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Denunciam a Burger King pelo tamanho do seu Whopper: poderia ocorrer algo assim em Espanha?
O tamanho real dos hambúrgueres, inferior ao que mostra a Burger King na publicidade, irrita, e muito, os consumidores
Canta Rosalía no seu último disco "que pena quando queres algo, mas Deus tem outros planos para ti". Para além dos objectivos vitais, o choque entre o que se deseja e o que se obtém acentua-se em algumas compras: a cultura popular criou o meme de "Quando o pedes vs. Quando te chega pelo AliExpress " para contrapor duas versões diferentes de um produto, mas o tema não afecta só o comércio on-line. Vários consumidores norte-americanos entraram com uma ação contra a Burger King porque, segundo explicam, faz publicidade enganosa com o tamanho do Whopper.
Segundo estes consumidores insatisfeitos, os hambúrgueres da marca são mais pequenos que os que aparecem nas imagens onde se publicita. É algo que pode passar com muitas redes de comida rápida, como KFC, McDonald's ou Subway, mas, é denunciável em Espanha?
Burger King: a interpretação subjetiva da publicidade enganosa
Fernando Longoria, advogado do escritório Bufete Giraldillo, explica que a lei sobre publicidade é diferente nos Estados Unidos. "Não tem nada a ver com Espanha, é outro tipo de concepção, uma forma diferente de apresentar as provas… O que ali pode acontecer, aqui seguramente não. Parece-me quase impossível", relata. Tal como expressa este advogado, quando nos referimos ao consumidor final, o regulamento considera publicidade enganosa aquela que "induze erro a um consumidor". Assim, "sempre cabe uma interpretação subjetiva, porque para um juiz, algo pode induzir a erro e para outro não", relata Longoria.
No entanto, ainda que ache que enfrentar a Burger King pelo tamanho de um hambúrguer seria difícil, menciona o caso de uma grande empresa de alimentos que perdeu um processo por publicidade enganosa em Espanha. "100 Montaditos anunciava que às quartas-feiras tinha toda a carta a 1€. Toda a carta significa toda a carta. Mas o cliente foi ali, pediu uma salada, e disseram-lhe que era 3,50 euros, porque não entrava dentro da promoção. Mas é que então não é toda a carta!", argumenta Longoria. Neste caso, quando a publicidade enganosa é tão flagrante, uma empresa sim pode perder, mas questões como o tamanho ou o aspecto da comida são subjetivas, enfatiza.
Induzir os consumidores em erro
Por sua vez, a advogada e vogal da subcomissão sobre direitos dos consumidores do Conselho Geral da Advocacia espanhola, Rosana Pérez Gurrea, explica que nos Estados Unidos são "os reis" deste tipo de processos. No entanto, a situação em Espanha é diferente. "Aqui há três leis a ter em conta: a Lei Geral de Publicidade, a Lei de Defesa dos Consumidores e Utentes e a Lei de Concorrência desleal", precisa a especialista.
Segundo a última, considera-se "desleal por enganosa qualquer conduta que contenha informação falsa ou informação que, ainda sendo verdadeira, pelo seu conteúdo ou apresentação induza ou possa induzir em erro os destinatários, sendo susceptível de alterar o seu comportamento económico". A chave estaria no "seu conteúdo ou apresentação". Pode um hambúrguer atraente e tenro fazer salivar um consumidor e 'induzir-lo a comprar? Depende, mas também é verdade que o marketing mantém uma relação ambivalente com a realidade. E isso não é delito.
A via judicial como último recurso
Segundo Pérez Gurrea, que além de advogada é professora na Universitat Oberta de Cataluña (UOC), o primeiro que deveria fazer o utilizador, nestes casos, é fazer uma reclamação à empresa, isto é, a Burger King. "As empresas têm que respeitar as ofertas que fazem porque se entende que existe uma relação contratual", detalha. A seguir, poder-se-ia ir ao Sistema Arbitral de Consumo, depois, ir a associações sem fim lucrativo e, finalmente, ir à via judicial, já com advogados.
Isto é, remover Roma com Santiago. É fácil se colocar no lugar do consumidor que se desespera ao ver um minúsculo hambúrguer no qual o queijo não cai como uma cascata amazónica; mas, por desgraça, é algo habitual. Este meio perguntou à Burger King pela sua avaliação sobre este processo, mas, ao termo desta reportagem, ainda não tinha recebido resposta por parte da rede. Em suma, Gurrea não confia demasiado nas probabilidades de que algo assim prosperasse em Espanha. "Teria que ver a fundamentação jurídica, que basear-se nas três leis que mencionei antes", detalha.
A letra pequena
Mas fora de Espanha também há alvoroço contra hambúrgueres falsificados. Uma pesquisa rápida no Twitter mostra vários resultados de consumidores descontentes. Neste sentido, em julho de 2013 a Procuradoria Federal do Consumidor, um organismo estatal mexicano, sancionou a McDonald's por não incluir fruta no Happy Meal, como anunciava. Do mesmo modo, na Colômbia sancionou-se ao gigante norte-americano por anunciar uma promoção que não se cumpria sempre.
Uma das ferramentas destas empresas é a letra pequena. No entanto, na Consumidor Global acercámos-nos ao estabelecimento da Burger King no Paseo del Prado, em Madrid, e podemos verificar que nos cartazes não aparece nenhuma especificação do estilo "esta fotografia é apenas ilustrativa" nem nenhum pequeno texto no qual se esconder.
Tudo deve estar por escrito
Henar Hernández é advogada da Legálitas e especialista em consumo. Esta advogada concorda com Longoria em que a lei americana é muito diferente da espanhola, e que, se feita coletivamente, só seria viável através de uma organização sem fins lucrativos. "Ali, este tipo de processos são muito frutíferos, mas em Espanha, o quaddro é diferente", revela.
Segundo esta especialista, o quadro legislativo norte-americano é mais protecionista, também por uma questão de mentalidade. Hernández conta um episódio, e puntualiza que desconhece se é verdadeiro ou não, mas o importante é o que transparece: um consumidor mete um gato no seu microondas para o secar. Evidentemente, o gato não sobrevive. "Pois o cliente reclama ao fabricante do microondas, porque não especificava nas suas instruções que o gato que o gato não poderia entrar lá", comenta a especialista. "Sob o ponto de vista anglo-saxão, tudo deve estar por escrito".
O tamanho importa, mas não se especifica
No entanto, Hernández considera que um particular poderia processar uma empresa como a McDonald's ou Burger King por publicidade enganosa em certos casos. Por exemplo, se na foto do Whopper figura um ingrediente que depois não está no hambúrguer real.
"Quantificar o tamanho é muito difícil, porque um juiz poderia alegar que as medidas não estão especificadas ou que a foto do hambúrguer foi tirada de perto, e por isso parece maior. Mas se faltasse queijo ou bacon, e estes sim estivessem na foto, sim poder-se-ia reclamar", enfatiza.
MediaMarkt, condenada por enganar com o preço
A especialista também menciona a Agência de Autocontrole, uma entidade formada por anunciantes, agências de publicidade, meios de comunicação e associações profissionais, que vela por uma publicidade "leal, veraz, honesta e legal", segundo se indica no seu site. Hernández aponta que, se um consumidor apresenta uma queixa ante este organismo por algum conteúdo publicitário enganoso, a agência o avalia e às vezes emite um relatório. Não é garantia de nada, mas é um passo.
Neste sentido, Hernández lembra que, há vários anos, a MediaMarkt foi sancionada por publicidade enganosa. O problema era que a companhia vendia uma CPU (isto é, a torre de um computador fixo) por um preço determinado, e na imagem onde o anunciava aparecia o computador completo, com ecrã e teclado incluídos. "Mas o preço era só pela CPU", lembra a advogada. Desde então, conta, as empresas cobrem-se costas com a letra pequena, onde devem especificar que se inclui e daí não. E, por norma geral, o tamanho não aparece. Já o dizia Rafaella Carrà: "É sabido que é perigoso dizer sempre a verdade".
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