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Que não te dêem massa mãe: de que falamos quando falamos de pão artesanal

Proliferam as padaria que oferecem produtos tradicionais face ao aumento da procura, mas alguns estabelecimentos fazem armadilhas

Juan Manuel Del Olmo

Vários pães artesanais / Unsplash

Farinha de espelta. Farinha de trigo. Integral. De massa mãe. De centeio. Cada vez são mais as variedades de pão disponíveis para o consumidor, que pode chegar a se perder entre tanta oferta. Isso de "pão pão queijo queijo" é bastante contundente e esencialista, mas há todo um mundo atrás das grades e dos pães: um trabalho artesanal, mimo, amor pelo produto, lojas especializadas e algumas armadilhas.

Além disso, depois de uma etapa na qual os nutricionistas expulsaram o pão das dietas, agora os especialistas afirmam que, controlado, pode ser um alimento benéfico. Não há escolha a não ser entrar na farinha e descascá-la.

Armadilhas nos supermercados

O boom do pão artesanal opera a dois níveis: na proliferação de estabelecimentos (como fornos, padarias e despachos de pão) e no aumento de produtos do género dos que vendem os supermercados. Do género, não iguais. Na verdade, muitas vezes são engosos. Uma das marcas que mais triunfou com a ascensão do pão é The Rustik Bakery, uma empresa que pretende oferecer "o pão natural de processo lento". Um dos seus produtos apresenta-se como "hpães de molde de massa fermentada". No entanto, se atendermos aos ingredientes pode-se verificar que só possui 10% de massa mãe de trigo ativa. A lei exige um mínimo de 4,8%, de modo que a empresa não descarta, mas também não é honesta.

Eduardo Villar, presidente da Confederação Espanhola de Panadería, Pastelería, Bollería e Afines (CEOPPAN), afirma que algumas grandes superfícies vendem produtos que não levam o que dizem. "Anunciar, numa grande superfície, pão de espelta quando leva menos de 50% é fraude alimentar", diz. Mas é muito difícil controlá-lo: "Os poderes são transferidos às comunidades autónomas, que não têm suficiente pessoal para cobrir este problema". "No dia em que haja uma intoxicação porque alguém comeu um pão em mau estado, as administrações pôr-se-ão mãos à obra", alerta.

Um alimento saudável?

Se for realmente feito com os ingredientes certos, o pão pode ser bom. Susana Del Pozo de la Calle, professora do Departamento de Nutrição e Ciência dos Alimentos da Universidade Complutense de Madrid, explica à Consumidor Global que a ingestão de pão baixou muito nos últimos anos, "o que indica que provavelmente a população não conheça as características positivas de incluir este alimento na dieta". A especialista explica que o conteúdo energético do pão oscila entre 250 e 330 quilocalorías por cada 100 gramas, e lembra que contribui para a nossa dieta proteína de origem vegetal, fibra, um alto conteúdo de hidratos de carbono, vitaminas como o B1, minerais como magnésio ou cálcio e diversos componentes bioativos e antioxidantes. Além disso, afirma que tem pouca gordura.

Um padeiro amassa um pão / Pexels

Assim, defende que se deve trabalhar em desmitificar crenças erróneas. Questinada pelas tendências atuais, a professora explica que está na moda comer pão feito com farinha de espelta, ainda que "nutricionalmente não apresenta muitas diferenças com o trigo tradicional." Esclarece que o seu consumo pode ser justificado se gosta mais do seu sabor. Algo parecido sucede com a massa mãe. "Com base nos estudos que existem, que um pão seja feito com massa mãe não o faz mais saudável, o seu valor nutricional final vai depender dos seus ingredientes, mas a fermentação com massa mãe sim pode ser positiva para melhorar o sabor", argumenta.

Onde se faz pão artesanal?

Um pão artesanal, segundo a norma de qualidade do pão, é aquele em cuja elaboração prima o factor humano sobre o mecânico, onde a produção não se realiza em grandes séries, o processo de fermentação é mais lento e o pão faz-se sob a direção de um padeiro. Pilar, representante da Associação de Panaderos de Bizkaia, explica que a diferenciação se está a assentar no mercado, mas ainda há um logo percurso a percorrer. "O importante é que o que se anuncia seja verdadeiro", opina. Para garantí-lo, alude à importância do rótulo.

Há algumas padarias ou despachos de pão onde o consumidor pode ter dúvidas. "Ainda que o cliente veja a maquinaria, o estabelecimento pode continuar a ser de pão artesanal se prima o factor humano", explica Eduardo Villar. "A maquinaria é necessária. O pão artesanal caracteriza-se por maiores tempos de fermentação e agora muitas padariam fazem os seus produtos com a técnica de padaria em frio, que consiste em cozer e depois amassar", afirma.

"Uma afirmação de marketing"

Outra das armadilhas está no pão integral. Tal como expressa a lei de 2019, só se considera pão integral o que está elaborado com 100% de farinha integral. Mas as redes ignoram o regulamento. Por exemplo, no supermercado Dia pode-se comprar um "Pão de aldeia integral" que se apresenta como tal, mas em cujo rótulo figuram a farinha de soja e farinha de cevada.

Várias pães / Pexels

Pilar, da Associação de Panaderos de Bizkaia, conta à Consumidor Global que muitas vezes os conceitos integral, artesanal ou massa mãe funcionam como uma afirmação de marketing. E não só nas grandes superfícies: também nos pequenos estabelecimentos. "Ainda que o pão dispense-se nos despachos, pode não levar o que dizem que leva", afirma. Villar vai para além: "Há lojas que vendem pão congelado que não deveriam chamar-se padarias. Deveriam mudar o nome".

Variedades e benefícios

Além de presidente da CEOPPAN, Eduardo Villar é padeiro e tem um forno em Logroño. Conta que, quando começou a fazer pães com cereais, as pessoas perguntavam-lhe "a onde ia com pães da guerra". Mas o tempo deu-lhe a razão: o consumidor procura agora pães de espelta, de aveia, de trigo sarraceno… Definitivamente, pães sabrosos e inovadores que também sejam saudáveis. Que permitam comer melhor.

Por sua vez, Pilar afirma que "como sociedade, temos obssessão por ter uma figura esplêndida, e muitos dietistas retiram o pão das dietas". Cita dois catedráticos da Universidade Complutense de Madrid que defendem que o consumo de uma porção de pão durante comida pode ajudar a saciar a fome e, deste modo, contribuir para que o consumidor não se encante por alimentos piores. "Com o qual, se se come o pão adequadamente, pode ajudar a emagrecer ", raciocina.

Combinando tradição com modernidade

Em Madrid, um dos exemplos mais notórios do boom do pão é Levadura Madre, uma empresa que ultrapassa as 60 lojas repartidas por toda a comunidade. Um dos estabelecimentos da marca está na rua Atocha, colado \á Antón Martín. Aqui, em apenas 150 metros, há um local da Levadura Madre e duas padarias, um com estética tradicional e outro chic e moderno. A pouca distância está Panifiesto, um dos fornos mais populares do centro. Na capital há vários produrados: Crustó conta com três locais e El horno de Babbete com outros quatro.

"Nós tratamos de recuperar esse pão ancestral de antes, com longos processos de fermentação", afirma Villar. Falta que os cidadãos continuem a apostar no produto. Segundo as estatísticas, hoje a sociedade espanhola come muito menos pão que antes. Onde mais baixa o consumo, segundo Villar, é em crianças de 6 a 12 anos. Alude a mudanças no modelo de trabalho, falta de tempo e generalização da padaria indústrial. Onde mais cresce o consumo, pelo contrário, é no segmento entre 35 e 50 anos. "Pessoas que se interessam, que preferem comprar um pão que não seja de supermercado, que se preocupam pela sua saúde". Segundo o presidente de CEOPPAN, o pão artesanal está em ascensão precisamente pela má qualidade do que se vende nos supermercados. Assim, o pão tradicional funciona como uma novidade. Para explicá-lo, Eduardo Villar lembra o arquitecto português Álvaro Da Siza e afirma que a tradição é um repto para a inovação