A guerra do cava segue dando de que falar e o último capítulo arranca com uma decisão do Tribunal Supremo. Este órgão tem anulado uma disposição do Governo que limitava a quantidade de hectares que se podem plantar em Extremadura, uma medida que levantou muitas ampollas. No entanto, uma nova sentença dá agora a razão às reclamações da Junta de Extremadura e supõe um varapalo para Cataluña em pró de outras autonomias, como a Comunidade Valenciana e a própria Extremadura. Ademais, isto obriga ao Ministério de Agricultura a consultar às demais regiões produtoras dantes de tomar qualquer decisão, em lugar de, como até agora, adoptar em ferro as recomendações do organismo regulador, controlado, em sua totalidade, pelo sector catalão.
Javier Pagés preside o Conselho Regulador do Cava e não é alheio às acusações que apontam com o dedo à entidade que dirige. "A mim pessoalmente não mo dizem, mas leio o que se publica. Há muitos interesses políticos e privados que fazem que a gente diga segundo que coisas. No entanto, minha preocupação é o sector em general", defende ante Consumidor Global. Ademais, argumenta que as eleições do órgão são democráticas e que nele estão presentes todos os actores. No entanto, sobre a representação das outras comunidades autónomas, reconhece que têm voz --através de representantes nas reuniões--, mas não voto. De facto, Cristóbal Aguado, que preside a Associação Valenciana de Agricultores (AVA-Asaja), assegura a este médio que "o poder o vão seguir tendo os catalães" apesar da sentença do Supremo e de seus envolvimentos.
Mudanças futuras
O cava produz-se em 159 municípios espanhóis de sete comunidades autónomas: Aragón, Cataluña, Comunidade Valenciana, Extremadura, Navarra, Rioja e País Basco. A maior parte destas localidades --o 83%-- está em Cataluña, que também aglutina o 81% das quase 38.000 hectares de viñedos nacionais dedicados a esta variedade. Fora deste território, o 11% dos cultivos está em Requena (Comunidade Valenciana) e o 4% em Almendralejo (Extremadura). Estas duas localidades são as únicas autorizadas a cultivar esta denominação de origem em suas respectivas autonomias e, a sua vez, são as outras duas grandes áreas de produção. O problema é que os 12 vogais que compõem o Conselho Regulador, que controla os elementos de produção e é o principal assessor do Ministério de Agricultura, são de Cataluña. Isto não convence nem a extremeños nem a valencianos, que se queixam da falta de representação. Sentem que seus interesses não se defendem de forma equitativa.
Mas depois das sentença do Supremo começa a vislumbrarse um novo palco. Pagés assegura que no seio do conselho se estuda a possibilidade de modificar os estatutos para tentar aplacar os ânimos. Desta maneira, abre-se a porta a que as outras regiões que produzem este espumoso possam contar com algum vocal com capacidade de voto. "Não o descarto, mas tem que ser uma mudança justa e que sirva pára que não tenha polémicas. Não é um tema nada fácil. Há que ver se se pode incluir algum tipo de representação com voto e em que percentagens devem participar, mas há que governar bem e considerar as preocupações de todo o sector", asevera.
"Não podemos ser uma moeda de mudança"
"Se o Governo só faz o que lhe dita o Conselho Regulador sempre anteporá o que lhe diga Cataluña em frente aos demais", asevera Aguado. Também considera que a sentença, para além das limitações sobre a expansão dos cultivos, incorpora um novo elemento em relação a como se tomam as decisões que afectam ao sector. "Agora há constancia judicial de que é o Ministério de Agricultura espanhol o que deve assumir as decisões numa denominação de origem de âmbito supraautonómico. Não é só Cataluñà que deve dizer ao Governo o que tem que fazer", valoriza. Na mesma linha expressa-se Catalina García, secretária regional do sector vitivinícola da União de Pequenos Agricultores em Extremadura (UPA-UCE). "O que temos ganhado com a sentença é que o Ministério agora tem que consultar à cada comunidade autónoma", resume.
A disposição que tem anulado o Supremo estava incluída num decreto aprovado em 2019 e nela se impunha à carteira que dirige Luis Planas a aceitação das recomendações apresentadas pelo Conselho Regulador, entre elas a de não aumentar os hectares deste cultivo. De facto, uma das principais tensões territoriais tem que ver com isso. Enquanto uns pediam expandir seus viñedos, desde o conselho se considera que isso pode afundar o preço das garrafas. "A política não pode utilizar mais aos agricultores. Não podemos ser uma moeda de mudança", lamenta García, quem considera que o poder de decisão outorgado ao órgão regulador se trata de uma concessão política aos catalães. "A inscrição de uma parcela custa suor e sangue", acrescenta.
Fazem falta mais hectares de cava?
Pagés tem claro que "sobram hectares" em todas partes e alega que, em base a estudos de mercado externos, uma maior produção pode fazer que baixem os preços, tanto em origem como das garrafas nos lineares. "Se chegam ao supermercado muito baratas se desprestigia a denominação de origem", agrega. Apesar disso, depois do pronunciamiento do Supremo a Junta de Extremadura anunciou que solicitará ao Ministério de Agricultura uma ampliação de 200 hectares anuais. "A demanda de cava valenciano e extremeño tem subido muito nos últimos anos", argumenta Aguado, o presidente de AVA-Asaja.
No entanto, na Comunidade Valenciana os preços que se pagam aos produtores têm caído um 40 %, uma redução similar à que estimam em Extremadura. A crise do coronavirus tem afundado o consumo de cava no canal horeca -hotéis, restaurantes e cafeterias--, um dos principais demandantes deste produto. Por isso, os produtores não têm claro se é o momento de ampliar a superfície deste cultivo e existe verdadeiro debate interno. "A situação de crise é tremenda e há que ser prudentes", assinala García, de UPA-UCE.
Uma aposta pelos cavas baratos
"A produção de cavas baratos realiza-se, principalmente, em Extremadura e em Valencia. Isso não quer dizer que não tenha grandes cavas nessas zonas, mas uma percentagem muito elevada de sua produção está destinado a garrafas que se vendem por uns 2 euros nos supermercados", assegura a Consumidor Global Sergio Estévez, experiente em vinhos e fundador da empresa Locatamos. Não obstante, também considera que as grandes empresas do sector têm ajudado a devaluar a denominação de origem. Monstros como Freixenet, Codorniú e J. García Carrión "dedicaram-se a produzir cavas de batalha" pensados para vender centenas de milhares de garrafas, enfatiza.
"O cava de baixo preço é um produto muito justito. A nível organoléptico não tem muitos matizes e são vinhos para cobrir o expediente. Estão maus? Não, mas desde depois não fazem torcida", enfatiza. Por outro lado, este experiente também compara a situação com a do champán francês. "Nunca vais encontrar uma garrafa por menos de 15 euros. São muito estritos com o método de elaboração, na selecção do veio base... isso com o cava não passa", sublinha. De facto, isso motivou o grande cisma do sector que teve lugar em 2019, quando as nove adegas catalãs que integram Corpinnat se escindieron da denominação de origem. "Queriam um selo de qualidade que se aproximasse mais ao que se faz com o champán no França", asevera Estévez. Então, a partir de que preço se pode encontrar um bom cava nacional? O fundador de Locatamos assinala que desde os 15 euros se encontram espumosos "muito bons", ainda que aponta que também há segundas marcas com produtos muito dignos a partir de 9 euros.
O tirón das exportações
O do cava é um sector com muito peso dentro das denominações de origem nacionais. De facto, segundo o último relatório de dados económicos do Conselho Regulador --correspondente a 2019-- é a primeira em volume de exportações . Dos 249 milhões de garrafas que se produziram em Espanha nesse ano, algo mais de 65% se venderam no estrangeiro. Japão, Suécia, Rússia e Polónia são alguns dos países nos que a popularidade deste espumoso nacional se disparou nos últimos tempos.
Apesar de que ainda não há dados oficiais de como tem ido o 2020, Pagés se mostra surpreendido da "resiliência" que tem o sector devido a essa capacidade exportadora. "Acho que vai aguentar bastante bem o envite do Covid-19", augura. Apesar das boas expectativas do presidente do Conselho Regulador, a porta-voz de UPA-UCE não as tem todas consigo e se mostra mais pessimista. "É curioso o que passa neste sector. Ainda que baixe o preço que se paga ao agricultor, no supermercado se mantém", assegura.