0 comentários
Porque é de pior qualidade a carne de um touro sacrificado na praça que num matadouro?
Segundo vários estudos, a matança de animais stressados afecta as propriedades do produto, e o especialistas explicam os motivos
"Às vezes fazemos um prato com rabo de boi de lidia, mas, geralmente, é muito difícil que este tipo de carne se comercialize porque o animal sofre um excesso de stress durante a lidia", aponta Juan José Ruiz, o chef da La Casa de Manolete Bistró, em Córdoba, que obteve vários prêmios. É que, segundo vários estudos, a matança de animais stressados prejudica a qualidade do produto. "Só compramos se o veterinário da praça nos dá o aval", diz Ruiz.
Quando o touro foi sacrificado na praça, requer das regulações que estabelece o Real Decreto 260/2002 que legisla a produção e a venda das rêses de lidia. Esta lei obriga a que imediatamente após a morte a carcaça seja obtida (tirar a pele e as vísceras) num matadouro específico para o efeito. Tudo isso deve ser feito sob uma série de condições sanitárias. Uma vez realizada esta operação, os camiões frigoríficos das empresas de carne já poder-se-ão encarregar da sua transferência para o posterior aquartelamento e distribuição.
O processo para obter a carne
Tal como conta a nutricionista Beatriz Robles, a carne tal como é consumida não é o mesmo que o músculo do animal quando está vivo. "Têm que se produzir uma série de mudanças. Entre eles, um importantíssimo é a redução do PH do músculo. Isto consegue-se porque no músculo dos animais se acumula glucógeno e quando se sacrifica o animal produz-se um processo que se conhece como glucólisis anaerobia, rompe-se o glucógeno na ausência de oxigénio e aparece o ácido láctico, que faz com que caia o PH", detalha.
Desta forma, a partir daí, a especialista assinala que já pode seguir o processo de transformação do músculo em carne. No entanto, no caso dos animais que sofreram um episódio de stress na sua morte, não têm o mesmo processo, pelo que não é da mesma qualidade.
É uma carne defeituosa?
"Quando o animal, como é o caso das corridas de touros, está submetido a um exercício físico intenso durante um período de tempo prolongado, o glucógeno muscular que se utiliza geralmente como fonte de energia gasta-se. O animal utiliza-o para obter energia para esse esforço", destaca Robles. Por isso, segundo a perita, as mudanças que fazem com que o músculo se transforme em carne não seguem uma linha adequada.
"Isto faz com que apareçam as carnes que se conhecem como DFD (Dark, Firm, Dry) –o acrónimo de escuro, duro e seco–. Desta forma, a vida útil do produto reduz-se, e considera-se uma alimento que teria um defeito face ao consumidor porque não tem as características organolépticas que se esperam", conclui.
A diferença entre o gado de combate e o gado de abate
Por sua vez, da Real União de Criadores de Touros de Lidia, que representa 344 explorações pecuárias distribuídas em três países de Europa, isto é, 50% dos touros de combate registados no Ministério de Agricultura, Pesca e Alimentação (MAPA) em Espanha, França e Portugal, afirma cortantemente a este meio que "a carne dos touros conta com o logotipo do MAPA 100% Raça Autóctona Lidia. É saudável pelo seu baixo teor de gordura". Assim mesmo, apontam que a carne depois da lidia se se submete a um adequado tratamento tem a mesma qualidade que o produto sacrificado no matadouro. "Assim o reconhecem chefs tão importantes como Mario Sandoval (Duas Estrelas Michelín)", enfatizam.
A diferença entre a carne do gado toureiro e a carne do gado não toureiro está principalmente no tratamento que se faz do animal uma vez foi sacrificado. Quando não vem directamente de um festejo taurino, vai um matadouro normal e passa por todas as fases e normativas que qualquer outro tipo de raça bovina (avileña, retinta, etc.). "Muitas vezes consome-se a carne desta raça, isso sim, sem lidiar. A genética dá um sabor e uma textura que não to dá, por exemplo, uma vaca de um matadouro, pois este animal é um atleta por natureza", destaca o chef da La Casa de Manolete Bistró.
A carne de touro de lida sem combater
A criação do touro de lida estende-se por 540.000 hectares de pastagens, definidas pela União Europeia como espaços de Alto Valor Natural. Ocupa uma sétima parte da superfície de pastagem ibéria. Além disso, existem 971 explorações de touro de combate em Espanha que contam com um censo de 216.147 animais inscritos no Livro Genealógico da Raça Bovina de Lidia.
"A criação deste touro desde que nasce até que passam cinco anos e se leva à praça é de alta qualidade, com os melhores cuidados e uma boa alimentação", aponta Rafael Merino, engenheiro agrónomo e aficionado aos touros. Ao perguntar-lhe sobre o stress que vive o animal na corrida que termina afectando a sua carne limita-se a dizer que "nisso há muito debate e polémica. Não há um rigot firme sobre este tema". O que se sabe é que a carne não é a mesma. Esta é a "dura" realidade.
Desbloquear para comentar