporal: os problemas legais e económicos que enfrentam quem, sem poder o prever, se viram obrigados a cancelar seus planos de viagem. Ainda que estas dificuldades não se comparam com as perdas humanas e materiais, abrem um debate necessário sobre os direitos do consumidor em tempos de desastre.
Booking ignora a lei
A DANA tem causado estragos em muitas regiões da costa este de Espanha, gerando inundações e caos. Legalmente, este tipo de eventos classificam-se como causas de "força maior". Segundo a legislação espanhola, concretamente o artigo 160 da Lei Geral para a Defesa dos Consumidores e Utentes, um consumidor pode cancelar um contrato sem penalização quando a causa da cancelamento é de força maior.
Não obstante, Booking tem ignorado esta cláusula e nega-se a devolver "nem um euro" aos que tiveram que cancelar a reserva durante esta passada ponte de Todos os Santos.
Os que cancelaram sua reserva de Booking desde Valencia
"Tinha uma reserva para Granada do 1 ao 3 de novembro. Vivo em Castellón e estávamos em alerta vermelha pela DANA e não pude viajar", comenta Vanessa Moreno sobre sua situação. "Desde Booking não me devolveram nem um euro apesar de que as autoridades não nos permitiam sair e as estradas eram impracticables. Jogaram-lhe a culpa ao alojamento, mas são uns impresentables. Oxalá ninguém reserve mais com eles. São uns ladrões", recrimina a danificada.
O valenciano Sebastián G. queixou-se publicamente a Booking através de sua conta de X. "Tinha planeado uma viagem a Barcelona o passado fim de semana, tentei cancelar a reserva, mas era impossível. Falei directamente com o hotel e um intermediário de que não podia viajar pela DANA", relata o afectado, que assegura que todas as partes estavam dispostas a encontrar uma solução excepto a plataforma de reservas de alojamento. "Booking só me dá longas e me dizem que não podem me pôr em contacto com ninguém. Uma autêntica vergonha", determina.
"Zero empatía, Booking"
Por sua vez, José María C. afirma que tinha uma reserva em Marbella para esta ponte. "Uma das pessoas é de Valencia e não podia sair de ali, de modo que falamos com a plataforma para cancelar ou pospor as datas da reserva", explica. "Mas não têm querido mudar as datas da reserva nem por esta desgraça que está a passar em Valencia. Zero empatía e solidariedade e indefensión ante situações assim. Muito mau Booking, não tudo é dinheiro na vida", expõe.
María José S. viu-se obrigada a cancelar justo dantes de chegar ao alojamento devido à alerta pelo temporal. "Não podíamos nos deslocar até Granada desde a Comunidade Valenciana conforme estavam as estradas e mais após receber uma alerta vermelha às 11.50 horas de Protecção Civil a manhã da quinta-feira 31 de outubro", detalha a afectada. "Tivemos que cancelar dantes de chegar, no entanto, ainda seguimos esperando que Booking nos faça a devolução", acrescenta.
Os que cancelaram sua reserva de Booking em Valencia
"Tinha uma reserva de Booking na Comunidade Valenciana esta ponte", comenta Domingo García. "Cancelámo-la por sentido comum e porque é o aconselhável por parte das autoridades, se não, me tivesse metido na moradia e estaria ali os três dias", recalca. "O de menos é o dinheiro perdido, é a cara de tonto que se te fica vendo como funcionam ante uma alerta nacional", acrescenta.
No caso de Anna Sirera, segundo afirma a agraviada, Booking não lhe devolve o dinheiro de uma reserva na Comunidade Valenciana porque "o alojamento não se viu afectado pela DANA". Ademais, Sirera explica que desde a plataforma lhe indicam que a devolução do dinheiro depende do dono e que não podem fazer nada. O dono, que depois de lhe comentar que grande parte do grupo estava incomunicado num dos povos afectados, disse que se não podíamos ir o 31 de outubro que fôssemos na sexta-feira ou no sábado, quando as estradas já estivessem em bom estado. Nenhuma das duas partes deu-nos outra solução e aí ficou a coisa", expressa.
Se a causa é por força maior
"O artigo 160 da Lei Geral para a Defesa dos Consumidores e Utentes é claro: os consumidores têm direito a cancelar um contrato, como uma viagem, em qualquer momento, e receber a devolução do dinheiro, ainda que devem assumir certos custos se a cancelamento não é por força maior", explica Iván Rodríguez, advogado do bufete Advogado em Cádiz. "Mas aqui está o ponto finque. Se a cancelamento é por uma causa de força maior, como uma catástrofe natural, o consumidor não deve pagar nenhuma penalização. Qualquer tentativa de cobrar penalizações nestes casos vai na contramão do que estabelece a lei. As empresas devem respeitar este direito e devolver o dinheiro completo quando o motivo da cancelamento está fora do controle do consumidor".
No entanto, é crucial entender o papel de Booking nesta malha, pois a plataforma actua como um intermediário. Ainda que facilita a gestão de reservas, o dinheiro que os utentes pagam vai directamente aos alojamentos. Portanto, a responsabilidade última da devolução recae sobre estes estabelecimentos.
Como reclamar
Rodriguez aconselha aos afectados que apresentem uma reclamação formal directamente ao alojamento. Este processo pode realizar-se através de burofax, correio certificado ou inclusive por correio eletrónico, desde que tenha-se constancia fehaciente do envio. Em caso que a resposta seja negativa ou não tenha resposta, os consumidores devem ir ao Escritório Municipal de Informação ao Consumidor (OMIC) para interpor uma denúncia.
O verdadeiro é que as empresas com frequência põem barreiras burocráticas, esperando que o consumidor se renda. Mas a lei é clara, e com a força de organizações como a OCU e o respaldo da OMIC, os consumidores têm ferramentas para lutar.
Consumidor Global pôs-se em contacto com Booking para conhecer sua posição com respeito a estes factos, no entanto, ao fechamento desta reportagem não tem recebido resposta alguma.