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Miguel Ángel Lurueña: "Os espanhóis não comemos bem e não entendemos o que compramos"

'Que não te líen com a comida' é o primeiro livro deste experiente em alimentação e com ele procura desmontar alguns mitos da indústria alimentar

Javier Roibás

Miguel Ángel Lurueña y su libro Que no te líen con la comida

Miguel Ángel Lurueña (Béjar, 1978) é doutor em Ciência e Tecnologia dos alimentos e desde faz anos dedica parte de seu tempo à divulgação científica. Mais especificamente, com todo o relacionado com a nutrição e a comida. Esta faceta desenvolve-a tanto em Twitter (@gominolasdpetro), a rede social na que é mais activo, como em seu blog, Gominolas de Petróleo. No entanto, isso não era suficiente para ele e seus conselhos e explicações sobre muitas das questões que perturbam aos consumidores quando vão ao supermercado têm dado o salto ao papel. Assim, em fevereiro deste ano viu a luz seu primeiro livro: Que não te líen com a comida (Edições Destino).

Segundo o autor, trata-se de uma guia prática para "ajudar à gente a entender o que significa comer bem e como fazer a compra sem cair em enganos publicitários, distracções ou incomprensiones". Consumidor Global tem entrevistado a Lurueña com motivo do lançamento de sua ópera prima, com a que também pretende que os consumidores sejam mais conscientes e se desfaçam das ideias preconcibas e erróneas relacionadas com a nutrição e que, em boa medida, têm sido alentadas desde a própria indústria alimentar.

  • Fazemos bem a compra os espanhóis?

"Diria que não. Os dados indicam que não comemos bem e que não entendemos o que compramos. Dão-nos medo algumas coisas que não deveriam, como os antibióticos na carne, os pesticidas nas verduras e os aditivos. Quando lemos as etiquetas, se é que as lemos, nos fixamos nas calorías, a quantidade de açúcar, a data de caducidad e pouco mais. Mas é normal. Não temos conhecimentos suficientes porque não no-lo têm ensinado em nenhum lugar".

  • É necessário dar educação nutricional nos colégios?

"Acho que sim. Devem dar-se conhecimentos sobre a vida real. Relativo à alimentação, há muitas coisas desactualizadas e carenciadas de rigor. Fala-se ainda da pirâmide nutricional e há livros de texto que metem medo sem fundamento para algumas coisas, como aos aditivos, por exemplo. Dão-nos conhecimentos sobre biologia ou geologia, mas esquece-se-nos que depois há que sair ao mundo real e não sabemos fazer a declaração da renda ou interpretar as etiquetas do que comemos, que é algo básico".

  • De que forma nos lía a indústria da alimentação?

"Com reclamos publicitários que se usam de forma voluntária e que não estão definidos na legislação. Um exemplo é o termo natural, que se põe em muitíssimos produtos e realmente não significa nada porque não está definido no regulamento com o significado que lhe costumamos dar. Também com coisas do tipo 'caseiro', 'receita artesanal', 'receita da avó'… À margem disso também estão os reclamos nutricionais e de saúde. Esses sim estão recolhidos na lei. Têm uns requisitos concretos, mas não significam o que cremos. Se um yogur diz que reforça tuas defesas, isso não significa que vá evitar que enfermes. Esses reclamos põem-se pelos compostos que se acrescentam aos produtos, não porque as bactérias do yogur reforcem nossas defesas, como tantas vezes se nos tem dito, sina porque se acrescentam certas vitaminas ou coisas das que sim podem dizer determinadas coisas".

  • As marcas aproveitaram-se do coronavirus com isto último?

"Totalmente. Algumas marcas de alimentação têm insinuado que inmunizan contra o Covid. Essa marca que diz que ajuda a tuas defesas, outra de leite que diz ajuda a teu sistema inmune… Muitas vezes as empresas fazem insinuaciones na publicidade, como por exemplo num anúncio recente de Actimel que diz: Tens vontade de terraceo? Põe-se a foto de uma pessoa tomando algo num terraço, com a silhueta do produto e o reclamo "ajuda a tuas defesas". Se somas dois mais dois, o que querem dizer é que se tomadas isso te podes ir de bares tranquilamente. Não o podem dizer abertamente, mas é o que dão a entender. Muita gente pergunta-se por que se permite isto. São insinuaciones e é muito difícil legislar sobre isso. O que diz a norma é que a publicidade não pode dar lugar a enganos, mas isso é muito subjetivo e neste caso depende da interpretação que façamos. Se fazemo-la de forma estrita, não se diz que tomar esse yogur nos vá fazer inmunes contra o coronavirus, mas são sugestões que muitas pessoas podem interpretar assim. Aí já entram em jogo os órgãos de controle para decidir se essa publicidade é ética ou não, como Autocontrole. Mas é um organismo ao que pertencem muitas destas empresas e ao final é como pôr aos lobos a cuidar das gallinas".

  • Nossos avôs comiam melhor que nós?

"Pode-se dizer que tinha uma melhor oferta de alimentos porque não tinha tantos produtos insanos como refrescos, chocolates, bolachas… costures das que agora encontramos lineares inteiros nos supermercados e que fazem que a eleição de alimentos se complique. Agora bem, se falamos de segurança alimentar, estamos a anos luz do que comiam nossos avôs. Apesar dessa ideia romântica de que dantes todo era mais seguro porque era mais natural. Que vai, é todo o contrário. Dantes mal tinha controles e ocorriam desgraças como a do azeite de colza ou outros a menor escala, como intoxicaciones alimentares e fraudes".

O doutor em Ciência e Tecnologia dos Alimentos Miguel Ángel Lurueña / Javier Lueje
  • Há um medo infundado ao artificial?

"São medos infundados que não se centram só na alimentação. Abundam na medicina, na cosmética… em muitos âmbitos nos que percebemos o químico como algo necessariamente mau e o natural como algo bom. Um pão de molde, por exemplo, até que ponto é natural? Não nasce na terra. Desde que ponto começamos a considerar o artificial e o natural? São coisas que estão instauradas e que têm ganhado mais relevância agora. O que fazem muitas empresas é o aproveitar e o fomentar, apesar de que isso vai na contramão de seus interesses em longo prazo. Evitam o uso de substâncias que representam uma vantagem para eles e também para os consumidores, como certos aditivos que não representam nenhum perigo e que se deixam de usar porque dão medo à gente".

  • Afecta isto à legislação dos produtos ecológicos?

"A legislação de produtos ecológicos baseia-se na falacia naturalista, na de assumir que o natural é bom e o artificial não. Se legisla em torno disto, o qual me parece uma barbaridad. Isso provoca que na produção dos alimentos, para que possam levar o selo ecológico, não se possam utilizar aditivos de sínteses ou pesticidas de sínteses. Dá-se prioridade a certas medicinas alternativas --para os animais-- como a homeopatia. Diz-se que a alopática, isto é, a medicina, a que funciona, só se pode utilizar como último termo se a outra não funciona. Dá-se pé também à agricultura biodinámica, baseada nas teorias de Rudolf Steiner, um senhor ao que se lhe ocorriam crias peregrinas. Dizia que os astros tinham influência sobre os cultivos e se inventava fórmulas magistrales com as que supostamente os cultivos cresciam melhor e mais rápido, como enterrar cristais de cuarzo quando tinha lua cheia. A gente não sabe o que é a agricultura biodinámica, mas como soa bem e natural… Aliás, há vinhos de agricultura biodinámica e a gente os compra só por esse motivo".

  • A todos gostamos de ser respeitosos com o planeta e os animais, mas os alimentos ecológicos não são precisamente baratos…

"É uma opção que não é asequible para todo mundo e que pode fazer que as pessoas que não podem assumir esse custo extra se sentam mau. Já seja pela pressão social ou a publicidade que se faz disso. Dá-se a entender que o ecológico é mais sustentável e que se não o compras estás a prejudicar o medioambiente. Se fazes crítica do ecológico e das falhas que tem o regulamento, a gente se posiciona e diz que és um monstro ao que não se importa o medioambiente. Claro que me importo, estou muito comprometido com isso, mas há coisas que não têm nem pés nem cabeça. Podem-se encontrar maçãs ecológicas importadas de Itália, cocos desde Costa do Marfim e kiwis de Nova Zelândia. Todo embalado em plástico e com o custo meio ambiental que supõe o envio desde essa parte do mundo até Espanha. Isso de ecológico não tem nada. Os que defendem o ecológico falam de que o regulamento não se baseia na protecção do medioambiente e que só se trata de um sistema de produção. Tem um nome enganoso porque dá a entender que é mais sustentável, quando em realidade só tem que cumprir uns requisitos que não estão necessariamente relacionados com isso".

O livro Que não te líen com a comida de Miguel Ángel Lurueña / CG
  • Que opina sobre Nutriscore? Há muito revuelo dentro da própria comunidade científica

"O ideal seria que os consumidores aprendêssemos a ler as etiquetas sem ter uma nota que nos simplifique tanto as coisas. Cair nesse simplismo pode induzir a erros e já se viram alguns buracos. Como o de tratar de camuflar uns cereais de café da manhã com um 25 % de açúcar como se fosse um produto saudável. Se acrescentamos fibra, por exemplo, que puntúa de forma positiva, se enmascara o negativo do açúcar e se obtém uma nota final positiva. Isso pode despistar. O selo nasceu com a ideia de ser uma informação intuitiva e simples, mas ao final não serve para comparar todos os alimentos, sina que se deve fazer por categorias. Podemos encontrar um produto que não seja saudável e que tenha uma A. Isso só nos diz que é menos mau que outro que tem um D, com o qual, perde essa função de ser intuitivo e simples porque há que aprender ao interpretar".

  • Algum conselho para que os consumidores façam a compra de forma mais saudável?

"Priorizar os alimentos frescos ou pouco processados de origem vegetal e animal. Frutas, verduras, hortaliças, legumes, e no mundo animal, pescado, ovos, leite… todo isso que já sabemos que é saudável. Também planificar o que vamos comprar e fazer um menu semanal para evitar nos levar produtos supérfluos e insanos. Se temo-los em casa, ao final, comemos-no-los. Outro conselho é propor-se se o que um sabe é realmente verdadeiro. Temos dogmas instaurados, como o de desayunar cereais e fruta, que não tem nenhum sentido. Não no-los propomos porque se repetiram demasiadas vezes. Por outro lado, não há que obsedar com a alimentação, às vezes passamos ao outro extremo e temos medo de todo e nos torturamos com que vitaminas ou minerales terá um produto. Há que simplificar, não faz falta estar com a calculadora todo o dia. Por último, se temos que comprar produtos com etiquetas, é necessário fixar na informação obrigatória, sobretudo na lista de ingredientes, que é o mais importante. Os primeiros que aparecem são os maioritários e os mais importantes. Se o primeiro que aparece é açúcar, farinha e sal, pois não é um bom produto".