Sofá, manta e crimes. Este plano consegue seduzir e cautivar a muitos espectadores, ainda que seja claro que não é adequado a todos os públicos. Pode resultar difícil dar o play para conhecer os meandros do perturbador Caso de Alcàsser na Netflix ou o desafortunado erro judicial de Dolores , arguida da morte de Rocío Wanninkhof, na HBO Max. INo entanto, os que se aventuram não descolam do ecrã tão fácil. É que os documentários sobre crimes reais conseguem seduzir e cautivar muitos dos subscritores das plataformas de streaming. O sucesso deste género é inegável e parece que chegou há uns anos para ficar. Mas, que há por trás do consumo destes true crimes?
Este género, que nasceu nos Estados Unidos e encaixou muito bem entre o público espanhol, atrai os mais curiosos, movidos pelo desejo de conhecer com detalhe como e porque se cometem certos homicídios, sobretudo aqueles que ficam mais perto --geograficamente falando--. Além disso, também não há que esquecer o laborioso trabalho jornalístico e de investigação que se esconde por detrás.
Sentimos prazer ao consumir documentários do tipo 'true crime'?
Segundo a psicóloga Silvia Sanz, conhecer detalhes sobre como se executou um crime, e ver as caras dos implicados, junto com algum outro conteúdo audiovisual, são alguns dos fatores que cativam o espectador para os true crimes. Estas produções permitem dar a cara às vítimas e aos agressores, e sente-se verdadeiro prazer ao alimentar a curiosidade do espectador.
A morbilidade é outro factor a ter em conta, isto é, a atração para compreender os detalhes de um homicídio, como acto proibido. Sanz enfatiza que "somos plenamente conscientes de que se trata de um facto real, por isso nos cativa". E, ainda que seja um tipo de entretenimento semelhante à ficção, "move-te mais emocionalmente porque sabes que aconteceu".
Um mecanismo de defesa
Diego Redolar, professor de Neurociencia da Universitat Oberta de Cataluña (UOC), faz uma comparação com o "efeito voyeur" que provoca longas filas nas autoestradas quando há um acidente. Tal como explica, "o ser humano não é macabro nem tem prazer com o sofrimento alheio", mas a razão do seu interesse nestes casos é dado por um sistema de defesa. Ao contrário do que explica Sanz, segundo Redolar, este tipo de conteúdos criam "um sistema de sinalização do perigo".
Os true crimes, enfatiza este professor, "fazem-nos estar pendentes do perigo e assim podemos evitá-lo", explica. Por isso, do seu ponto de vista, o consumo deste tipo de séries baseadas em factos reais não procura só alimentar certo prazer, mas sim a procura de determinados estímulos para estar em alerta.
A ascensão dos crimes reais nas plataformas de 'streaming'
O berço dos conteúdos audiovisuais baseados em crimes reais é os Estados Unidos, com o podcast Serial (2014) como pioneiro. Nele, a jornalista Sarah Koenig analisa todas sas semanas os detalhes do homicídio de Hae Min Lee, cometido em 1999 em Baltimore (Maryland). Por outro lado, o sucesso de The Jinx (2015) da HBO Max também foi significativo e, na Netflix, Making a Murderer (2015) e Amanda Knox (2016) marcaram um ponto de inflexão na plataforma, que se deu conta do potencial deste género.
Netflix chora a perda de subscritores enquanto HBO ganha fiéis
2022 não arrancou para a Netflix da melhor forma. Ainda que a empres seja um pouco, ou bastante, hermética na hora de actualizar o número de subscritores, fechou o primeiro trimestre com mais de 200.000 subscritores a menos. Enquanto isso, um dos seus grandes rivais, HBO, somava 3 milhões de utilziadores no mesmo período.
Mesmo assim, a Netflix ainda reina no mundo streaming. Conta com 226 milhões de subscritores, enquanto a HBO Max, dista ainda muito dela com 76,8 milhões. Mas está claro que há certa tensão entre estas gigantes e que farão todo o possível por reter o seu público. Desta forma, se gostam os crimes reais, estas engordarão os seus catálogos com novos títulos.
Casos de homicídios 'made in Spain' levados ao ecrã
Os espectadores são mais susceptíveis a ficarem cativados aos documentários baseadas em crimes que sucederam perto do seu país, neste caso Espanha, ou que viveram através das notícias, explica a psicóloga Sanz. Nestes casos, "a empatía entra em jogo, já que queremos conhecer e saber mais da nossa história, enquanto aqueles crimes que tiveram lugar no estrangeiro os percebemos como mais longínquos".
Isso explica que adaptações como as dos crimes das meninas de Alcàsser e de Rocío Wanninkhof, ou Onde está Marta?, Nevenka e Morte em León tenham caido tanto no público espanhol.
Longa vida ao 'true crime'
Neira assegura que "a aposta pelos true crimes por parte destas grandes empresas de streaming continuará a ser forte" e não descarta que, mais cedo ou mais tarde, cheguem ao ecrã de casa, o telemóvel ou o computador casos como o de Gabriel Cruz ("O pescadito"), a criança que desapareceu nas Hortichuelas (Almería) e cujo corpo foi achado numa quinta da família; ou o de Mari Luz, a menina assassinada por um vizinho em Huelva.
A perita afirma também que "dado que as plataformas apanham cada vez mais tempo de consumo aos canais nacionais, é possível que, por sua vez, estas ocupem mais horas de visualiação deste tipo de conteúdo tão específico". De todos modos, do que não há dúvida alguma é de que os documentários sobre crimes reais não têm data de validade e continuarão presentes nos catálogos on-line por muito mais tempo. Longa vida aos true crimes!