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Estrelas Michelin alertam: a dieta mediterrânea foi desnaturada.
Chefs de prestígio lamentam que a influência de produtos exóticos e o peso crescente dos processados tenham piorado os hábitos alimentares dos espanhóis
A dieta mediterrânea é difícil de definir. Nela se incluem alimentos que têm a sua origem em outros países. "Trata-se de um genérico", assegura Miguel Mulet, professor de biotecnología da Universidade Politécnica de Valência e autor do livro Qué es comer sano? Há produtos como o abacate ou o tomate, por exemplo, que são importados da América ou o iogurte, que é originário da Turquia, que estão muito enraigados nesta dieta, mas que não vêem dessa zona geográfica
Durante muito tempo, Espanha expandiu os benefícios dos seus alimentos para a saúde. Ainda que a verdade é que muitos destes produtos não são de Espanha, mas sim que se incorporaram com o tempo. "Importar alimentos de outros lugares não é novo, os primeiros supermercados em Espanha chamavam-se ultramarinos porque vinham da América", explica o professor. O importante não é de onde vem os alimentos, mas sim os costumes. E isso pode evoluir. Assim, a dieta mediterrânea, mais que um conjunto de alimentos, é uma série de hábitos. "O problema é que agora comemos menos legumes e frutas que antes e mais processados", conclui Mulet.
Fusão com a cozinha estrangeira
"A dieta mediterrânea adaptou-se aos novos tempos. Os alimentos estrangeiros incorporaram-se na nossa gastronomia", afirma o chef Juan Aceituno, dono do Dama Juana, de Jaén, com uma estrela Michelin. Em qualquer cidade de Espanha é comum sair a jantar a um restaurante de uma cultura diferente. A proliferação de estabelecimentos estrangeiros tem como consequência uma inevitável fusão entre os produtos que vêm de fora e os locais para adaptar os sabores aos gostos do lugar de destino.
A influência de estrangeiros que vêm a Espanha propicia a fusão entre diferentes culturas. Há muitas semelhanças entre cozinha nacional e as lá de fora. "A mexicana é muito parecida à espanhola, porque é uma base de caldeirada, como a nossa, mas os sabores são diferentes. Aqui entra já fundida, porque toleramos menos o picante", explica Aceituno. Ainda que também há outras gastronomias que se distanciam, como a oriental, e da qual "pegamos ingredientes como o molho de soja e o peixe cru do Japão ou o leite de coco, próprio de países como a Índia", afirma o chef.
Comemos pior
Em todo o caso, o mundo moderno é, por definição, rápido. Tende-se a empregar menos tempo em cuidar dos hábitos saudáveis. Segundo um estudo da Thermomix de 2020, os espanhóis dedicam uma média entre 7,1 e 6,8 horas por semana à cozinha. Isso significa que se tem pouco mais de meia hora para elaborar os pratos para o almoço e outra meia hora para o jantar. A receita para fazer lentilhas do site Hogarmania.com tem uma duração de 45 minutos e uma salada de arroz demora 30 minutos a preparar. Ao todo representa 1 hora e 15 minutos, algo mais que a média que se gasta diariamente a cozinhar. Por esse motivo, muitas vezes escolhem-se pratos processados que, ainda que sejam mais rápidos de cozinhar, têm um menor contributo de nutrientes.
O restaurante Auga, do chef Gonzalo Pañeda, em Gijón, tem também uma estrela Michelin. Os seus pratos dão primazia à qualidade do género para a elaboração. "A cozinha mediterrânea entendo-a como uma forma de alimentação saudável, não gosto das natas nem de um excesso de manteiga, mas sim o azeite; também não digo que não gosto de abusar", explica. Todos os especialistas estão de acordo em que o ouro líquido é a base desta dieta, mas nem sempre se tem tempo para usar na cozinha. "A industrialização da comida é um problema que algum dia teremos que resolver se quisermos manter o legado cultural", afirma Oriol Ivern, chefe de cozinha do Hisop, em Barcelona, outro restaurante com uma estrela Michelin.
Alimentos processados, pouco fiáveis
Cada vez usam-se mais os produtos processados como alternativa ao natural. É uma forma fácil e rápida de preparar a comida e a maioria dos produtos vendem-se com a etiqueta de saudável. "Não gosto dos alimentos processados porque para a sua produção, distribuição e armazenamento acrescentam-se muitos aditivos desnecessários para estas comidas, o que os converte em nocivos para a saúde", afirma Ivern.
"O problema é que realmente não sei como é feito, ou se realmente o que vendem como lentilha é lentilha", alerta Pañeda. Este, precisamente, é um problema na hora de confiar num alimento industrial, já que o utilizador, geralmente, não sabe o que come. "Molhos elaborados que más procedências, pizzas, ou carnes de hambúrgueres, não sei o que têm e não me fio", sentencia o chef da Auga.
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