Nem camembert, nem comté, nem munster, nem roquefort, nem raclette. Nanay. Rien de rien. Não há nenhum queijo francês entre os 10 melhores do mundo, mas sim oito italianos. Ao menos assim o avaliam no portal culinario TasteAtlas, que se define como uma "enciclopedia de sabores, um atlas mundial de pratos tradicionais, ingredientes locais e restaurantes autênticos". Essa página, meio caminho entre o TripAdvisor e o Guia Michelin, fez um polémico ranking dos 100 melhores queijos do mundo (não mais populares nem mais vendidos, mas sim melhores) no qual a primacía dos italianos é esmagadora.
O queijo semigraso parmigiano reggiano toma a corôa e lidera a lista, seguido dos seus compatriotas gorgonzola picante e burrata. A seguir figura o Grana Padano, enquanto na quinta posição fica um competidor não europeu: o mexicano de Oaxaca. Depois vêm outros dois queijos transalpinos e um português, Queijo Serra da Estrela. Há que descer até à décima terceira posição para encontrar um queijo francês, o Reblochon. Sem chegar a atingir cotas de conflito diplomático, a listagem tornou-se viral em poucos dias, perturbanco muitos consumidores franceses e levando-os a perguntarem-se que critérios foram utilizados para criar esta afronta.
Acusações de manipulação
"Os franceses armam um escândalo após que nem um só dos seus queijos está entre os 10 melhores do mundo", titulou há uns dias do Daily Mail. Como é lógico, em Roma e Milão vieram acima: "Itália, Campioni do Mondo dei formaggi: a classifica definitiva", expressaram. "A terrível day for France: the world's top 10 cheeses revealed", disse a Euronews.com. Mas para os franceses o assunto não foi apenas uma brincadeira: no canal de televisão TF1 (um dos mais vistos no país) chegaram a perguntar acusadoramente se o ranking estava manipulado. Contre nous da tyrannie!
A TasteAtlas fez eco desta acusação (que, até certo ponto, inclusive lhe beneficiava, mas c'est a vie), e detalhou numa publicação que se tinha dado ao trabalho de explicar toda a sua metodologia ao jornalista francês que se perguntava se a classificação estava viciada. Esta metodologia é aparentemente simples: "Os visitantes votam e nós contamos os votos e publicamos as classificações", argumentam, conquanto incorporam mecanismos para verificar que os votos são reais, não de um "nacionalista ou um bot". A ser assim, são "ignorados". Definitivamente, a TasteAtlas defende que é "quase impossível" manipular os seus resultados.
O Gruyère, deslocado
"Sem saber quais têm foram os critérios, não me atrevo a fazer uma avaliação", conta à Consumidor Global Luisa Villegas, directora do Instituto do Queijo, uma consultoria altamente especializada em processos tecnológicos e cientistas, sistemas de produção primária e posicionamento estratégico à volta do leite cru e o queijo.
Acrescenta Villegas que "todos os da listagem são muito interessantes", conquanto lhe resulta chamativa a posição do Gruyère (vigésimo nono na classificação), um queijo que em 2022 "ganhou todos os concursos importantes a nível mundial". Isso quer dizer que foi premiado uma e outra vez por "mais de 500 provadores muito qualificados em diferentes lugares", pelo que, que não figure no pódio, é um pouco "estranho". Esta perita acha que o comté "é outro dos números um", um "Ferrari", tanto pela sua qualidade como pela sua "produção, pela expertise e pela comercialização".
Queijos polacos e brasileiros, à frente dos franceses
Da TasteAtlas tentaram ser conciliadores. "Entendemos o orgulho nacional francês, e amamos e temos um grande respeito pela comida francesa, pelo que não nos ofenderemos por estas duras palavras", disseram. Ainda assim, como se um lamentável décimo terceiro lugar não fosse suficientemente humilhante, os franceses viram aparecer outras variedades muito menos conhecidas antes dos seus ícones, tais como um queijo polaco (Bundz, em 11º lugar) e um brasileiro (12º, Canastra).
"Os queijos brasileiros estão num nível excepcional", defende Villegas, "às vezes melhor elaborados que muitos europeus". Também não desentona, na opinião da directora do Instituto do Queijo, a posição do queijo Oxaca, um alimento "muito interessante" com um "enormes raizes culturais". E, quanto à esmagadora hegemonía dos italianos, Villegas sorri e aponta que estes queijos são apreciados em todo mundo "graças à gastronomia italiana, que trabalhou fantasticamente bem", multiplicando assim a sua avaliação e popularidade.
Pior posicionamento
Pelo contrário, diz Villegas, "os franceses não são muito dados a participar em concursos internacionais". A perita não considera que esta postura se deva a uma certa egocentrismo ou narcisismo, mas sim que se trata de uma mera estratégia comercial que, no entanto, "lhes diminui visibilidade". Esta mentalidade pouco participativa teria levado os franceses a não se posicionar tão bem como os seus aplaudidos, democráticos e recorrentes vizinhos latinos.
Para além deste duelo, entre os 100 melhores da TasteAtlas há também três queijos espanhóis: o manchego curado (posto 22), o manchego (a secas, no 30) e o zamorano (40). "Parece-me estupendo que estejam três espanhóis, mas sim surpreendeu-me que se reconheça o queijo zamorano antes que outros", admite Villegas. No entanto, alguns espanhóis afirmam no Twitter que é insuficiente. "Que não esteja a torta do Casar ofende-me profundamente", brinca um utilizador. Brinca?
Prémios nos World Cheese Awards
No passado mês de novembro, o certame World Cheese Awards celebrado em Gales outorgou o prémio ao melhor queijo do mundo de 2022 o suíço Lhe Gruyère AOP. "Participaram mais de 4.000 queijos", lembra Villegas. Os juízes do evento colocaram um queijo italiano em segunda posição (Gorgonzola Dolce DOP), enquanto o bronze foi para um holandês empatado a pontos com dois franceses. No top 10 figurava mais um francês, pelo que, desta vez sim, França foi a nacionalidade com mais queijos premiados.
Seja casualidade ou não, os utilizadores da TasteAtlas parecem ter certa preferência pela Itália: na listagem Melhor cozinha do mundo publicado em 2022 ganhou Itália, reunida em petit comité com os seus colegas mediterrânicos: Grécia na segunda posição e Espanha na terceira. Para mais inri, a estas lhes seguiam a gastronomia japonesa, a índia e a mexicana. A cozinha francesa ficou em nono lugar, atrás da cozinha turca e até mesmo da muito maligna americana. Touché.