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As falsas expectativas dos livros de auto-ajuda podem fazer-te piorar
A saúde mental é uma realidade e um tabu, mas cada vez há mais pessoas que vão a psicólogos para tratar o seu problema ou às livrarias
Os livros de auto-ajuda são um paradoxo. Numa sociedade individualizada e obcecada com os conteúdos personalizados, estes textos prometem que uma mesma fórmula funciona para todos por igual. Isto é, que a infelicidade de um executivo, um funcionário de balcão e e um jogador de futebol têm a mesma raiz, e, portanto, se podem solucionar graças à mesma receita. E o terão que ver as preocupações de uns com os outros? Isso não importa, o fundamental é ter uma mente happy.
"95% dos livros de auto-ajuda vão pôr-te pior", assegura o psicólogo Rafael Santandreu, autor da El arte de no amargarse la vida ou Nada es tan terrible. Esta afirmação lembra a frase lapidar de John Wanamaker, pioneiro do marketing em princípios do século XX, sobre o investimento em publicidade: "Metade do dinheiro que gasto com publicidade é desperdiçado, o problema é que não sei qual a metade". Isto é, há tantos gurús da felicidade que é difícil saber o que funciona e o que não .
Os livros vendidos como tal ajudam?
Sim, mas só às pessoas que realmente não precisam de ajuda, isto é, a população que não tem problemas clínicos e que o que quer é ler e desfrutar disso. Cada pessoa é um mundo no qual habitam milhares de matizes, de modo que por muito que se pense que no fundo todos compartilhamos a mesma sorte, ou desgraça, geralmente a raiz do problema costuma ser diferente. "Estes livros dizem-te que se pensas positivo tudo o bom virá e há pacientes que se convencem de que algumas coisas lhes acontecem pela sua negatividade. Essa forma de pensar produz uma punição extra e no final entras num ciclo", explica à Consumidor Global María León, psicóloga clínica de Madrid.
No entanto, sempre haverá alguém que assegure sentir-se melhor após ler um livro de auto-ajuda. "Se as condições forem atendida, é possível que assim seja mas não é o normal", assegura Javier Jiménez, professor associado na Universidade de Vic e divulgador científico.
O poder de apelar às emoções
Os livros de auto-ajuda são aqueles que facilitam, ou assim se espera, a gestão das emoções. Oferecem uma série de ferramentas, em forma de mensagens positivas, que se usam para solucionar um problema em questão. Mas é importante estabelecer uma diferença entre os livros cuja temática está expressamente pensada para este fim e os que pelo seu caráter filosófico e/ou humanista podem converter-se numa espécie de farol para a felicidade. Na primeira categoria encontram-se obras como O segredo, de Rhonda Byrne, que diz que se pensar positivo tudo virá. E na segunda, O homem à procura de um sentido, de Viktor Frankl, que sem o pretender tem ajudado muitas pessoas graças à sua mensagem de esperança.
Há textos que, pelo seu positivismo ou porque tratam em profundidade o tema pelo qual se vai à terapia, são recomendados pelos psicólogos. "Em algumas consultas tenho aconselhado Os quatro acordos: um livro de sabedoria tolteca, de Miguel Ángel Ruiz Macías, porque transmite ser coerente consigo mesmo e passa a dizer que há que ser autêntico e não parecer outra pessoa", acrescenta León.
Do caos à esperança
As doenças mentais devem ser tratadas com seriedade. Os psicólogos alertam que há muito tabu a respeito da saúde mental. "Ensinaram-nos a ocultá-la porque está estigmatizada, as pessoas estão obcecadas em ocultá-la, e isso significa um sofrimento extra", explica León. A psicologia é sobre isso, sobre a libertação, por isso, expressar o que se sente deveria ser o normal e isto passa por educar os mais pequenos para que falem com normalidade das suas emoções.
Alonso Caparrós, apresentador de televisão que se tornou popular graças ao concurso Furor, na Antena 3, escreveu Un trozo de cielo azul (Planeta), um livro onde descreve a sua passagem pelo inferno das drogas. "Não pretendo, nem é uma guia do que fazer nesta situação", alerta, e diz que não é sua intenção substituir o papel do terapeuta nem de nenhum outro profissional da saúde mental, o único que podia fazer era contar sua história e foi o que fez. "Há uma mensagem de esperança e desejo que isto não aconteça com ninguém. Se nesse sentido ajudar, sentir-me-ei feliz". Talvex o livro não se encontre na seção de auto-ajuda de uma livraria, mas ler o depoimento na primeira pessoa de alguém que passou pelo mesmo pode ser mais valioso que uma frase positiva enlatada.
Frustração com expectativas inantingíveis
A pandemia colocou em risco a nossa saúde mental. Os psicólogos alertas que nas suas consultas tem crescido o número de pacientes. As livrarias também têm observado um aumento de compradores de livros de auto-ajuda. "Temos visto como o número de clientes tem crescido, sobretudo procuram temas relacionados com aproveitar o momento ou o poder do agora", explica uma empregada da Casa do Livro. No entanto, quando um livro não é aconselhado por um profissional, e para uma causa concreta, corre-se o risco de que o problema, em vez de desaparecer, piore.
"Vejo muitas pessoas muito frustradas após ler estes livros, sentindo-se muito culpados por não poderem pensar positivo" assegura León. É que as expectativas que geram nem sempre são a solução. "No general, o problema dos livros de auto-ajuda é que conduzem um caso concreto numa espécie de caso geral", alerta Jiménez, e isto pode ser um inconveniente, porque se não há duas gotas de água iguais, também não há duas pessoas que o sejam.
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