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Um ano sem medicamentos hormonais: a odisseia das mulheres trans
Um depois de outro, os medicamentos para tratar as pessoas que mudaram de sexo esgotam sem que o sistema de saúde dê uma solução
Em apenas um ano, muitas mulheres trans mudaram de medicaç\ao até três vezes. Primeiro começaram com Climen, depois com Lenzetto e agora com Progyluton. Sem dúvida, um distúrbio hormonal que atenta contra a saúde deste grupo. "Quando retomas um tratamiento hormonal, depois de o teres deixado, os primeiros três meses há risco de sofrer paragens cardíacas", alerta Laura Durán, técnica de saúde na plataforma Federação Trans e presidente da organização sem fins lucrativos Balears Diversa.
Estas mudanças continuadas de medicaç\ao devem-se à escassez dos fármacos. No início de ano caiu o Climen da farmacêutica Bayer que, de um dia para outro, deixou de o vender nas farmácias. Segundo informou a companhia à Consumidor Global, o problema devia-se a "limitações de capacidade na rede mundial de fornecimento de produtos hormonais". Com o Climen fora do mercado, o Minsitério da Saúde recomendou substituir a medicação de Bayer por Progyluton oral ou por Lenzetto. No entanto, desde agosto, este último fármaco está esgotado. "No início, a 18 de outubro iria voltar às farmácias, mas não foi assim e, por enquanto, não há nenhuma data prevista", diz a porta-voz da Balears Diversa. O grupo volta a ficar sem a possibilidade de comprar o seu tratamento hormonal, mas que opções lhes ficam no mercado?
Antes Meriestra, ontem Climen... e manhã?
"Antes do Climen tínhamos o Meriestra, mas em 2016 suspenderam este medicamento", lembra Cacou Díaz, uma mulher trans venezuelana residente em Barcelona. Na verdade, o grupo manifesta o seu cansaço por ter que mudar de fármaco ade vez em quando, porque o que ocorre com o Lenzetto e com o Climen não é excepcional, mas sim uma situação recorrente neste tipo de medicação. Aceder à endocrina não equivale a ter fármacos, já que estes sempre dependem da disponibilidade no mercado. "Excepto novembro e início de dezembro, estive todos os meses sem saber se no seguinte teria hormonas", denúncia Eris Belil, uma mulher transsexual de Barcelona.
Nos oito meses que leva de terapia hormonal, esta jovem usou cinco produtos diferentes: Climodien, Climen, Progyluton, Perifem e Lenzetto. E, para muitas, deixar as hormonas não é uma opção, porque quando se deixa de tomar a medicação recuperam-se características do sexo com o qual se nasceu. "Voltam a ter ereções quando fazia tempo que não as tinham e a voz agrava-se outra vez", explica o endocrinologista Diego Concha do Hospital Clínico de Barcelona e membro da Doctoralia . A depleção hormonal não afeta apenas o corpo, acostumado à ingestão de hormonas, mas também incide na saúde mental dos pacientes que costumam ter uma relação de apego com este tratamento. "Quando não tomam a medicação sentem que estão a voltar atrás, que a sua transformação foi em vão", diz Concha. É que, tal como acrescenta Díaz, "quando não pagas pela medicação, pagas pela terapia ".
Pedir tratamentos no estrangeiro
Uma das possibilidades que se cogitou face à incerteza dos medicamentos foi a de os pedir no estrangeiro. "Mas descartou-se", explica Durán. Quando os fármacos se compram fora das fronteiras nacionais não se recebem na farmácia, mas sim no hospital. Além disso, o procedimento é algo mais complicado e o médico tem que "preencher vários formulários para autorizar a dita transição". Assim, da Federação Trans descartou-se essa possibilidade.
"Deixava-se de lado todas aquelas que vivem em zonas rurais e que não têm os centros hospitalares perto. Além disso, carregávamos com mais trabalho e trâmites ao pessoal de saúde, que já tem trabalho suficiente", acrescenta a porta-voz da plataforma.
Reserva nacional
Esta escassez contínua das hormonas femininas, além de ter motivos pandémicos, responde a que são medicamentos usados para outras patologias, como a menopausa ou a osteoporose. Daí que as associações do grupo se tenham proposto a fazer uma reserva nacional para ter fármacos quando passem por este tipo de situações.
No entanto, para criar este banco de saúde devem pôr-se de acordo muitos agentes. "Desde conselhos territoriais da cada comunidade autónoma, à Agência Espanhola do Medicamento e depois todas as organizações do grupo", como explica Durán. Daí que este projeto, para já, fique em standby. Assim, face à falta de Lenzetto e Climen, existem duas possibilidades para as mulheres trans: o Progyluton oral (unicamente os comprimidos brancos) e o Oestraclin gel 0.6 mg/g, que não está financiado pela saúde pública.
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