Nunca antes se tinham atingido tantos orgasmos por dia no mundo. A tecnologia, que tudo invade, chegou à sexualidade. No máximo rendimento, o hiperdeportivo Rimac Geladeira acelera de 0 a 100 em 1,85 segundos. É o carro mais rápido do mundo e é completamente eléctrico. No máximo nível de potência, o Satisfyer 3 Pró é capaz de proporcionar um orgasmo de alta intensidade em menos de cinco segundos. É o sugador mais vendido do mundo e é completamente eléctrico. Já ninguém escreve cartas e as pessoas dissem ganhar autênticas fortunas comprando e vendendo moedas invisíveis. A tecnologia reproductiva e o manuseio das emoções através das drogas estão na ordem do dia. O Google vê tudo. Vivemos num popurrí da trilogía fundacional distópica que formam Fahrenheit 451, 1984 e Um mundo feliz? Até onde chegará a cultura da imediatez?
A 2 de fevereiro de 1914 Charles Chaplin estreou-se no cinema mudo com a curta-metragem Making a Living. Cem anos depois, a Womanizer lançava o primeiro sugador de clítoris. Desde então, a compra e o uso de brinquedos sexuais disparou e sete em cada dez dispositivos eróticos são adquidos por mulheres. Agora, as terapeutas sexuais começam a alertar na consulta os efeitos que pode provocar o uso continuado deste tipo de sugadores no corpo e na mente da mulher.
Anorgasmia
"Ultimamente na consulta são cada vez mais frequentes as anorgasmias provocadas pelo uso habitual de sugadores de clítóris, que alteram a obtenção do orgasmo a dois", afirma a sexóloga e psicóloga clínica Laia Cadens, que também é assessora da página de encontros extraconjugais Gleeden.
A anorgasmia é uma disfunção sexual que incapacita, de forma persistente, a obtenção de um orgasmo, apesar de ter excitação e desejo sexual. Ainda que afete a ambos sexos, a anorgasmia é mais comum nas mulheres.
Intensidade e frequência
A intensidade com a qual estes aparelhos estimulam o clítóris "provoca na mulher uma activação do mecanismo de recompensa mais imediato que o que pode obter nas suas relações sexuais", refere Cadens.
"Se se estabelece um comportamento contínuo e recorrente do uso do brinquedo, cada vez ir-se-á condicionando mais a relação a dois", alerta a especialista.
Como resolver isso?
A ansiedade, a depressão, o stress, a falta de comunicação com o casal e a vergonha podem levar a uma inadequada estimulação sexual e provocar, a longo prazo, a anorgasmia, que em 95% dos casos se enquadra no âmbito psicológico.
Por este motivo, o tratamento "tem de ser aplicadoa partir da psicologia clínica: tudo o que sugere a estimulação dos sentidos e o erotismo são bons acompanhantes para tratar a anorgasmia", recalça Cadens. Independentemente da causa da anorgasmia, é algo que gera frustração em quem sofre e pode acabar por dar azo a outras disfunções sexuais.
Um complemento e não uma necessidade
Em função do uso que se faça dos sugadores de clítóris, reportarão melhores orgasmos ou condicioná-los-á como única forma de chegar a eles, segundo as sexólogas. Definitivamente, "os brinquedos sexuais têm que ser um complemento e não uma necessidade", conclui Cadens.
Um sugador "costuma substituir uma carência", alerta a terapêuta Adriana Royo, autora do livro Falos e falacias (Harpa Editores), que explica que, após tanta repressão ao longo da história, "agora os sugadores são usado, mas isso também não é muito saudável porque podem gerar vícios e provocar disfunções sexuais".
Menos tecnologia e mais humanidade
Para mulheres com a menopausa ou que nunca tiveram orgasmos, "que melhor que um aparelho que te proporciona prazer eficaz, rápido, sem neurose ou culpa?", questiona Royo.
Esta especialista afirma não estar nem a favor nem contra estes artilugios, ainda que sim lhe preocupa o facto de que "estamos a substituir o que é o ser humano pela tecnologia".
Qual é o objectivo de um orgasmo?
Cada vez há mais informação sexual disponível e de fácil acesso, mas ao mesmo tempo "tendemos a usar e a descartar as relações, mais esporádicas, com menos apego, voltadas para o prazer instantâneo do orgasmo", alerta Alicia Ridao, sexóloga da clínica Psicopartner, que explica que os brinquedos sexuais estão muito bem como complemento quando conheces o teu corpo e já sabes como te dar prazer, mas não quando se abusa deles.
No final, o que faz o sugador "é separar-te da tua sensualidade e sexualidade, porque não precisas estar muito excitada para ter um orgasmo. Estamos a aprender a ter orgasmos mais para tirar-nos um bocado de ansiedade que para nos conhecer?", sentencia Royo.