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Aliexpress e as suas bugigangas a preços exorbitantes: o filtro Bliss Body
Ainda que seja legal vender por 100 euros algo que na popular plataforma chinesa só custe um, as técnicas de marketing de algumas páginas são abusivas
"Temos visto o teu perfil de Instagram e amamos o teu estilo. Encantar-nos-ia que fosses embaixador da nossa marca". Assim começa o e-mail suspeito que muitas pessoas, inclusive algumas que raramente usam o seu perfil, receberam da Bliss Body, uma loja de roupa na internet que comercializa leggins, trajes de banho e relógios. Em troca de publicidade nas redes sociais, a marca tenta aos utilizadores com produtos grátis, códigos de desconto para os seus seguidores e comissões por cada venda procedente do uso dos mesmos. A única desvantagem é que os clientes dispostos a se converter na imagem da loja devem pagar os custos de envio dos produtos que recebem.
É tudo um embuste. Esta loja utiliza um modelo de comércio electrónico conhecido como dropshipping, que ficou mais na moda com a crise económica como uma forma rápida de ganhar dinheiro. Para isso também contribuem os baixos custos de implementação deste tipo de lojas on-line e os enormes lucros que alguns gurús atribuem a este negócio. Assim, a Bliss Body -- como em um sem fim de sites semelhantes-- engana os clientes com bugigangas da Aliexpress que fingem ser designs próprios da marca e que vendem a preços exorbitantes. E, ainda que seja questionável, do ponto de vista ético, é legal vender por 500 euros um relógio que mal custa uns céntimos na popular plataforma chinesa, asseguram os especialistas consultados pela Consumidor Global. No entanto, as agressivas estratégias de marketing que utilizam algumas destas páginas são ilegais.
"Notificaram-me um pagamento, mas o dinheiro nunca chegou"
A maior vantagem que oferece o dropshipping é que não precisa ter a mercadoria para poder a vender. A única coisa que o proprietário de uma loja on-line deste tipo faz é receber o pedido do cliente e remeter os dados da compra e do envio ao fornecedor, que, geralmente, é a Aliexpress. Desta forma, quem faz a distribuição do produto é o fornecedor, cabendo ao dono da loja a diferença entre o preço original e o que paga o consumidor final.
Salvador Pla, um fisioterapeuta valenciano de 40 anos estabelecido em Sevilha, caiu na armadilha da Bliss Body. Há uns meses chegou-lhe um correio da marca onde o convidavam a promover a marca em troca de uma série de benefícios. Na época era bailarino profissional, tinha cerca de 5.000 seguidores no Instagram e procurava impulsionar a sua carreira, pelo que lhe pareceu plausível que uma marca tivesse reparado nele. Concordou em receber o produto, pagando os portes, e ao fim de um tempo chegou-lhe um relógio "de uma qualidade muito má", relata. Apesar de tudo, fez algumas publicações cuidadas, onde usou o acessório e colocou um código de desconto para poder receber uma comissão. "Notificaram-me, por e-mail, de um pagamento, mas o dinheiro nunca chegou à conta", assegura. Assim, para além de não receber o dinheiro prometido, também perdeu os 12 euros dos custos de envio do produto cobrados pela Bliss Body, que não paga portes à Aliexpress, porque este tipo de serviços são oferecidos pela plaraforma. "Que golpe", lamenta Salvador ao saber disso.
Advertências na Internet sobre a Bliss Body
Como o Salvador, muitos utilizadores têm recebido e-mails da Bliss Body convidado-os a ser embaixadores da marca. No popular site de denuncias de fraudes, o Trustpilot, os comentários negativos sobre esta loja acumulam-se e sendo lapidares. "Quem receber e-mails desta empresa deve denunciar o e-mail e o perfil de Instagram, que também é extremamente raro", adverte um utilizador. Na verdade, o perfil da loja nesta rede social só tem 49 publicações e acumula 145.000 seguidores, o que indica que têm sido utilizaradas técnicas questionáveis para inflar os números.
A respeito da possibilidade dos clientes puderem reclamar e que se lhes devolva o dinheiro, os especialistas consultados por este meio coincidem em que é muito difícil que o assunto chegue a bom porto, ainda que se possa apresentar qeuixa junto às autoridades do consumidor, que, também, são gratuitas. Por outro lado, apontam que por se tratar de quantidades pequenas pouca gente reclama.
Mentem com um suposto desenho próprio
Uma das tretas típicas que utilizam muitos comércios de dropshipping é fazer crer ao cliente que os produtos que oferecem são desenhos próprios. Assim, por exemplo, a Bliss Body vende por 62 euros um relógio que promove como se fosse um modelo exclusivo da sua marca, mas que, na verdade, se pode encontrar na Aliexpress por dois euros. Isto é, multiplica por 30 o custo para o consumidor final de um produto de duvidosa qualidade e induz o consumidor em erro. "Se o comerciante cria confusão e dá umas características do produto que não são conformes à realidade, essa venda não é lícita", assegura à Consumidor Global Javier Álvarez, especialista em comércio electrónico na AC Advogados. Outra vertente desta técnica, utilizada por alguns sites, é corrigir a foto de um produto da Aliexpress onde não haja um logotipo e inserir o da loja nele, o que também é ilegal.
Além disso, para tentar dar credibilidade à loja e fazer com que os consumidores confiem, outro recurso habitual é o de inventar uma história sobre a marca. A Bliss Body assegura que a empresa foi criada por uma adolescente --Maggie Smith-- junto com um grupo de amigos da escola, em 2018. "Cresceu até converter-se numa reconhecida boutique de trajes de banho e fitness (…) devido à dedicação em inovar todos os dias e à vontade de proporcionar leggings e bikinis de desenho de qualidade", afirma o site. No entanto, por trás desta suposta boutique encontra-se uma empresa registada em agosto de 2019 em nome de um jovem português.
Inventa-se trabalhos humanitários para vender mais
Alguns donos deste tipo de comércio vão ainda mais longe. É o caso de Vincere Wears, um site especializado em street wear onde se podem encontrar jaquetas por 250 euros que na Aliexpress mal custam 50 euros. Nesta página um dos anúncios para atrair clientes e gerar uma verdadeira imagem de marca responsável é se inventar a realização de trabalhos de ajuda humanitária. Na busca pelo enriquecimento, esta marca não tem qualquer problema em falsificar, de forma muito grosseira, fotos da Cruz Vermelha. Assim, na seção de "trabalho social" da Vincere Wears surgem imagens onde o logotipo da ONG nos coletes dos voluntários foi substituido pelo da loja.
Isto é ilegal de vários pontos de vista. "Primeiro por direitos de imagem e propriedade intelectual, já que não se pode modificar uma imagem que não te pertence para fins comerciais. Além disso, para o consumidor é injusto porque tenta influenciá-lo de forma irreal. Isso é processado por publicidade enganosa e por concorrência desleal", confessa à Consumidor Global Marcos Judel, advogado especializado em e-commerce na Audens. Na mesma linha, eles também não thesitam em fazer os clientes acreditarem que o chefe da Acção Contra a Fome em Estados Unidos, Charles Owubah, lhes enviou um correio agradecendo a ajuda. Para isso, colocam na mesma seção uma captura do suposto email, o qual, evidentemente, é falso.
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